A Folha de S.Paulo deu com a porta na cara dos seus leitores. Semana passada bloqueou o acesso à crítica diária do ombudsman, após 8 anos de disponibilidade no sítio do jornal.
Ao que tudo indica, de maneira definitiva. Digo isto sem certeza porque a publicação não se deu ao trabalho até agora de dar uma digna satisfação ao seu público a respeito da mudança.
Quem o fez foi Mário Magalhães, no domingo passado, em seu artigo de despedida na versão impressa, já na condição de ex-ombudsman da casa.
Ele recusou o convite para renovar o mandato por mais um ano exatamente porque o jornal impôs a obstrução da crítica diária aos leitores. Atividade que corresponde a 80% do produto do trabalho do ouvidor, segundo o próprio.
Quem hoje acessa a página do ombudsman da Folha não encontra nenhuma informação sobre estas alterações. Pelo contrário, se depara com texto segundo o qual "a atualização (da crítica diária) é feita no meio da tarde". No entanto, não há novos itens na lista desde o último dia 3 de abril. Descuido inexplicável.
A Folha de S.Paulo é um jornal que se caracteriza pela defesa da transparência. Este é um valor que a publicação expressa com ênfase e de várias maneiras.
Seja na sua apresentação institucional: "A Folha procura manter uma atitude de permanente transparência diante dos seus leitores", diz o Manual de Redação. Seja na sua comunicação publicitária: "Folha, um jornal com o rabo preso com o leitor", diz um famoso slogan.
E seja na forma rigorosa com que exige, na sua cobertura, esta qualidade - a transparência - de órgãos públicos e empresas na relação com cidadãos e consumidores, respectivamente.
A repentina restrição à crítica diária do ombudsman é forte contradição do jornal e representa importante retrocesso em termos de clareza de procedimentos, como bem registra Mário Magalhães em seu derradeiro texto:
"(...) A restrição imposta configura regressão na transparência. O projeto editorial da Folha diagnostica um jornalismo cada vez mais crítico e mais criticado", diz.
Ainda mais opaco e contraditório é o fato de a Folha não vir a público justificar a medida. Segundo o ex-ouvidor, o motivo alegado pelo jornal para o bloqueio seria o crescente uso estratégico da crítica diária pela concorrência.
Trata-se de um ponto de vista compreensível, aceitável como argumentação. Desde que seja publicamente assumido pelo jornal. Com ônus e bônus implicantes. Se a Folha admiti-lo, poderá continuar a dizer que tem "o rabo preso com o leitor"?
Cortar um produto fornecido ao leitor em detrimento de interesses comerciais e industriais mostra que o público ficou para segundo plano. Será este o motivo da demora da Folha em explicar a novidade? O silêncio dá margem a ruídos.
Nestas circunstâncias é legítimo considerar - a Folha e seus colunistas o fariam - que o corte do acesso à crítica diária ocorreu numa semana especialmente conturbada.
Aconteceu dias depois de o ministro Franklin Martins citar o ombudsman da Folha ao afirmar que o senador Álvaro Dias e o jornal paulista deveriam informar publicamente quem vazou o dossiê sobre os dados do governo FHC.
É possível que muito em breve o jornal se pronuncie sobre o esfriamento do papel do seu ombudsman. Afinal, um novo titular deve assumir a coluna de domingo. Mesmo se a explicação aparecer, virá com atraso.
Não há princípio de comunicação que justifique o silêncio dos últimos dias. A Folha é um dos poucos - foi o pioneiro - veículos brasileiros a manter um ombudsman.
O acesso livre à crítica diária foi um forte instrumento de reflexão e acompanhamento da cobertura jornalística para o público em geral.
Algo de extrema validade para todo brasileiro interessado em fazer uma leitura crítica sobre fatos e factóides, e do trato deles. Ainda mais em meio ao aumento brutal de canais de informação e do conseqüente crescimento de possibilidades de manipulação do noticiário, com que lidamos atualmente.
O fato de um veículo do tamanho da Folha escalar um jornalista com independência para fazer este tipo de análise aberta foi um marco do respeito da imprensa com seu público.
De coragem de quem não tem o que esconder. E de compromisso com a busca de equilíbrio e interpretação justa dos fatos, mesmo que com limitações naturais. Boa parte de tudo isso agora a Folha joga por terra. De forma desavisada e, portanto, até aqui desrespeitosa com o leitor.
Tal atitude sinaliza o quanto a guerra política, midiática e de poder está quente no meio em que circula informação no universo virtual dos computadores.
Esta se acelera na mesma velocidade com que a revolução digital avança. Deixando para trás e só para o discurso o zelo pela liberdade e transparência.
Até que a Folha demonstre o contrário, Mário Magalhães caiu por exagerar na sua competência de ombudsman.
