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Norte estratégico

Há dois anos, fui motivado a um meeting promovido pela HSM no Brasil com o mega-guru Jack Welch. Foi um encontro com número limitado de participantes – apenas 100 pessoas –, o que garantiu uma grande interação. Ao entrar no local do evento, Welch estava acompanhado de sua charmosa e elegante mulher. Os olhos dele me lembraram os de uma águia, de um sujeito muito focado, que não desperdiça nada e está extremamente atento e sempre alerta. Suas colocações foram pontuais e não deixaram dúvida alguma. Ele é o típico sujeito que está a 1.000 km/h, mas com total consciência do que vale a pena e do que deva ser descartado. Este princípio serve para tudo: investir e “desinvestir” em empresas, promover e dispensar profissionais bem como os próprios clientes. Para o consultor, as mudanças retratam a própria vida, e a não-mudança significa a morte.

Naquele dia, Welch parecia especialmente interessado em concentrar sua exposição em um único tema: a importância da missão e dos valores da empresa na formatação e consolidação do norte estratégico do seu negócio. Eu pensei com meus botões: “Mas, afinal, por que um dos mais importantes executivos do mundo vem a público falar deste assunto – missão e valores–, quando na verdade estamos aqui sedentos por estratégias de alta complexidade?” À medida que o dia foi transcorrendo, fomos dando conta que a maior de todas as estratégias de uma empresa vencedora acontece quando se define (ou se redefine) sua missão.

Para Jack Welch, a missão de uma empresa nada mais é do que o seu papel, a sua razão de existir, seu caminho para atingir a liderança. Dentro dessa lógica, os valores da empresa nada mais são do que os comportamentos desejados para seus executivos e colaboradores, cujo objetivo é de fazer a empresa conseguir atender e cumprir a proposta de sua missão. Tudo terrivelmente óbvio, logo, inteligente, e por isso mesmo, único. Somente Jack Welch poderia dizer coisas de forma tão simples sem ser chamado de louco.

A definição de missão tradicional é aquela que acaba indo para a parede da sala e tem um “blá-blá-blá” do tipo “sermos uma empresa ética, lucrativa aos acionistas, que produz qualidade”, entre outras frases. Segundo Welch, isto não vale nada, nestes novos tempos velozes, onde quem corre está parado. Jack é definitivo nas suas colocações: a missão deve ser estratégica, incrivelmente focada em como vencer, por valor e não só por preços baixos, a concorrência na preferência do consumidor. A missão correta é parte do sucesso, mas se os valores da empresa não estiverem orientados no sentido de validar a mesma, de nada vai adiantar saber o que deve ser feito para chegar ao sucesso. Sem pessoas alinhadas, uma empresa não chegará a lugar nenhum.

O meeting foi um dia de grande salto intelectual para todos nós. Ao final, constatamos que o valor pago paras estar ali não era nada perto daquilo que levávamos em nossas mentes. De lá para cá, segui interessado no tema – Missão Estratégica x Estratégia Competitiva do Negócio – e, com o tempo, fui compreendendo a diferença entre liderança de mercado e marca líder. Aparentemente, elas podem parecer a mesma coisa ou um mero jogo de palavras. Porém, na prática, são muito diferentes. O líder de mercado é focado em exceder a expectativa de seus clientes/consumidores. Já a marca líder vai além: encanta os consumidores. O líder faz tudo certinho – emociona, traz prestigio, é racionalmente superior, enfim, inatacável. Mas tem um detalhe: sua relevância na vida das pessoas é quase zero, porque na hora de uma dificuldade, o líder de mercado é um produto com marca ou uma empresa com marca, sem nenhuma capacidade de interferir na vida pessoal dos seus consumidores.

Uma empresa líder só é líder porque constrói “marcas relevantes na alma e no coração das pessoas”. As pessoas têm um desejo inato de querer pertencer, participar de algo maior. E é por isso que as marcas líderes se sobressaem às outras, que são simples líderes de share.

Nas marcas líderes, as pessoas (não só seus funcionários) estão no centro da sua missão existencial. As declarações de missões dessas empresas líderes são orgânicas, intensas e vivas.

O norte estratégico é aquilo que resulta de uma missão orgânica, porque tem e representa o conjunto de valores que a empresa escolheu para se tornar mais que só uma empresa ou só um produto. As marcas líderes não patrocinam ações culturais: elas são culturalmente operativas e suas escolhas são baseadas num outro modelo, onde a sensibilidade e o altruísmo superam a gula de curto prazo. As marcas líderes não patrocinam projetos ecológicos, elas são ecológicas.

Essencialmente, a diferença está entre ter e ser, entre patrocinar e ser a referência. Se você está pensando que tudo isto é uma loucura, procure responder por que as coisas mais importantes do mundo são sua mulher, seus filhos, enfim, sua família. Porque são pessoas, aliás, as mais importantes do seu mundo. Agora, imagine uma empresa que não só diga isso para você, mas que de fato faça com que a sua vida se prolongue e se perenize, ao lado de quem você ama. Esta é a diferença: a missão de uns é a liderança, e a de outros, é a vida.


Fonte: Por João Satt Filho, in www.hsm.com.br

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