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Até condutas autodestrutivas têm a sua lógica

É uma situação conhecida em qualquer país: um setor da economia é pujante e inovador. O outro, deficitário e anacrônico. Bem, qual deles é recompensado pelo governo com isenções fiscais, empréstimos a fundo perdido e coisas do gênero? Nem precisaria responder, mas dois livros instigantes - lançados no início de 2008 - explicam por que o prêmio é, em geral, entregue aos "perdedores" e não aos "ganhadores". Coincidência ou não, Predictably Irrational: The Hidden Forces That Shape Our Decisions ("Previsivelmente irracionais: as forças ocultas que moldam nossas decisões") e The Logic of Life ("A lógica da vida") tratam desse enigma humano: por que escolhas racionais são frutos de irracionalidade, de absurdos ou de tendências autodestrutivas da nossa parte. E, paradoxalmente, por que é normal que seja assim. Os autores são, respectivamente, Dan Ariely, professor de economia comportamental no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e Tim Harford, economista e jornalista do Financial Times.

Para a dupla, a loucura que esconde um método não está restrita ao campo econômico, longe disso. Porém, afirma Ariely, isso pode ser perfeitamente demonstrado em nossa relação com o dinheiro. "O dinheiro é uma faca de dois gumes", diz o pesquisador. "Ele nos motiva até certo ponto, mas depois o tiro sai pela culatra." Numa experiência do MIT feita na Índia, com duas equipes distintas, na qual à primeira foram prometidos seis meses de salário pelo cumprimento das tarefas (que envolviam criatividade, concentração e memória), enquanto que à outra foi prometido apenas um mês de salário, isso ficou patente. A equipe com maior perspectiva de ganho esforçou-se mais, mas seu desempenho foi pior. "Imagine se eu prometer US$ 50 mil para você ser criativo nos próximos cinco minutos?", indaga Ariely. "Você ficará ocupado mentalmente com os US$ 50 mil." Com base na pesquisa indiana, o professor questiona a efetividade dos pacotes milionários oferecidos a CEOs nas empresas.

A vida cotidiana também é guiada por uma lógica curiosa (e aparentemente invertida), mas que, no fundo, obedece à mais fria racionalidade, afirma Tim Harford. O aumento de casos de tabagismo entre adolescentes, por exemplo, poderia ter sido antecipado com facilidade por qualquer analista de risco em Wall Street, mas escandaliza os profissionais da saúde. "Desde a invenção de produtos que ajudam as pessoas a parar de fumar, como gomas de mascar, ficou muito menos arriscado começar a fumar", afirma Harford. A lógica econômica também explica fenômenos como o aumento desproporcional de mulheres em locais sofisticados como Manhattan, no coração de Nova York. "Frente a um aluguel alto, os homens têm tendência a ir embora, mas as mulheres têm mais razões para ficar. Num local caro, é mais provável que elas encontrem um parceiro com situação econômica desejável", diz Harford.

Voltando ao exemplo que abre o texto, a preferência governamental por indústrias velhas e em declínio também segue uma sinistra lógica. Companhias de setores emergentes e competitivos não contam com virtualmente incentivo algum para fazer lobby. Em setores como biotecnologia, por exemplo, um incentivo do governo ocasionaria o surgimento de mais empresas, de mais inovação - e mais competição. "Em indústrias velhas, de capital intensivo, os subsídios e as isenções não vão atrair novos competidores, pois é muito caro entrar nelas. Logo, vale a pena investir em lobby - o dinheiro vai todo para a velha guarda", diz Tim Harford.

Economia comportamental – Campo de estudo da economia que ganhou proeminência nos anos 80, no qual se enfatizam as motivações psicológicas por trás das decisões econômicas, e como isso afeta o mercado. Em inglês, behavioral economics.


Fonte: Por Álvaro Oppermann, in epocanegocios.globo.com

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