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Consumidores não conhecem seus próprios desejos

Ele é um dos mais disputados estrategistas de marketing da economia global. Já trabalhou para 50 das cem maiores companhias mundiais. Aos 62 anos, o francês Clotaire Rapaille, residente nos EUA, criou uma teoria sobre como descobrir desejos secretos dos consumidores. Psiquiatra e antropólogo, ele vem ao Brasil estudar os códigos inconscientes dos brasileiros. Autor do livro "O Código Cultural", fará palestra sexta-feira, dia 18, às 10h, no GLOBO, em evento aberto ao público, com vagas limitadas por ordem de chegada. Confira a entrevista concedida à repórter Marília Martins, correspondente do jornal O GLOBO em Nova York.


O senhor era um psiquiatra de crianças autistas e se tornou um consultor internacional de pesquisas de mercado.
Como foi a mudança?


CLOTAIRE RAPAILLE: Eu trabalhava com crianças autistas, crianças com dificuldades de comunicação. E fiz descobertas sobre como o cérebro trabalha. Eram crianças muito inteligentes, mas com enormes problemas emocionais. Descobri que quando se aprende uma palavra — por exemplo, mãe, amor, café —, esta primeira experiência, que é intensamente emocional, cria uma conexão no cérebro, usada para o resto de nossas vidas. Então, o aprendizado da linguagem e da cultura, por meio das emoções, estrutura as conexões dos neurônios e forma um código inconsciente de impressões, diferente em cada cultura. A palavra cof fee nos EUA não quer dizer o mesmo que café no Brasil, ainda que uma seja a tradução da outra. Eu dava aulas na Universidade de Genebra, quando um aluno trouxe o pai para assistir à minha aula, e ele me fez uma pergunta: queria saber o que fazia com que os japoneses rejeitassem o café da Nestlé. Fui ao Japão e descobri que a estratégia de marketing da Nestlé era feita para tentar convencer os japoneses a trocar o chá pelo café. Isso é um absurdo, quando se conhece o Japão. Os japoneses têm, no seu código cerebral, uma impressão muito forte do chá. A palavra, para eles, tem dimensão religiosa. Percebi, então, que minhas descober tas sobre o cérebro poderiam ser usadas numa estratégia de mercado. Bastaria perceber a impressão que os japoneses tinham do café e trabalhar nesse sentido. A Nestlé lançou sobremesas com sabor de café e criou na cultura japonesa uma nova impressão e um novo significado para o sabor. Hoje, o café é muito consumido no Japão, sobretudo entre os jovens.


Como as impressões cerebrais mudam o comportamento do consumidor?

RAPAILLE: Quando nascemos, nosso cérebro funciona como um réptil, governado por instintos básicos e inatos, que nos permitem sobreviver. É a parte do cérebro responsável por respirar, comer, defecar... Nascemos com ele. Mas há outros dois níveis no cérebro que dependem do aprendizado. O segundo nível é o límbico, que governa as emoções: ele nos ensina o que significa mãe, amor, casa... Na relação com a mãe, o bebê tem as suas primeiras impressões mentais do mundo que o cerca, e essas são as mais fortes conexões cerebrais que temos na vida e que se tornam inconscientes. Depois, vem o córtex cerebral, desenvolvido a partir dos 7 anos: este é o cérebro consciente, aquele que costumamos pensar que governa a nossa vida. Costumo dizer que, dos três, o "cérebro réptil" é o mais forte. Ele sempre ganha. Isso quer dizer que o nosso instinto de sobrevivência é mais forte que tudo. E como isso influencia o comportamento dos consumidores? Primeiro, se a propaganda souber atingir aquilo que há de mais básico no código de cada cultura, aquilo que chamo de arquétipo, o apelo ao consumo será absolutamente irresistível. Em segundo lugar, significa que as pesquisas tradicionais de mercado, com entrevistas para saber o que os consumidores querem comprar, tendem ao fracasso. Não adianta perguntar! Os consumidores não sabem responder! As pessoas podem comprar algo de que jamais imaginaram precisar. Os consumidores não conhecem seus próprios desejos.


O senhor poderia dar um exemplo de uma estratégia de mercado eficiente para uma economia globalizada com base nesses códigos?

