Pular para o conteúdo principal

Marcas generosas

Agradeço ao Meio & Mensagem pela oportunidade de me comunicar com seus leitores. Este primeiro artigo não foi escrito a seis mãos, mas a três cabeças. O texto reproduz, em forma escrita, trechos de longas e divertidas conversas entre eu e meus sócios da Alexandria, Solange Ricoy, profissional de marketing e semiótica, e Gustavo Pinto, filósofo, poeta e monge budista. Nossas conversas assemelham-se a um animado jogo de pingue-pongue. Compartilhamos com vocês algumas das jogadas com que nos entretemos.

Para começar, as companhias são reais para os acionistas, os funcionários e o mercado financeiro. Para o consumidor o que existe são marcas, o que ele escolhe (e vai escolher sempre mais) é a marca que admira e confia. Existem empresas lindas com marcas sem graça, e empresas tristes com marcas maravilhosas. As empresas são proprietárias legais das marcas, mas as marcas são proprietárias factuais das companhias, que devem inspirar e orientar com os valores que levam ao consumidor. Os valores das marcas nascem com a empresa, que os comunica ao consumidor através de suas ações mercadológicas. Para desincumbir-se de sua tarefa, a marca se apropria dos valores de origem, e os resignifica no curso de seu convívio com o público.

Julgar que a tarefa do branding se reduz à definição dos valores da empresa é uma perigosa limitação, e acaba por acarretar graves riscos e prejuízos para a marca e a companhia. As marcas existem na vida dos consumidores, e não apenas na cabeça dos gurus do branding. Os consumidores participam e influem na vida das marcas tanto, ou às vezes mais, que a companhia. As marcas vivem dos valores que os consumidores atribuem a elas ao longo dos anos em que se relacionam.

A aventura que a marca vive depois que sai de casa e vai conversar e conviver com o consumidor em algum momento encontra um novo desafio: voltar ao lugar de origem e trazerlhe o que descobriu e aprendeu com o consumidor. A tarefa da marca ao retornar é ajudar a empresa a se tornar ela mesma, a ser como a marca, que no convívio com o consumidor aprendeu a cativá-lo. Você já pensou em quanto a sua marca pode ensinar à sua empresa?

Em sua viagem ao mundo, o que falam as marcas? Hoje muitas marcas ainda insistem em contar a melhor história sobre elas mesmas. Mas agora o consumidor é quem quer contar a melhor história sobre as marcas. A história que o consumidor hoje quer contar não fala apenas das marcas e seus atributos. O consumidor quer falar também do que crêem as marcas e do que elas fazem em prol dos que crêem.

Criar fundações que abracem causas humanitárias e ambientais é louvável, ajudar ONGs e instituições de caridade é meritório. Assumir a responsabilidade do branding na melhoria do mundo é outra coisa. No primeiro caso, companhias ajudam a construir um mundo melhor fora delas mesmas e da comunicação das suas marcas. No segundo, as marcas assumem a parte que lhes cabe na construção do mundo que almejamos.

Cada rótulo, embalagem ou folheto de um produto é um manifesto. Ante os problemas que afligem o planeta e a humanidade, o consumidor se depara com esse manifesto e pergunta: O que pensa, diz e busca essa marca? Com o que ela se preocupa? Comigo, com as injustiças sociais, as discriminações, as guerras, o meio ambiente, o futuro? Valores e ideais serão cada vez mais um fator crucial na escolha do consumidor. O marketing precisa levar a sério temas como amor, honestidade, confiabilidade. Quanto tempo ainda será necessário para que uma empresa de aviação peça publicamente desculpas ao consumidor pelo que ele teve de enfrentar nos últimos dois anos? Por que essas empresas não são bem-educadas, como alguns de seus altos executivos? Quando será que algumas marcas vão entender que repetir “somos o melhor, o número um” apequena quem é grande?

Marcas transformam o mundo com os ideais e valores em que acreditam, expressam e transmitem, quer saibam ou não, quer o intencionem ou não. Toda comunicação carrega consigo o mundo pelo qual anseia, fruto do que valoriza. Marcas que nada comunicam são um ferro de madeira, uma impossibilidade lógica. Ser uma marca significa ter em si o poder de comunicar conteúdos. Marcas falam mesmo caladas. Situadas no mundo e influindo sobre ele, marcas precisam dizer qual futuro desejam e como o encaminham. Aquelas que não propõem um porvir, mostram que são irresponsáveis em construí-lo.

Idéias análogas às expostas até aqui podem ser encontradas, com outras palavras, em vários artigos e livros sobre marketing e branding escritos por especialistas, pessoas mais inteligentes e doutas que nós. Queremos acrescentar apenas um conceito, as marcas generosas. O que são marcas generosas?

