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Coca-Cola ainda tenta recuperar a marca

Quando foi preciso encontrar alguém para reorganizar a companhia em 2004, Neville Isdell não foi a primeira escolha, e nem a segunda, dos diretores da Coca-Cola. Com a maior fabricante de refrigerantes do mundo passando por sua crise mais expressiva em seus 121 anos de existência, seus executivos procuraram alguém de fora para consertar as coisas. Somente depois das negativas de James Kilts, então presidente da Gillette, e de Carlos Gutierrez, então presidente da Kellogg, eles recorreram a Isdell, então com 62 anos, que aproveitava uma aposentadoria ensolarada em Barbados depois de 40 anos na companhia.

Ele não hesitou em trocar o calção de banho por um terno, depois de ter sido preterido ao principal cargo da Coca-Cola em 1997 e novamente em 2000 - o que levou à sua aposentadoria precoce. Nascido na Irlanda, Isdell foi criado em Zâmbia, onde começou a trabalhar para a Coca-Cola. Passagens pela África do Sul, Austrália, Filipinas e Alemanha se seguiram. Isdell, então, levou a companhia para novos mercados na Índia, Oriente Médio e na extinta União Soviética e acabou encarregado das operações européias. Administrador prático, sua primeira medida ao retornar à companhia foi investigar ele mesmo os problemas.

Assim como um Phileas Fogg moderno, ele cruzou o mundo em 100 dias para ouvir funcionários de todos os escalões em muitos dos mais de 200 países em que a Coca-Cola está presente. Ele encontrou vendas em queda, funcionários desmotivados, marketing ineficiente e falta de liderança. A marca mais valiosa do mundo passava por uma crise de confiança. "Havíamos perdido a confiança em nossa capacidade de vencer", diz Isdell.

Uma vez de volta à sede da Coca-Cola, em Atlanta, Estado da Geórgia, Isdell dividiu suas constatações com os executivos da cúpula. O resultado do que ele chama de um "processo catártico" foi o Manifesto pelo Crescimento, um plano de dez anos para revitalizar a companhia. Seu primeiro objetivo foi melhorar a produção e o marketing da Coca-Cola, Sprite e Fanta, os refrigerantes gaseificados que respondem por cerca de quatro quintos das vendas do grupo. Isdell decidiu injetar recursos adicionais de US$ 400 milhões em marketing, por causa do aumento das evidências de que o poder da marca Coca-Cola estava enfraquecendo. Ao mesmo tempo, ele se mobilizou para fortalecer o portfólio de bebidas não gaseificadas e bebidas "funcionais".

Água engarrafada, bebidas energéticas e sucos de frutas são hoje as principais fontes de novos negócios da indústria dos refrigerantes, com taxas de crescimento sete vezes maiores que as das bebidas gaseificadas, cujas vendas perderam seu vigor como resultado das preocupações com a obesidade. A medida mais arrojada de Isdell nessa área aconteceu em 25 de maio, quando a Coca-Cola anunciou que iria comprar a Glaceau, uma fabricante americana de água vitaminada, por US$ 4,1 bilhões - a maior aquisição já feita por ela. Na semana retrasada, porém, a Coca-Cola perdeu para a PepsiCo uma batalha pela Sandora, uma fabricante de sucos da Ucrânia.

Um outrora "chefão" do engarrafamento - ele já comandou a Coca-Cola Beverages, uma engarrafadora européia -, Isdell também prestou bastante atenção às relações freqüentemente disfuncionais com as companhias engarrafadoras. Sob acordos que algumas vezes datam de mais de um século, o fornecimento da Coca-Cola está concentrado nas engarrafadoras locais, que então produzem e distribuem os refrigerantes. Isdell deu às engarrafadoras permissão para se unirem a outras empresas para atender melhor a disparada das vendas das bebidas mais saudáveis.

Como a Coca-Cola possui participações em muitas engarrafadoras e controla totalmente outras, esta é mais uma maneira de o grupo se diversificar. A Coca-Cola Enterprises, por exemplo, que é uma grande engarrafadora dos Estados Unidos na qual a Coca-Cola possui uma grande fatia, agora distribui o Arizona, um chá pronto para beber produzido pela Ferolito, Vultaggio & Sons, uma companhia americana de chás gelados. Como parte de sua estratégia, Isdell também aumentou a participação da Coca-Cola em algumas engarrafadoras, ou comprou algumas inteiras, como ele fez este ano com a companhia engarrafadora onde trabalhou nas Filipinas.

Os esforços de Isdell estão agora começando a dar resultados. O preço da ação da companhia subiu 20% em 2006 e no primeiro trimestre deste ano as vendas cresceram 17%, para US$ 6,1 bilhões, e os lucros aumentaram 14% em comparação ao mesmo período do ano passado. Analistas da companhia de serviços financeiros Stifel Nicolaus consideram esse desempenho a melhor evidência de que o plano de Isdell está funcionando e que suas metas de longo prazo são sólidas. Bonnie Herzog, uma analista do Citigroup para o setor de bebidas, recentemente aumentou a recomendação da Coca-Cola para "comprar", o que não fazia há quatro anos, principalmente por causa da aquisição da Glaceau. Isso mostra que a companhia "está se recompondo", diz ela.

Mas outros continuam céticos. Robert van Brugge, da companhia de investimentos e pesquisas Sanford Bernstein, acredita que as aquisições da Glaceau e da Fuze, uma companhia americana de sucos e chás, são bons negócios, mas ambas são empresas relativamente pequenas. As vendas fracas no mundo desenvolvido precisam de um incentivo, diz ele. Europa, EUA e Japão responderam por cerca de 70% dos lucros, mas praticamente nada do crescimento em 2006. E muitas das bebidas lançadas no ano passado, como a Coke Black, um refrigerante com café, e o chá gelado Gold Peak foram um fracasso.

Segundo a companhia de pesquisas de mercado Euromonitor, a Coca-Cola vem perdendo participação mundial nos últimos seis anos. Sua principal rival, a Pepsi, vem fazendo um trabalho melhor ao se voltar para as bebidas saudáveis nos Estados Unidos. E, ao contrário da Pepsi, que produz salgadinhos tanto quanto refrigerantes, a Coca-Cola não tem nenhuma outra linha de negócios como segurança. E é altamente improvável que isso mude no curto prazo, uma vez que Isdell quer consertar as coisas primeiro.

Ele observa que sua empresa superou as expectativas dos analistas em cada um dos últimos dez trimestres, embora admita que "ainda não estamos cantando vitória". Para alguns analistas, as medidas adotadas deveriam ter sido mais radicais, como aquisições e cortes de empregos mais audaciosos. Mas eles sabiam que alguém de dentro da companhia provavelmente não faria mudanças muito drásticas e vêm se mostrando surpresos com o que Isdell está conseguindo. Nunca subestime a dificuldade que é reverter uma situação ruim em uma companhia enorme como a Coca-Cola. Mas para Isdell ser visto como o salvador da empresa, ele agora também precisa conseguir um crescimento mais rápido.


Fonte: Valor Econômico

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