Transcrevo abaixo a íntegra do artigo "O que está acontecendocom o Brasil?", de autoria de Paulo Secches, publicado esta semana na revista Meio & Mensagem. Vale a pena refletir com autor sobre o assunto. Confira:
"Nestes dias, com todo o impacto do acidente da Tam e da balbúrdia que temos vivido nos nossos aeroportos, tenho ouvido muita gente falar sobre o caos da aviação civil no Brasil. Toda vez que ouço essa conversa me pergunto: será que essas pessoas têm consciência do caos que vivemos na saúde pública no Brasil? Talvez consciência até tenhamos, mas com certeza não temos vivência, e é ela que faz a grande diferença. No caso dos aeroportos, temos consciência e vivência, o que dramatiza a percepção da realidade.
Se quisermos continuar, veremos que o caos está implantado nas mais diversas áreas da sociedade brasileira. Isso me remete à discussão do que está acontecendo com o Brasil e de que país estamos legando aos nossos descendentes. Eu sintetizaria a resposta em três fatos:
- um caso simples da mais completa incompetência gerencial;
- um caso de ilusão de ótica;
- um caso de mau (péssimo, deveria dizer) exemplo.
A incompetência gerencial, acredito ser óbvia e dispensa explicações... Em todo caso, vamos lá: estamos em estágio inicial da democracia e, portanto, é lícito cometer erros. Mas é isto o que acontece quando você “pega” (este é o termo mesmo) alguém que nunca cuidou de um boteco de periferia e o coloca no cargo de presidente de uma estatal, de um ministério ou até mesmo da República. Entendamos que é preciso mais do que boas intenções para gerenciar com competência qualquer negócio, autarquia, instituição, ministério. Qualquer posição gerencial, diretiva, exige competências mínimas. Qualquer empresa tem processos rígidos de seleção de um gerente, diretor e/ou presidente. E essas exigências têm crescido acentuadamente nas empresas.
E o que acontece no governo? Quais as competências requeridas para os principais cargos, os de confiança? Nenhuma. É a resposta. Basta ser amigo de alguém ou membro influente do partido. A partir daqui, o que podemos esperar? Nada, a não ser aprender. Aprender e não repetir. Aprender e pressionar para que ocorram mudanças nos processos de seleção dos gestores públicos. Aprender e pressionar para que tenham pelo menos o primeiro grau completo... será que resolveria? Aprender e pressionar para que um ministro do Turismo tenha uma vivência mínima no setor ou, pelo menos, saiba fechar a boca.
Mas, talvez o caso de ilusão de ótica seja mais grave. O mundo cresce em alta velocidade, como não era visto desde o fim da Segunda Grande Guerra Mundial, de forma consistente. Estamos a reboque deste processo. Somos um dos últimos na fila do crescimento. Conseqüentemente, nossa distância dos que estão à frente só aumenta. Mas, vende-se internamente que “nunca antes na história deste país” cresceu-se tanto e de forma tão sustentada. E aí uma série de indicadores macroeconômicos parece dar sustentação a esta afirmação e passamos a achar que “nunca antes na história deste país” crescemos tanto e de forma tão sustentada.
Mérito nosso? Fruto da nossa construção? Fruto do que plantamos? Fruto da execução de um projeto de desenvolvimento do País? Ou decorrência do crescimento dos outros? Ou porque estamos fornecendo matéria-prima para os outros crescerem?
Eu penso nisso todo dia. Torço para estar errado, porque se não estiver, teremos uma conta grande para pagar à frente. Mas, hoje, o que me parece mesmo é que “nunca na história deste país vivemos um caso tão grande de ilusão de ótica”.
Entretanto, um caso ainda mais grave que a ilusão de ótica talvez seja o péssimo exemplo que estamos deixando para as gerações em formação. O desmando e o “tudo pode” levam a construir uma percepção de indivíduos sem valores éticos mínimos para a vivência em sociedade.
Logo após o acidente da Tam, recebi um e-mail de uma poetisa intitulado “Perplexidade e Insensibilidade”. Ela falava do seu estado de estupefação e indignação com três fatos que se seguiram ao acidente:
- a completa omissão e o desaparecimento do presidente da República;
- o gesto magnífico do “aspone” Marco Aurélio;
- e, a coroar tudo, no meio do choro de uma nação, a condecoração do presidente e da diretoria da Anac e Infraero pelos serviços prestados à aviação civil brasileira.
O que preocupa nesta seqüência de maus exemplos é que eles não se limitam ao setor público (embora esses sejam insuperáveis): como pode a Tam, no meio desse estado de consternação geral do País, patrocinar um evento de carros de luxo no interior de São Paulo? Alguém irá dizer: “mas já estava programado”.
Será que nunca falaram para a Tam o que significa “pontos de contato com a marca”? Será que não explicaram que todo o investimento em propaganda vira pó se nos meus pontos de contato com a marca eu não tiver uma experiência positiva? Explicar, explicaram. Até porque a Tam tem a Thymus como consultoria de Branding, empresa que tem isso como doutrina básica. O que acontece, então? Pessoas com dificuldade de aprender ou pessoas que acham que estão vivendo em uma selva e que, conseqüentemente, o resto é detalhe?"
