Pular para o conteúdo principal

Negócios sustentáveis, entre a cruz e a espada

Desde os tempos de Jack Welch, todo movimento que a General Eletric faz chama a atenção no mundo dos negócios, acelera a pulsação da concorrência e sacode os analistas de tendências. Não foi diferente há dois anos quando o seu presidente Jeffrey Immelt anunciou que tornaria a empresa "verde" e faria dela líder em um novo mercado puxado pelas mudanças climáticas. A decisão agradou ambientalistas, governos e sociedades. Mas houve quem desconfiasse de que, na prática, ela esbarraria na dificuldade natural de fazer mudanças em processos e linhas de produção já consagrados e lucrativos.

A tese dos incrédulos baseava-se no fato incontestável de que a GE, ícone do capitalismo global, é uma empresa sólida e tradicional que vende de tudo-- de lâmpada residencial a motor de avião -- e tem parte considerável do seu faturamento de U$ 163 bilhões/ano em produtos que estão longe de serem ecologicamente responsáveis, como, por exemplo, turbinas movidas a carvão ou equipamentos de exploração de petróleo e gás. Abrir mão de investimento em produtos tradicionais e, portanto rentáveis, embora claramente impactantes do ponto de vista da emissão de gás carbônico, pode comprometer o crescimento da empresa no curto e médio prazos, deixando os acionistas de orelha em pé. Mantê-los, no entanto, atrasa o projeto da liderança "verde" em questões de mudanças climáticas.

Este é o dilema de Immelt. Na semana passada, o The Wall Street Journal publicou matéria sobre a encruzilhada do CEO da GE.

O desafio ambiental virou mote de uma campanha de marketing de U$ 1 milhão, denominada Ecomagination, a empresa espera vender U$ 14 bilhões em produtos menos agressivos ao Planeta e a sua meta é crescer 10% ao ano com a sua "linha verde" até 2010. Entre 2004 e 2006, a mega-corporação alega ter reduzido em significativos 4% o lançamento de gases de efeito estufa, apesar do crescimento de 21% no mesmo período. Mas os clientes, ao que parece, estão à beira de um ataque de nervos, cobrando menos discurso ambientalista e mais "realismo" nos negócios. Para acalmar os parceiros, e afastar a pecha de "abraçador de árvore", que repudia sempre com veemência, o próprio Immelt tem admitido publicamente que não forçará a barra para "mudar o fluxo econômico da empresa". O recado não poderia ser mais claro: o "esverdeamento" de uma empresa como a GE tem o seu limite e o executivo não vai ultrapassá-lo. Produtos novos e sustentáveis são bem-vindos. Mas os "velhos" produtos vão seguir firmes enquanto houver mercado para eles.

O dilema do CEO da General Eletric é o mesmo de outros tantos presidentes de empresas com produtos baseados em matrizes energéticas poluidoras, que dependem de recursos naturais escassos ou geram muitos resíduos. Insere-se no contexto de uma transição em curso --complexa como era de se esperar -- de um paradigma de negócio (o do bottom line trimestral) que, apesar de em declínio ainda não morreu, para um outro (o do triplle bottom line) que, a despeito de estar em ascensão, ainda não se instalou por completo. Nem todo mundo está disposto a sacrificar a rentabilidade no curto prazo em nome de uma visão socioambiental de longo prazo. Muitos se escoram na tese --duvidosa, mas conveniente -- de que nem mesmo os consumidores valorizam tanto quando deveriam, em suas compras, o diferencial da sustentabilidade ou mesmo estão dispostos a pagar por ele.

As resistências que Immelt tem encontrado não diferem das que enfrentam os presidentes de bancos que recusam emprestar dinheiro a madeireiras sem certificação florestal, CEOs de fabricantes de cosméticos que almejam reduzir embalagens apesar do valor conferido a elas pelos consumidores ou mesmo dirigentes de grandes varejistas que atribuem ao fator compromisso ambiental o mesmo peso de importância do preço na escolha de fornecedores.