Fonte: Por Ricardo Kauffman, in terramagazine.terra.com.br
Ao que tudo indica, de maneira definitiva. Digo isto sem certeza porque a publicação não se deu ao trabalho até agora de dar uma digna satisfação ao seu público a respeito da mudança.
Quem o fez foi Mário Magalhães, no domingo passado, em seu artigo de despedida na versão impressa, já na condição de ex-ombudsman da casa.
Ele recusou o convite para renovar o mandato por mais um ano exatamente porque o jornal impôs a obstrução da crítica diária aos leitores. Atividade que corresponde a 80% do produto do trabalho do ouvidor, segundo o próprio.
Quem hoje acessa a página do ombudsman da Folha não encontra nenhuma informação sobre estas alterações. Pelo contrário, se depara com texto segundo o qual "a atualização (da crítica diária) é feita no meio da tarde". No entanto, não há novos itens na lista desde o último dia 3 de abril. Descuido inexplicável.
A Folha de S.Paulo é um jornal que se caracteriza pela defesa da transparência. Este é um valor que a publicação expressa com ênfase e de várias maneiras.
Seja na sua apresentação institucional: "A Folha procura manter uma atitude de permanente transparência diante dos seus leitores", diz o Manual de Redação. Seja na sua comunicação publicitária: "Folha, um jornal com o rabo preso com o leitor", diz um famoso slogan.
E seja na forma rigorosa com que exige, na sua cobertura, esta qualidade - a transparência - de órgãos públicos e empresas na relação com cidadãos e consumidores, respectivamente.
A repentina restrição à crítica diária do ombudsman é forte contradição do jornal e representa importante retrocesso em termos de clareza de procedimentos, como bem registra Mário Magalhães em seu derradeiro texto:
"(...) A restrição imposta configura regressão na transparência. O projeto editorial da Folha diagnostica um jornalismo cada vez mais crítico e mais criticado", diz.
Ainda mais opaco e contraditório é o fato de a Folha não vir a público justificar a medida. Segundo o ex-ouvidor, o motivo alegado pelo jornal para o bloqueio seria o crescente uso estratégico da crítica diária pela concorrência.
Trata-se de um ponto de vista compreensível, aceitável como argumentação. Desde que seja publicamente assumido pelo jornal. Com ônus e bônus implicantes. Se a Folha admiti-lo, poderá continuar a dizer que tem "o rabo preso com o leitor"?
Cortar um produto fornecido ao leitor em detrimento de interesses comerciais e industriais mostra que o público ficou para segundo plano. Será este o motivo da demora da Folha em explicar a novidade? O silêncio dá margem a ruídos.
Nestas circunstâncias é legítimo considerar - a Folha e seus colunistas o fariam - que o corte do acesso à crítica diária ocorreu numa semana especialmente conturbada.
Aconteceu dias depois de o ministro Franklin Martins citar o ombudsman da Folha ao afirmar que o senador Álvaro Dias e o jornal paulista deveriam informar publicamente quem vazou o dossiê sobre os dados do governo FHC.
É possível que muito em breve o jornal se pronuncie sobre o esfriamento do papel do seu ombudsman. Afinal, um novo titular deve assumir a coluna de domingo. Mesmo se a explicação aparecer, virá com atraso.
Não há princípio de comunicação que justifique o silêncio dos últimos dias. A Folha é um dos poucos - foi o pioneiro - veículos brasileiros a manter um ombudsman.
O acesso livre à crítica diária foi um forte instrumento de reflexão e acompanhamento da cobertura jornalística para o público em geral.
Algo de extrema validade para todo brasileiro interessado em fazer uma leitura crítica sobre fatos e factóides, e do trato deles. Ainda mais em meio ao aumento brutal de canais de informação e do conseqüente crescimento de possibilidades de manipulação do noticiário, com que lidamos atualmente.
O fato de um veículo do tamanho da Folha escalar um jornalista com independência para fazer este tipo de análise aberta foi um marco do respeito da imprensa com seu público.
De coragem de quem não tem o que esconder. E de compromisso com a busca de equilíbrio e interpretação justa dos fatos, mesmo que com limitações naturais. Boa parte de tudo isso agora a Folha joga por terra. De forma desavisada e, portanto, até aqui desrespeitosa com o leitor.
Tal atitude sinaliza o quanto a guerra política, midiática e de poder está quente no meio em que circula informação no universo virtual dos computadores.
Esta se acelera na mesma velocidade com que a revolução digital avança. Deixando para trás e só para o discurso o zelo pela liberdade e transparência.
Até que a Folha demonstre o contrário, Mário Magalhães caiu por exagerar na sua competência de ombudsman.
Fonte: Por Ricardo Kauffman, in terramagazine.terra.com.br
Comentários