O jornal A Folha de S. Paulo publicou hoje, 21 de junho de 2007, na página de Opinião, seção Tendências e Debates, artigo de Paulo Nassar, diretor presidente da Aberje, que manifesta a posição pública da entidade diante de um tema que, inescapavelmente, a sociedade brasileira não pode mais adiar o debate: a regulamentação da atividade de lobby.
Na visão da Aberje, os comunicadores, por vocação e formação, devem provocar os diferentes setores interessados e encontrar espaço com esta finalidade, a bem da democracia, da liberdade e da transparência, necessárias para a urgente diminuição do fosso que separa os poucos brasileiros ricos dos muitos brasileiros pobres, por meio do trabalho, de desenvolvimento e da justiça.
Confira abaixo a íntegra do artigo:
Para deixar a clandestinidade
"O Brasil precisa colocar entre as prioridades de sua agenda a regulamentação do lobby, que é atividade legítima, lícita e necessária
EUA, UNIÃO Européia e parte da América Latina têm mecanismos reguladores das atividades de lobby. Nós, não. Vivemos de escândalo em escândalo, na promiscuidade entre público e privado, em meio a um nevoeiro que não permite distinguir as feições de quem age em favor de quem e por qual razão.
Mantemos em alguma gaveta do Congresso seis projetos que regulam o lobby no Brasil. O mais antigo deles, de 1989, é de autoria do senador Marco Maciel. De fato, não é uma tarefa simples normatizar essa atividade, que é muito complexa, envolve múltiplos interesses e cuja nebulosidade, que a encobre há anos, é bastante conveniente a um tipo de gente que queremos longe. Mas é possível.
O lobby nos EUA tem a "Federal Regulation of Lobbying Act of 1946", que o regulamenta. Essa lei foi atualizada em 1995 por causa de uma grande crise ética, que envolveu alguns membros e vários funcionários do Congresso e do Executivo, entre os quais o lobista Jack Abramoff, o centro do escândalo de extensiva corrupção em Washington. Ele usou várias entidades políticas e corporativas para ganhar dinheiro, pagar viagens e outros presentes para funcionários e autoridades do governo federal. Foi apanhado, julgado e condenado a passar mais de cinco anos na cadeia.
Não foi o único a pagar pelo crime. Lá, nos EUA, além da lei federal, cada Estado e muitos municípios têm legislações próprias, que dão transparência às relações com o poder. A jovem União Européia discutiu amplamente a atividade de lobby. Enquanto isso, adotou documentos que estabeleceram princípios gerais para a conduta dos lobistas. Em 2006, foi introduzido o "Green Paper on a European Transparency Initiative", oferecendo mais transparência e regras definidas para os 15 mil lobistas, ONGs e outros grupos que pretendem influenciar os decisores da UE. Ao mesmo tempo, o tema foi debatido em audiências públicas.
Alguns de nossos vizinhos -Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru- têm leis de lobby ou de ética pública.
O Brasil precisa colocar entre as prioridades de sua agenda a regulamentação do lobby, que deverá servir para toda a administração pública federal -Executivo, agências reguladoras, estatais, Legislativo e Judiciário-, deverá ser parâmetro a ser aplicado aos Estados, capitais e aos municípios com mais de 200 mil eleitores. Deverá abranger os setores público e privado, o terceiro setor, os sindicatos, as associações, as confederações, as empresas, as consultorias etc.
O fundamental é que, pela regulamentação, se possa identificar quem representa quem, quais são os interesses em jogo no processo de formação das políticas públicas e se existe abuso do poder econômico. Também, o controle dos gastos diretos e indiretos envolvidos nesse trabalho.
É preciso deixar claro que não há lobby "do bem" ou "do mal". Existem ações iniciadas por um indivíduo ou um grupo para influenciar a opinião de um representante ou um setor do governo em prol de apoio a sua causa -que é o lobby. Existe a construção de uma estratégia de argumentação com o objetivo de defender uma causa -que é a "advocacy". E existe o processo de gerenciamento de ações estratégicas com o intuito de influenciar políticas públicas -que são as relações governamentais. Todas praticadas com técnicas de relações institucionais ou relações públicas.
Já é hora de provocar esse debate com a sociedade. As questões éticas relacionadas à promiscuidade entre público e privado não são novas nem exclusivas. Devem ser enfrentadas à luz da atualidade: um mundo aberto, interligado em redes, sociedades mais informadas, mais conscientes, desejosas de participação.
Da mesma forma que o público exige das empresas uma nova atitude -transparência, uma nova maneira de fazer comunicação e estabelecer relacionamentos entre marcas, produtos, consumidores, trabalhadores, sociedade-, o mesmo desejo se repete no âmbito público em relação aos três Poderes. É exigência inescapável e presente, que se cobra, se cobrará e se espera de cada um dos Poderes em todos os níveis da República.
Lobby só existe em democracias. Ou seja, são atividades legítimas, lícitas e necessárias. Para o bem delas mesmas, dos envolvidos e dos interessados e, especialmente, do fortalecimento da nossa democracia, a regulamentação do lobby é urgente. Porque o resto é tráfico de influência, intermediação de negócios entre o setor privado e o setor público. E, pior, fere de morte nossa liberdade.
Vamos reunir rapidamente representantes de entidades, governo e personalidades para pensar juntos. E encontrar um modelo competente, legal e legítimo de relacionamento entre a sociedade, as empresas e os Poderes da República, que saia da clandestinidade para a transparência".