Fonte: Por Paulo Secches, in www.meioemensagem.com.br
"Nestes dias, com todo o impacto do acidente da Tam e da balbúrdia que temos vivido nos nossos aeroportos, tenho ouvido muita gente falar sobre o caos da aviação civil no Brasil. Toda vez que ouço essa conversa me pergunto: será que essas pessoas têm consciência do caos que vivemos na saúde pública no Brasil? Talvez consciência até tenhamos, mas com certeza não temos vivência, e é ela que faz a grande diferença. No caso dos aeroportos, temos consciência e vivência, o que dramatiza a percepção da realidade.
Se quisermos continuar, veremos que o caos está implantado nas mais diversas áreas da sociedade brasileira. Isso me remete à discussão do que está acontecendo com o Brasil e de que país estamos legando aos nossos descendentes. Eu sintetizaria a resposta em três fatos:
- um caso simples da mais completa incompetência gerencial;
- um caso de ilusão de ótica;
- um caso de mau (péssimo, deveria dizer) exemplo.
A incompetência gerencial, acredito ser óbvia e dispensa explicações... Em todo caso, vamos lá: estamos em estágio inicial da democracia e, portanto, é lícito cometer erros. Mas é isto o que acontece quando você “pega” (este é o termo mesmo) alguém que nunca cuidou de um boteco de periferia e o coloca no cargo de presidente de uma estatal, de um ministério ou até mesmo da República. Entendamos que é preciso mais do que boas intenções para gerenciar com competência qualquer negócio, autarquia, instituição, ministério. Qualquer posição gerencial, diretiva, exige competências mínimas. Qualquer empresa tem processos rígidos de seleção de um gerente, diretor e/ou presidente. E essas exigências têm crescido acentuadamente nas empresas.
E o que acontece no governo? Quais as competências requeridas para os principais cargos, os de confiança? Nenhuma. É a resposta. Basta ser amigo de alguém ou membro influente do partido. A partir daqui, o que podemos esperar? Nada, a não ser aprender. Aprender e não repetir. Aprender e pressionar para que ocorram mudanças nos processos de seleção dos gestores públicos. Aprender e pressionar para que tenham pelo menos o primeiro grau completo... será que resolveria? Aprender e pressionar para que um ministro do Turismo tenha uma vivência mínima no setor ou, pelo menos, saiba fechar a boca.
Mas, talvez o caso de ilusão de ótica seja mais grave. O mundo cresce em alta velocidade, como não era visto desde o fim da Segunda Grande Guerra Mundial, de forma consistente. Estamos a reboque deste processo. Somos um dos últimos na fila do crescimento. Conseqüentemente, nossa distância dos que estão à frente só aumenta. Mas, vende-se internamente que “nunca antes na história deste país” cresceu-se tanto e de forma tão sustentada. E aí uma série de indicadores macroeconômicos parece dar sustentação a esta afirmação e passamos a achar que “nunca antes na história deste país” crescemos tanto e de forma tão sustentada.
Mérito nosso? Fruto da nossa construção? Fruto do que plantamos? Fruto da execução de um projeto de desenvolvimento do País? Ou decorrência do crescimento dos outros? Ou porque estamos fornecendo matéria-prima para os outros crescerem?
Eu penso nisso todo dia. Torço para estar errado, porque se não estiver, teremos uma conta grande para pagar à frente. Mas, hoje, o que me parece mesmo é que “nunca na história deste país vivemos um caso tão grande de ilusão de ótica”.
Entretanto, um caso ainda mais grave que a ilusão de ótica talvez seja o péssimo exemplo que estamos deixando para as gerações em formação. O desmando e o “tudo pode” levam a construir uma percepção de indivíduos sem valores éticos mínimos para a vivência em sociedade.
Logo após o acidente da Tam, recebi um e-mail de uma poetisa intitulado “Perplexidade e Insensibilidade”. Ela falava do seu estado de estupefação e indignação com três fatos que se seguiram ao acidente:
- a completa omissão e o desaparecimento do presidente da República;
- o gesto magnífico do “aspone” Marco Aurélio;
- e, a coroar tudo, no meio do choro de uma nação, a condecoração do presidente e da diretoria da Anac e Infraero pelos serviços prestados à aviação civil brasileira.
O que preocupa nesta seqüência de maus exemplos é que eles não se limitam ao setor público (embora esses sejam insuperáveis): como pode a Tam, no meio desse estado de consternação geral do País, patrocinar um evento de carros de luxo no interior de São Paulo? Alguém irá dizer: “mas já estava programado”.
Será que nunca falaram para a Tam o que significa “pontos de contato com a marca”? Será que não explicaram que todo o investimento em propaganda vira pó se nos meus pontos de contato com a marca eu não tiver uma experiência positiva? Explicar, explicaram. Até porque a Tam tem a Thymus como consultoria de Branding, empresa que tem isso como doutrina básica. O que acontece, então? Pessoas com dificuldade de aprender ou pessoas que acham que estão vivendo em uma selva e que, conseqüentemente, o resto é detalhe?"
Fonte: Por Paulo Secches, in www.meioemensagem.com.br
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