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Exageros na comunicação do aquecimento global

Para especialistas, na cobertura do tema é preciso haver respaldo científico e evitar alarmismo. Depois do anúncio das conclusões do quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), no final de 2006, o aquecimento global e suas possíveis conseqüências entraram definitivamente na pauta dos jornais, revistas, rádios e TVs, dividindo espaço com os assuntos cotidianos de política, esporte, economia e polícia. Antes restrito aos círculos científicos, acadêmicos ou de iniciados, a questão das mudanças climáticas ganhou uma dimensão popular, passando a freqüentar rodas de conversa. O esforço para comunicar de modo simples um assunto complexo, com muitas leituras e interpretações, tem produzido, no entanto, uma avalanche de informações desencontradas, discussões pouco aprofundadas e conclusões catastróficas que exageram e, muitas vezes, tornam até imprecisas as constatações científicas.

"Tenho acompanhado o que sai na mídia e fico muito assustado. Não existem grandes novidades sobre o aquecimento global. Mas, de repente, isso virou um apocalipse", diz Fernando Almeida, presidente-executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Almeida alerta para a velocidade com que as matérias estão se reproduzindo, muitas vezes sem base científica. "Esse é um assunto extremamente delicado e que exige um conhecimento profundo, ou pelo menos algum tipo de respaldo em dados da ciência. Acho ruim qualquer postura alarmista."

Se o fim do mundo chegou mais cedo na imprensa brasileira, não foi diferente em outros países. Para a engenheira Suzana Kahn, professora da Coordenação dos Programas de Engenharia (Coppe) da UFRJ, e integrante do IPCC, o fenômeno é global. "Os veículos de comunicação simplesmente querem publicar o que chama mais atenção, para vender mais. Se um jornal popular discute o nível de concentração de e o seu potencial para o aquecimento global, isso parece não interessar a ninguém. Seja por orientação de seus editores, seja por iniciativa própria, os jornalistas procuram tratar o tema com manchetes que atraiam o público para comprar", afirma. Almeida concorda. "Nos Estados Unidos, acontece o mesmo. Até revista de fofoca fala de aquecimento global."

Mitos e verdades
Independentemente dos interesses e motivações dos veículos de comunicação, como saber, em meio a tantos conceitos, números e alertas diferen-ciar a informação confiável da exagerada? No jornalismo das mudanças climáticas, o que é mito e o que é realidade? Suzana explica que, de fato, a temperatura do planeta está aumentando. E a culpa é, indiscutivelmente, do Homem.

O motivo do aquecimento é, em primeiro lugar, a emissão de gases de efeito estufa. Fenômenos como o desmatamento, a matriz energética preferencial baseada em combustíveis fósseis e os padrões de consumo desmedidos são geradores desse quadro e constituem causas das mudanças do clima.

As conseqüências, porém, não devem ser motivo para uma histeria em massa. Pelo menos por enquanto, já que os cientistas analisaram e descobriram medidas simples - e outras mais complexas - para desacelerar a temperatura média planetária. As ações - diz Suzana - pedem urgência, mas não pânico.

Segundo Almeida, os veículos de comunicação, às vezes, colocam o foco de sua atenção nos assuntos errados. "A questão hoje não é mais como evitar o aquecimento global, mas como vamos nos adaptar e tentar segurar o teto da concentração de ", afirma. Para ilustrar seu ponto de vista, o presidente do CEBDS usa uma metáfora: considerando que a Terra seja como o corpo humano e, por isso, precisa de equilíbrio, um copo de vinho por dia não lhe fará mal, mas cinco litros da bebida poderão levá-la à morte. O mesmo acontece com o planeta e a natureza. O problema, completa, é que estamos ultrapassando o limite da dose, no caso, de gases de efeito estufa.

Não há dúvidas, entre os cientistas, de que a Terra será submetida a um processo de destruição progressiva caso não sejam tomadas as devidas providências. Mas ainda não há consenso sobre as conseqüências exatas das alterações no clima. "Os fenômenos da natureza não são totalmente previsíveis. Não podem ser equacionados matematicamente. Hoje a relação de causa e efeito do câncer ainda não é definida. Na natureza também é assim. Por isso temos que trabalhar com o conceito da precaução", explica Almeida.

É justamente em cima dessa imprecisão científica que parte da mídia ajuda a reforçar mitos em torno do aquecimento global, procurando conferir ao tema mais exatidão que lhe compete. "As causas das mudanças climáticas são um fato. As conseqüências têm sido comunicadas com um certo exagero. Não é uma certeza, por exemplo, que o aumento de temperatura vai gerar mais furacões ou enchentes, como muitos veículos anunciaram. Além disso, esses efeitos são colocados para o público de forma muito catastrófica", analisa Suzana.

Equívocos e exageros Para Almeida, a tendência da mídia de escolher abordagens equivocadas ou alarmar demasiadamente não é negativa simplesmente porque fere a veracidade e o limite das descobertas científicas. Mas também porque comunica à população conclusões muitas vezes errôneas e confusas, prestando, assim, um desserviço.

"No Rio de Janeiro existe um sistema lagunar que está comprometido por conta da poluição da água. Passei por uma roda de donas de casa e aposentados e os ouvi comentando que a culpa era do aquecimento global", comenta o presidente do CEBDS. "Qualquer posição extremamente alarmista ou derrotista só faz a população ficar amedrontada. Além de não ajudar, é uma irresponsabilidade", afirma ele.

O tom catastrofista, para Almeida, constitui um fator de paralisia. Como resultado, a primeira reação das pessoas ao tomar contato com noticiários repetidamente pessimistas tende a ser a perplexidade e a inação, e a segunda, o relaxamento, provocado pelo sentimento de impotência diante de um problema que parece incontornável e sem solução.

A opinião de Suzana é a mesma: "Quando a situação se apresenta muito pessimista, não há nada a fazer. É preciso ser realista para estimular que sejam tomadas as medidas necessárias para minimizar esses impactos."

Comunicação aliada
A engenheira comemora a enorme visibilidade dada ao tema pelo relatório atual do IPCC. Mas, diz que a popularização do aquecimento global, considerando a complexidade dos dados, acaba por produzir perigosas confusões e alguma desinformação. "É comum confundir o buraco na camada de ozônio com a emissão de gases de efeito estufa. Outro erro comum é pensar que o fato de um dia estar mais quente do que o normal se deve ao efeito estufa", afirma Suzana. O papel da mídia, segundo ela, é desfazer mitos, e não reforçá-los. "Acredito que as confusões vão diminuir, porque as pessoas acabam se informando cada vez mais."

Na opinião de Almeida, a mídia mais madura deve substituir o enfoque mais alarmista por um outro que contemple o aprofundamento do tema associado à orientação, a título de serviço, sobre o que a sociedade precisa fazer para contribuir para a redução das emissões dos gases de efeito estufa. Jornais, revistas, rádios e TV precisam informar, por exemplo, que tipo de transporte as pessoas devem usar, que eletrodomésticos adquirir e de quais empresas comprar.

Por outro lado, diz Suzana, os veículos de comunicação podem ser um importante instrumento de reivindicação de mudanças e pressão das autoridades públicas. "Acredito que seja muito pouco o que uma pessoa possa fazer individualmente para minimizar as mudanças climáticas. Os principais atores são os governos, porque a eles cabe implantar políticas públicas, meios de reduzir as emissões, viabilizar alternativas energéticas e de transportes e diminuir o desmatamento. Mas se pensarmos que os governos são movidos pelas necessidades da sociedade, a mídia tem um papel importante de pressão", completa ela.


Fonte: Por Carmen Guerreiro, in Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 20

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