Entre a cruz dos produtos que geram lucro sem destruir o meio ambiente e a espada da cobrança por resultados imediatistas, o mundo dos negócios vive o imperativo dos dilemas e das contradições. Modelos mentais antigos serão substituídos por outros mais adequados às demandas de uma sociedade cada dia mais exigente e um planeta com recursos sob permanente ameaça. Mas isso não ocorrerá da noite para o dia. Como em todo processo adaptativo, as pessoas vão enxergando aos poucos que os novos ganhos compensam em muito as velhas perdas. Immelt não vai desistir de suas convicções com a linha Ecoimagination. E é bom que não desista mesmo. Homem de negócios que é, ele sabe que o tempo conspira a favor de suas idéias.


Fonte: Por Ricardo Voltolini, in www.aberje.com.br

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

H2OH! - um produto desacreditado que virou sucesso

O executivo carioca Carlos Ricardo, diretor de marketing da divisão Elma Chips da Pepsico, a gigante americana do setor de alimentos e bebidas, é hoje visto como uma estrela em ascensão no mundo do marketing. Ele é o principal responsável pela criação e pelo lançamento de um produto que movimentou, de forma surpreendente, o mercado de bebidas em 11 países. A princípio, pouca gente fora da Pepsi e da Ambev, empresas responsáveis por sua produção, colocava fé na H2OH!, bebida que fica a meio caminho entre a água com sabor e o refrigerante diet. Mas em apenas um ano a H2OH! conquistou 25% do mercado brasileiro de bebidas sem açúcar, deixando para trás marcas tradicionais, como Coca-Cola Light e Guaraná Antarctica Diet. Além dos números de vendas, a H2OH! praticamente deu origem a uma nova categoria de produto, na qual tem concorrentes como a Aquarius Fresh, da Coca-Cola, e que já é maior do que segmentos consagrados, como os de leites com sabores, bebidas à base de soja, chás gelados e su

Doze passos para deixar de ser o “bode expiatório” na sua empresa

Você já viu alguma vez um colega de trabalho ser culpado, exposto ou demitido por erros que não foi ele que cometeu, e sim seu chefe ou outro colega? Quais foram os efeitos neste indivíduo e nos seus colegas? Como isso foi absorvido por eles? No meu trabalho como coach, tenho encontrado mais e mais casos de “bodes expiatórios corporativos”, que a Scapegoat Society, uma ONG britânica cujo objetivo é aumentar a consciência sobre esta questão no ambiente de trabalho, define como uma rotina social hostil ou calúnia psicológica, através da qual as pessoas passam a culpa ou responsabilidade adiante, para um alvo ou grupo. Os efeitos são extremamente danosos, com conseqüências de longo-prazo para a vítima. Recentemente, dei orientação executiva a um gerente sênior que nunca mais se recuperou por ter sido um dia bode expiatório. John, 39 anos, trabalhou para uma empresa quando tinha algo em torno de 20 anos de idade e tudo ia bem até que ele foi usado como bode expiatório por um novo chefe. De

Conselho Federal de Marketing?

A falta de regulamentação da profissão de marketing está gerando um verdadeiro furdunço na Bahia. O consultor de marketing André Saback diz estar sendo perseguido por membros do Conselho Regional de Administração da Bahia (CRA/BA) por liderar uma associação – com nome de Conselho Federal de Marketing e que ainda não está registrada – cujo objetivo, segundo ele, é regulamentar a profissão. O CRA responde dizendo que Saback está praticando estelionato e que as medidas tomadas visam a defender os profissionais de administração. Enquanto André Saback, formado em marketing pela FIB - Centro Universitário da Bahia -, diz militar pela regulamentação da profissão, o Presidente do CRA/BA, Roberto Ibrahim Uehbe, afirma que o profissional criou uma associação clandestina, está emitindo carteirinhas, cobrando taxas e que foi cobrado pelo Conselho Federal de Administração por medidas que passam até por processar Saback, que diz ter recebido dois telefonemas anônimos na última semana em tom de ameaç