Criadas por seres humanos, as marcas refletem seus criadores. Podem ser mesquinhas ou generosas. Marcas mesquinhas, em tudo o que dizem ou fazem, visam apenas a si próprias. Marcas generosas buscam mais do que os seus próprios interesses. Elas escolhem o papel que é seu na construção de um futuro melhor, e para isso empenham a sua competência. Buscam dar voz a valores perenes, e não apenas a interesses momentâneos. Sabem que só é sustentável o que beneficia a todos. A generosidade das marcas vem de quem assim as concebe. Só quem cultiva a generosidade pode criar e sustentar marcas generosas. Elas, que nascem da virtude dos indivíduos, inspiram as mesmas qualidades em seu público. As marcas interessadas apenas em si mesmas morrerão como Narciso, afogadas em sua própria imagem. Aquelas cujas metas forem fecundas tanto para si como para a vida de todos conhecerão o futuro que ajudam a construir.

Marcas generosas são líderes que mostram caminhos, mestres que educam, exemplos que inspiram. Elas, que falam às multidões, têm o dever de assumir a responsabilidade que um tal poder implica. Marcas nascem por uma necessidade, vivem porque são contributivas. Morrem quando já não correspondem ao que as criou e vivificou.

A viagem das marcas generosas é guiada por uma herança grega, a constelação de três estrelas, a Bondade, a Beleza e a Verdade. A Bondade assegura o benefício, característica do que é útil. A Beleza garante a atratividade, propriedade do amável. A Verdade assegura a integridade, qualidade do confiável.

E, porque elas dão voz ao melhor, ao mais belo e verdadeiro, ao que todos admiram e desejam, o destino das marcas generosas é o sucesso. Que sejam insubstituíveis é mera conseqüência.


Fonte: Por Walter Susini, in www.meioemensagem.com.br

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

H2OH! - um produto desacreditado que virou sucesso

O executivo carioca Carlos Ricardo, diretor de marketing da divisão Elma Chips da Pepsico, a gigante americana do setor de alimentos e bebidas, é hoje visto como uma estrela em ascensão no mundo do marketing. Ele é o principal responsável pela criação e pelo lançamento de um produto que movimentou, de forma surpreendente, o mercado de bebidas em 11 países. A princípio, pouca gente fora da Pepsi e da Ambev, empresas responsáveis por sua produção, colocava fé na H2OH!, bebida que fica a meio caminho entre a água com sabor e o refrigerante diet. Mas em apenas um ano a H2OH! conquistou 25% do mercado brasileiro de bebidas sem açúcar, deixando para trás marcas tradicionais, como Coca-Cola Light e Guaraná Antarctica Diet. Além dos números de vendas, a H2OH! praticamente deu origem a uma nova categoria de produto, na qual tem concorrentes como a Aquarius Fresh, da Coca-Cola, e que já é maior do que segmentos consagrados, como os de leites com sabores, bebidas à base de soja, chás gelados e su

Doze passos para deixar de ser o “bode expiatório” na sua empresa

Você já viu alguma vez um colega de trabalho ser culpado, exposto ou demitido por erros que não foi ele que cometeu, e sim seu chefe ou outro colega? Quais foram os efeitos neste indivíduo e nos seus colegas? Como isso foi absorvido por eles? No meu trabalho como coach, tenho encontrado mais e mais casos de “bodes expiatórios corporativos”, que a Scapegoat Society, uma ONG britânica cujo objetivo é aumentar a consciência sobre esta questão no ambiente de trabalho, define como uma rotina social hostil ou calúnia psicológica, através da qual as pessoas passam a culpa ou responsabilidade adiante, para um alvo ou grupo. Os efeitos são extremamente danosos, com conseqüências de longo-prazo para a vítima. Recentemente, dei orientação executiva a um gerente sênior que nunca mais se recuperou por ter sido um dia bode expiatório. John, 39 anos, trabalhou para uma empresa quando tinha algo em torno de 20 anos de idade e tudo ia bem até que ele foi usado como bode expiatório por um novo chefe. De

Conselho Federal de Marketing?

A falta de regulamentação da profissão de marketing está gerando um verdadeiro furdunço na Bahia. O consultor de marketing André Saback diz estar sendo perseguido por membros do Conselho Regional de Administração da Bahia (CRA/BA) por liderar uma associação – com nome de Conselho Federal de Marketing e que ainda não está registrada – cujo objetivo, segundo ele, é regulamentar a profissão. O CRA responde dizendo que Saback está praticando estelionato e que as medidas tomadas visam a defender os profissionais de administração. Enquanto André Saback, formado em marketing pela FIB - Centro Universitário da Bahia -, diz militar pela regulamentação da profissão, o Presidente do CRA/BA, Roberto Ibrahim Uehbe, afirma que o profissional criou uma associação clandestina, está emitindo carteirinhas, cobrando taxas e que foi cobrado pelo Conselho Federal de Administração por medidas que passam até por processar Saback, que diz ter recebido dois telefonemas anônimos na última semana em tom de ameaç