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A revolução das fontes (III)

Quando aconteceu a tormenta econômico-financeira de 1929, tudo nos Estados Unidos foi posto em causa, inclusive o trabalho realizado até então pelas Relações Públicas. Tudo ruíra. À sensação de prosperidade seguiu-se um doloroso sentimento nacional de desamparo, temor e frustração. De repente, sem que ninguém soubesse como nem por quê, a propaganda da fartura e dos altos salários foi substituída pela realidade do desemprego, que atingiu 12 milhões de trabalhadores. Só a Ford demitiu 60 mil operários. E os patrõees, que os jornalistas travestidos de relações públicas (ou vice-versa) conseguiram, na época próspera, transformar em quase deuses, passaram a ser hostilizados por empregados e desempregados, e odiados pelos acionistas.

A informação tornou-se então uma necessidade vital para a sociedade americana. Ao povo, em especial aos trabalhadores, era preciso explicar o que acontecia e por que acontecia. Era necessário, também, motivar a nação para a resistência e a esperança, a fim de que a crise fosse superada. E que sobre as cinzas da derrocada um novo tempo surgisse.

Franklin Delano Roosevelt, eleito presidente dos Estados Unidos em 1932, e reeleito em 1932, foi o líder carismático desse período de amoldamento da opinião pública aos objetivos de uma corajosa política de reerguimento nacional (o "New Deal" ), para construir uma nov a ordem na economia e nas relações sociais. Para convencer a população a aceitar as medidas de austeridade e as novas leis sociais, Roosevelt usou talentosamente a psicologia e as técnicas da comunicação. Tornou-se, mesmo, um símbolo para os profissionais de Relações Públicas, que lhe copiaram até o sorriso.

É razoável admitir que a atividade de Assessoria de Imprensa, tal como a entendemos hoje, tenha surgido e se desenvolvido por essa época. No quadro pós-1929, havia uma formidável demanda social de informação, componente inexistente no contexto que tirara Ivy Lee do Jornalismo, no início do século.

Em 1906, Lee foi contratado para a missão de transformar em positiva, junto ao público, a imagem negativa dos patrões. Foi pago para desenvolver um trabalho de propaganda emocional, demagógica, para a simulação da existência de virtudes em pessoas até então odiadas. E isso, num quadro histórico de indecoroso individualismo e dramática confrontação entre capital e trabalho. Nessa tarefa, usou habilmente, e com cinismo, as técnicas jornalísticas de comunicação. Mas faltava-lhe o ingrediente essencial: os fatos, a partir dos quais pudesse gerar noticias convenientes aos objetivos dos seus contratos.

Como não tinha os fatos, ele os criou - e criar fatos nunca foi, jamais será, tarefa do Jornalismo. No desenvolvimento da competência para criar fatos que, divulgados, tornassem favoráveis as relações dos capitalistas com a sociedade que os odiava, e para amenizar esse ódio, Lee elaborou os contornos da nova disciplina da qual se tornou patrono histórico: as Relações Públicas.

***

Ao contrário do período inicial das Relações Públicas, os anos do pós-1929 foram marcados pela abundância de fatos noticiáveis e pela intensidade das demandas sociais de informação e explicação.

Em tal cenário, a história do próprio Jornalismo entrou numa fase de crescimento e aperfeiçoamento, abrindo-se a uma era de inovações de linguagem e de atitudes, em especial no que se refere à expansão da reportagem como espécie de texto. E isso aconteceu, entre outras razões, porque a sociedade norte-americana, já com um nível avançado de organização democrática, exigia ser informada, não apenas para saber, mas também, talvez até principalmente, para compreender o que estava acontecendo. No seu Manual de Jornalismo (Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1962), John Hohenberg localiza no “New Deal” o fenômeno-raiz do Jornalismo Interpretativo. “A explicação dessa forma de governar”, escreve Hohenberg, “revelou a inadequação da notícia impessoal”.

Na outra vertente do processo, a demanda social de informação foi devidamente aproveitada pelas Relações Públicas, que cresceram e se sofisticaram a partir de então. O próprio Ivy Lee chegou a partilhar dessa fase, antes de morrer por volta de 1935, quando dirigia o Departamento de Relações Públicas da Chrysler.

O crescimento operacional, teórico e estratégico da atividade de Relações Públicas estimulou também os meios acadêmicos. Já em meados da década de 30, as Universidades de Yale, Harvard e Colúmbia criaram cadeiras da matéria e começaram a formar especialistas, tendência acelerada pela II Guerra Mundial e pelos estudos científicos em torno das amplas temáticas ligadas à formação, informação e manipulação da opinião pública.