RAPAILLE: Claro. Fiz um trabalho para a multinacional francesa L’Oréal exatamente para mostrar como o ato de sedução muda radicalmente de uma cultura para outra. Na França, por exemplo, mostrar as pernas é fundamental, o modo como a mulher caminha pode ser decisivo, a abordagem masculina tem que ser sutil, e ela demora a dar um sinal verde, mas quando isso acontece, o jogo da sedução está ganho. Nos EUA, o importante são os seios, e, mais do que isso, o homem precisa fazer com que ela repita o sinal verde a cada momento. Ela poderá estar nua sobre cama e, de repente, desistir. Se ele for adiante, será um estupro! Você sabia que 70% dos casos de estupro nos EUA são praticados por homens do círculo de amizade das vítimas? Quer dizer que houve um engano no que se refere aos sinais que ela emitiu. Nos EUA, o importante é ter escolha, em cada minuto da vida!


O senhor já estudou os códigos culturais inconscientes brasileiros?

RAPAILLE: Ainda não. Estou indo ao Brasil para isso. Mas tenho estudado muito a cultura brasileira. Sei que a colonização foi diferente do resto da América Latina: você receberam a visita do imperador de Portugal e viraram o centro do império. Isso faz diferença na formação dos códigos culturais. Também é fundamental perceber a importância que os brasileiros dão à música e, sobretudo, à dança. Todo mundo conhece a música brasileira e sabe que uma das melhores opções de sábado à noite é ir a uma festa brasileira. Isso distingue brasileiros de argentinos, por exemplo. Repare na dança brasileira e na argentina: no samba, a mulher está no centro, e o homem gira em torno dela; no tango, o homem está no centro, e joga a mulher para cá e para lá. Isso diz muito sobre as duas culturas. Acho que os códigos culturais brasileiros dão ao país vantagens competitivas muito importantes para a economia globalizada. No Brasil, as raças se misturam, as culturas de imigrantes não ficam restritas a guetos. Alem disso, vocês têm uma economia muito mais atenta ao meio ambiente, com alto índice da frota de carros a etanol. Vocês estão com muitas vantagens competitivas. Acho que o Brasil pode ser os EUA do século XXI.


É possível convencer americanos a consumirem mais carros a álcool e produtos ecologicamente corretos?

RAPAILLE: Não acredito que se possa convencer alguém de coisa alguma, se a pessoa não quiser. Vejo o caso das dietas. Quanto mais se publicam livros de dietas, mais os americanos se tornam obesos. Parece até que há uma relação direta: mais dietas disponíveis, mais obesidade nas estatísticas. Mas acredito que as pessoas gostariam de ser magras. É que, inconscientemente, não resistem aos apelos da indústria de fast-food. O mesmo ocorre com os carros a gasolina. Para atrair os americanos a consumirem álcool, será preciso oferecer tudo o que eles já têm quando compram um carro a gasolina. E, nesse caso, sim, o fator ambiental será um atrativo a mais. De outro modo, os consumidores não vão mudar seus hábitos.


É possível aumentar as vendas num mercado que parece esgotado pelo excesso de concorrência?

RAPAILLE: Claro que sim. Veja o caso da indústria automobilística. Eles competiam tanto que acabavam fazendo carros muito parecidos, e nenhum deles conseguia aumentar as vendas. Fiz um trabalho para eles e descobri que os consumidores, inconscientemente, queriam carros com identidade. Um carro que fosse diferente dos outros. Veja o sucesso do Jeep. É um modelo que oferece identidade: quem compra um Jeep tem um estilo de vida, um jeito de ser que é muito americano. Como a calça jeans. São produtos que atingem os arquétipos mais primários da cultura americana. Quais seriam esses produtos no Brasil? Para oferecer produtos brasileiros no exterior, é preciso adaptá-los aos arquétipos de outras culturas. Os brasileiros precisam aprender a fazer isso. Só assim poderão transformar as vantagens competitivas de seus arquétipos culturais em conquistas no mercado mundial. A cultura brasileira tem facilidade de assimilar outras culturas e se misturar a elas. É hora de aproveitar esse talento para comprovar a adaptabilidade dos produtos brasileiros em uma economia globalizada.


Fonte: Por Marília Martins, in www.revistacafeicultura.com.br

Comentários

Anônimo disse…
Aprendi mucho

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