Para os CEOs mais jovens, esta introdução vai parecer um estudo de paleontologia. Em meu primeiro emprego de carteira assinada, no final da década de 60, eu era boy (na época, estafeta) do setor de Custos de uma das maiores empresas de alimentos do Brasil, que havia sido criado apenas dois meses antes para eliminar o amadorismo dos cálculos que vinham sendo perpetrados até então. O processo, que já durava 30 anos, consistia em um apontador de produção registrar, em qualquer superfície rabiscável que estivesse à mão, o consumo diário de matérias-primas e ingredientes.
Todas as manhãs, no máximo até as 9 horas, essas anotações eram entregues a um almoxarife, que, após decifrá-las, consultava o Cardex para saber o preço médio de cada material. Cardex eram fichas preenchidas a lápis, de ambos os lados. Quando as linhas de ambos os lados da ficha se esgotavam, o almoxarife apagava o lado A e começava de novo. Uma ficha durava uns dez anos, e só era substituída quando rasgava. Aí, o almoxarife datilografava os dados e os enviava para a Contabilidade, até as 10 horas. Na Contabilidade, uma única pessoa - Seu Ayrton, técnico contábil formado, com diploma emoldurado na parede - calculava o preço de venda de cada produto. Para isso, usava a seguinte sistemática: custo direto vezes três. Às 10h30, o trabalho estava encerrado. Um dia, evidentemente, a empresa percebeu que isso era um absurdo. E criou o setor de Custos. Seu Ayrton foi substituído por quatro pessoas, eu incluído. E a empresa finalmente foi apresentada a conceitos modernos, como alocação sistêmica de gastos indiretos e margem de contribuição. A planilha de custos de cada produto se transformou em um demonstrativo com mais de 40 contas e subcontas.
Faz um mês, eu assisti a uma apresentação de uma empresa para seus acionistas. Em 45 minutos, o CEO mostrou e comentou os balanços trimestrais, financeiro e social. A platéia fez perguntas brilhantes sobre, por exemplo, fontes alternativas de energia, que o CEO respondeu com mais brilhantismo ainda. Mas o que mais chamou minha atenção foi uma linha, perdida no meio de uma imensidão de linhas. Ela dizia "custo direto". E a coluna da direita informava quanto ele representava do faturamento bruto: 33,37%. Estranhamente, após tantos anos de processos importados e implantados por consultorias especializadas, o preço de venda continuava a ser o custo direto vezes três.
A diferença, evidentemente, é que agora se sabe onde, precisamente, cada centavo gasto é alocado. Algo que nunca preocupou o Seu Ayrton, cuja maquininha de calcular tinha as teclas "x", "3" e "=" desgastadas pelo uso contínuo e constante do dedo indicador da mão direita. É por isso que os americanos não se cansam de dizer que ser CEO é entender the basics of the business. Aquelas coisinhas, simples e duradouras, que de fato sustentam um negócio.
O resto é a habilidade, indispensável para um bom CEO, de impressionar uma platéia.
Fonte: Por Max Gehringer, Coluna Carta ao Presidente, in epocanegocios.globo.com
Todas as manhãs, no máximo até as 9 horas, essas anotações eram entregues a um almoxarife, que, após decifrá-las, consultava o Cardex para saber o preço médio de cada material. Cardex eram fichas preenchidas a lápis, de ambos os lados. Quando as linhas de ambos os lados da ficha se esgotavam, o almoxarife apagava o lado A e começava de novo. Uma ficha durava uns dez anos, e só era substituída quando rasgava. Aí, o almoxarife datilografava os dados e os enviava para a Contabilidade, até as 10 horas. Na Contabilidade, uma única pessoa - Seu Ayrton, técnico contábil formado, com diploma emoldurado na parede - calculava o preço de venda de cada produto. Para isso, usava a seguinte sistemática: custo direto vezes três. Às 10h30, o trabalho estava encerrado. Um dia, evidentemente, a empresa percebeu que isso era um absurdo. E criou o setor de Custos. Seu Ayrton foi substituído por quatro pessoas, eu incluído. E a empresa finalmente foi apresentada a conceitos modernos, como alocação sistêmica de gastos indiretos e margem de contribuição. A planilha de custos de cada produto se transformou em um demonstrativo com mais de 40 contas e subcontas.
Faz um mês, eu assisti a uma apresentação de uma empresa para seus acionistas. Em 45 minutos, o CEO mostrou e comentou os balanços trimestrais, financeiro e social. A platéia fez perguntas brilhantes sobre, por exemplo, fontes alternativas de energia, que o CEO respondeu com mais brilhantismo ainda. Mas o que mais chamou minha atenção foi uma linha, perdida no meio de uma imensidão de linhas. Ela dizia "custo direto". E a coluna da direita informava quanto ele representava do faturamento bruto: 33,37%. Estranhamente, após tantos anos de processos importados e implantados por consultorias especializadas, o preço de venda continuava a ser o custo direto vezes três.
A diferença, evidentemente, é que agora se sabe onde, precisamente, cada centavo gasto é alocado. Algo que nunca preocupou o Seu Ayrton, cuja maquininha de calcular tinha as teclas "x", "3" e "=" desgastadas pelo uso contínuo e constante do dedo indicador da mão direita. É por isso que os americanos não se cansam de dizer que ser CEO é entender the basics of the business. Aquelas coisinhas, simples e duradouras, que de fato sustentam um negócio.
O resto é a habilidade, indispensável para um bom CEO, de impressionar uma platéia.
Fonte: Por Max Gehringer, Coluna Carta ao Presidente, in epocanegocios.globo.com
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