Fonte: Por Paulo Nassar, in Folha de São Paulo, página A3 - Opinião, Tendências e Debates
Na visão da Aberje, os comunicadores, por vocação e formação, devem provocar os diferentes setores interessados e encontrar espaço com esta finalidade, a bem da democracia, da liberdade e da transparência, necessárias para a urgente diminuição do fosso que separa os poucos brasileiros ricos dos muitos brasileiros pobres, por meio do trabalho, de desenvolvimento e da justiça.
Confira abaixo a íntegra do artigo:
Para deixar a clandestinidade
"O Brasil precisa colocar entre as prioridades de sua agenda a regulamentação do lobby, que é atividade legítima, lícita e necessária
EUA, UNIÃO Européia e parte da América Latina têm mecanismos reguladores das atividades de lobby. Nós, não. Vivemos de escândalo em escândalo, na promiscuidade entre público e privado, em meio a um nevoeiro que não permite distinguir as feições de quem age em favor de quem e por qual razão.
Mantemos em alguma gaveta do Congresso seis projetos que regulam o lobby no Brasil. O mais antigo deles, de 1989, é de autoria do senador Marco Maciel. De fato, não é uma tarefa simples normatizar essa atividade, que é muito complexa, envolve múltiplos interesses e cuja nebulosidade, que a encobre há anos, é bastante conveniente a um tipo de gente que queremos longe. Mas é possível.
O lobby nos EUA tem a "Federal Regulation of Lobbying Act of 1946", que o regulamenta. Essa lei foi atualizada em 1995 por causa de uma grande crise ética, que envolveu alguns membros e vários funcionários do Congresso e do Executivo, entre os quais o lobista Jack Abramoff, o centro do escândalo de extensiva corrupção em Washington. Ele usou várias entidades políticas e corporativas para ganhar dinheiro, pagar viagens e outros presentes para funcionários e autoridades do governo federal. Foi apanhado, julgado e condenado a passar mais de cinco anos na cadeia.
Não foi o único a pagar pelo crime. Lá, nos EUA, além da lei federal, cada Estado e muitos municípios têm legislações próprias, que dão transparência às relações com o poder. A jovem União Européia discutiu amplamente a atividade de lobby. Enquanto isso, adotou documentos que estabeleceram princípios gerais para a conduta dos lobistas. Em 2006, foi introduzido o "Green Paper on a European Transparency Initiative", oferecendo mais transparência e regras definidas para os 15 mil lobistas, ONGs e outros grupos que pretendem influenciar os decisores da UE. Ao mesmo tempo, o tema foi debatido em audiências públicas.
Alguns de nossos vizinhos -Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru- têm leis de lobby ou de ética pública.
O Brasil precisa colocar entre as prioridades de sua agenda a regulamentação do lobby, que deverá servir para toda a administração pública federal -Executivo, agências reguladoras, estatais, Legislativo e Judiciário-, deverá ser parâmetro a ser aplicado aos Estados, capitais e aos municípios com mais de 200 mil eleitores. Deverá abranger os setores público e privado, o terceiro setor, os sindicatos, as associações, as confederações, as empresas, as consultorias etc.
O fundamental é que, pela regulamentação, se possa identificar quem representa quem, quais são os interesses em jogo no processo de formação das políticas públicas e se existe abuso do poder econômico. Também, o controle dos gastos diretos e indiretos envolvidos nesse trabalho.
É preciso deixar claro que não há lobby "do bem" ou "do mal". Existem ações iniciadas por um indivíduo ou um grupo para influenciar a opinião de um representante ou um setor do governo em prol de apoio a sua causa -que é o lobby. Existe a construção de uma estratégia de argumentação com o objetivo de defender uma causa -que é a "advocacy". E existe o processo de gerenciamento de ações estratégicas com o intuito de influenciar políticas públicas -que são as relações governamentais. Todas praticadas com técnicas de relações institucionais ou relações públicas.
Já é hora de provocar esse debate com a sociedade. As questões éticas relacionadas à promiscuidade entre público e privado não são novas nem exclusivas. Devem ser enfrentadas à luz da atualidade: um mundo aberto, interligado em redes, sociedades mais informadas, mais conscientes, desejosas de participação.
Da mesma forma que o público exige das empresas uma nova atitude -transparência, uma nova maneira de fazer comunicação e estabelecer relacionamentos entre marcas, produtos, consumidores, trabalhadores, sociedade-, o mesmo desejo se repete no âmbito público em relação aos três Poderes. É exigência inescapável e presente, que se cobra, se cobrará e se espera de cada um dos Poderes em todos os níveis da República.
Lobby só existe em democracias. Ou seja, são atividades legítimas, lícitas e necessárias. Para o bem delas mesmas, dos envolvidos e dos interessados e, especialmente, do fortalecimento da nossa democracia, a regulamentação do lobby é urgente. Porque o resto é tráfico de influência, intermediação de negócios entre o setor privado e o setor público. E, pior, fere de morte nossa liberdade.
Vamos reunir rapidamente representantes de entidades, governo e personalidades para pensar juntos. E encontrar um modelo competente, legal e legítimo de relacionamento entre a sociedade, as empresas e os Poderes da República, que saia da clandestinidade para a transparência".
Fonte: Por Paulo Nassar, in Folha de São Paulo, página A3 - Opinião, Tendências e Debates
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