Dos Estados Unidos, a atividade de Relações Públicas transbordou para o Canadá, aonde chegou em 1940, segundo Chaumely e Huisman. Seis anos depois, as RR.PP. entraram na Europa pela França, por iniciativa da Esso Standard e da Shell. E a expansão foi rápida. Em 1950 já existiam agências e/ou departamentos de Relações Públicas em pelo menos mais sete países: Holanda, Inglaterra, Noruega, Itália, Bélgica, Suécia e Finlândia. Na Alemanha dizimada pela guerra e convalescente do trauma nazista (regime sob o qual a propaganda teve uso científico), a primeira agência de especialistas em Relaçcies Públicas só surgiria em 1958 (ver CHAUMELY, Jean, HUISMAN, Denis, As Relações Públicas, São Paulo, Difusão Européira do Livro, 1964, p.15).

A experiência européia de Relações Públicas também se caracterizou pelo predomínio da divulgação propagandística, a confirmar a vocação de origem da atividade – vocação, aliás, jamais rejeitada, por ser essência de natureza dessa área.

Se Relações Públicas, como atividade, pertence ao âmbito da propaganda, ou se acontece o inverso, é polémica inacabada, que aqui não será aprofundada. Mas vale a pena registrar os dois enfoques

Harwoold Childs, autor dos mais citados pelos especialistas do ramo, defende o seguinte ponto de vista (ver: CHILDS, Harwood L., Relações Públicas, Propaganda & Opinião Pública, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1964 – p. 175):

1 - Relações Públicas, em seu sentido mais amplo, refere-se àqueles aspectos do nosso comportamento individual ou institucional que têm implicaçõessociais.
2 - O problema fundamental de Relações Públicas é pôr essas relações em conformidade com o interesse público – um interesse que está sendo constantemente redifinido pela opinião das massas.
3 - Temos não só o dever de nos sujeitarmos à opinião pública, mas também a responsabilidade e a oportunidade de modelá-la e guiá-la.
4 — Agindo assim, precisamos estar conscientes do significado social da propaganda - do papel que lhe cabe na teoria democrática e das condições essenciais para o seu correto funcionamento.
5 - Em última análise, a opinião pública é aquilo que, coletivamente, fazemos com que ela seja. Só quando procuramos, de todas as maneiras possíveis, melhorar a sua qualidade, é que nos libertamos dos perigos do conformismo.

Como se vê, Childs é homem de assumir conceitos, alguns de perigosa complexidade, como o de achar que o problema fundamental da opinião pública não é descobrir o que ela é, mas fazer com que ela seja o que deve ser. Para ele, "relações públicas não é o nome para uma nova ideologia, nem a designação de uma arte esotérica de propaganda. É simplesmente o nome para um tipo de atividades individuais ou de grupo, cujas dimensões crescentes afetam a vida de todos nós" (ver CHILDS, op. cit. p. 5).

Mas, para Monique Augras, as definições de Childs são mistificadoras ( ver AUGRAS, Monique, Opinião Pública, Teoria e Pesquisa, 3ª edição, Petrópolis, Vozes, 1978, p. 78). Ela o contesta:

“Mais objetivo será procurar uma definição que considere as relações públicas como uma técnica particular de propaganda (ou de publicidade, desde que se trate de empresa estritamente comercial) e focalize mais o aspecto técnico da transmissão de inf ormações, com todas as interaçòes e as tensões entre subgrupos que a comunicação supõe.”

“Definiremos, então, as relaçbes públicas como ‘conjunto das técnicas concernentes às comunicações de uma empresa com os grupos aos quais não pode opor-se ou misturar-se, a fim de manter boas relações com os diversos setores da opinião pública’.”
(Obs.: o conceito aspeado e acolhido por Monique Augras é de Jacques Ellul – De la significtion des Relacions Publiques dans la société technicienn, L’Annêe Sociologique, 1963)

A margem das querelas teóricas, a importância e a influência das Relações Públicas cresceram vertiginosamente nos Estados Unidos, ao longo das décadas de 50 e 60 do século passado. Monique Augras dimensiona em números o ritmo desse crescimento: em 1936, naquele país, seis em cada grupo de 300 empresas possuíam serviço de Relações Públicas; em 1961, a relação era de 250 para 300. E, segundo ela, no livro que escreveu em 1970, "podemos supor que hoje em dia a proporção deve beirar os 100%".

As Relações Públicas cresceram também rápidamente nos países que copiaram o modelo norte-americano, entre eles o Brasil.

Depois da II Guerra Mundial, e mais acentuadamente após a eleição de Juscelino Kubitschek, para o Brasil convergiram, com prioridade estratégica, os investimentos das grandes multinacionais – e com as fábriacas vieram as Relações Públicas profissionalizadas e as práticas de Assessoria de Imprensa que, disseminadas pelas empresas nacionais e pela administração pública, vulgarizaram a técnica acomodativa do press-release e a eficiência persuasiva do "jabaculê"


Fonte: Por Carlos Chaparro, in Blog O Xis da Questão (www.oxisdaquestao.com.br)

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