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Globalização precisa ser regulada para funcionar

Depois de várias conferências da OMC (Organização Mundial do Comércio) — anêmicas na melhor das hipóteses, e conflituosas na pior delas —, a globalização, constantemente pressionada por políticos que insistem em bater na tecla do nacionalismo o tempo todo, tornou-se em verdadeiro palavrão para muita gente. É comum culpá-la por toda sorte de malefícios, como o desrespeito aos direitos humanos, degradação dos padrões de trabalho da mão-de-obra local, danos ao meio ambiente e algoz das culturas. Basta digitar o termo no Google para constatar que a maior parte das referências é de caráter negativo. Em um livro lançado recentemente, “Administrando a complexidade em organizações globais” [Managing complexity in global organizations], o professor Jean-Pierre Lehman sustenta que chegou a hora de colocar as coisas em perspectiva.

Estímulo à produtividade
Não há dúvida de que o mercado global oferece mais oportunidades hoje do que em qualquer outra época, e isto se deve, sobretudo, à abertura do comércio. O protecionismo e a substituição das importações impulsionam o crescimento, mas não por muito tempo — foi o que se viu no Brasil. nos anos 1960, ao passo que países como o Vietnã, Chile e Malásia são prova de que a abertura à globalização é pré-requisito para o crescimento e para o desenvolvimento, deixando livres as sociedades para que prossigam com o que sabem fazer melhor: otimizar a produtividade. E mais do que isso, elas são prova de que a globalização pode beneficiar a todos, independentemente da geografia e da cultura.

Para que a globalização funcione, porém, é preciso que haja um órgão regulador. À medida a maior parte dos países caminha para a consolidação de um mercado global caracterizado pelo empreendedorismo, a OMC lhes oferece a estrutura jurídica, política e administrativa necessárias. Contudo, as diversas conferências do órgão descambaram para recriminações amargas por parte dos países em desenvolvimento, que acusam as nações ricas de manipularem tarifas em benefício próprio, impedindo o Sul de ganhar acesso aos mercados do Norte, protegendo, ao mesmo tempo, a agricultura local. Na Rodada Uruguai, por exemplo, os países ricos conseguiram deixar a agricultura de fora da pauta de discussões. Como essa era uma das poucas áreas em que os países em desenvolvimento tinham condições de competir, não foi de forma alguma surpreendente o fato de que quisessem incluí-la nas conversações. O fosso se ampliou em Seattle e as conferências posteriores não foram capazes de suprimi-lo.

Embora os empreendedores tenham em mente um mundo sem fronteiras, e busquem as vantagens que a globalização oferece, os responsáveis pela elaboração de regras e de políticas podem estar fragmentando e, possivelmente, destruindo o mercado global no momento em que promovem o nacionalismo, o mercantilismo e o protecionismo.

A necessidade de proteger o mercado global
Por enquanto, porém, tais forças negativas têm pouco efeito sobre a economia mundial, que continua a crescer, ao mesmo tempo que os lucros de muitas empresas alcançam altas históricas. Com o tempo, entretanto, esse ambiente econômico deteriorado terá repercussões severas sobre as empresas, pouco importa seu grau de dinamismo e de alcance global — e aí então os lucros despencarão, bem como salários e o quadro de pessoal. No momento, à luz do fosso entre o dinamismo do mercado e a estagnação do processo de políticas públicas, o empreendedor sente, obviamente, que entrar em novos mercados e desenvolver novos produtos é uma maneira mais construtiva de usar seu tempo do que participar de conferências sobre negócios — e aí está parte do problema: o executivo global tem se mantido longe da formulação de políticas, deixando o campo aberto aos grupos de pressão preocupados com a defesa dos seus próprios interesses. A contribuição da agricultura para o PIB das nações ricas, por exemplo, é pequena, porém a influência política de seus lobbies é enorme. É preciso que as empresas se envolvam novamente se quiserem dar sustentação a um mercado global capaz de muitas coisas, menos de desaparecer.

É comum a idéia de que as empresas multinacionais seriam as únicas beneficiárias desse mercado, e que o que é bom para elas, é necessariamente ruim para quem as acolhe. Contudo, basta uma rápida olhada para o Vietnã, por exemplo, onde a maior parte da população foi beneficiada pela globalização, para ver que as coisas não são bem assim. As multinacionais costumam investir em infra-estruturas locais, criam oportunidades para os empreendedores nacionais nas áreas de suprimentos, distribuição, serviços, consultoria, gerando com isso empregos e uma classe média onde talvez, não houvesse nenhuma antes. Apesar da exploração tão alardeada dos trabalhadores em fábricas comissionadas pela Nike, a maior parte dos trabalhadores das indústrias têxteis estão hoje em situação muito melhor do que no passado, portanto não deixa de ser paradoxal o fato de que a globalização tenha uma imagem tão negativa.

No futuro, os despossuídos do mundo terão seus mercados, portanto interessa a todos estimular o crescimento dos países em desenvolvimento. Imagine as possibilidades de um mercado africano de 1,5 bilhão de consumidores — tão grande quanto o chinês! Para que as empresas possam colher os frutos dessas economias novas e dinâmicas, a estrutura institucional deve ser sólida e sadia e impulsionada pelo desejo de criar um mercado genuinamente aberto e global. Isto somente se tornará realidade no momento em que o executivo global contribuir de forma ativa para a edificação de uma comunidade global coesa. É preciso chegar a um equilíbrio entre política e prática. Não é fácil, mas é extremamente necessário. Pergunte aos vietnamitas!


Fonte: Por Jean-Pierre Lehmann, in epocanegocios.globo.com

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