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Reestruturação do Pão de Açúcar: Doeu, mas funcionou

Nos últimos quatro anos, os executivos do Pão de Açúcar cultivaram com afinco o hábito de dar más notícias a seus investidores. A divulgação de resultados trimestrais transformou-se num exercício monótono de explicações e justificativas para custos altos demais, lucro abaixo do esperado e vendas estagnadas. No dia 6 de maio, porém, espera-se uma quebra na monotonia. É quando o Pão de Açúcar divulga os resultados do primeiro trimestre de 2008 -- e, pela primeira vez desde 2004, os investidores estão otimistas quanto aos números que virão. Dez analistas ouvidos por EXAME são unânimes ao prever que os resultados obtidos no início do ano serão substancialmente melhores do que aqueles apresentados pelo Pão de Açúcar ao longo de 2007. Na média, espera-se um lucro líquido de 67 milhões de reais, aumento de aproximadamente 86% em comparação ao mesmo período do ano passado. Com isso, a rentabilidade da empresa deve encerrar o primeiro trimestre em 7,5%, ante 6,6% no último trimestre de 2007. "Ninguém agüentava mais tantos resultados ruins", afirma Daniela Bretthauer, analista de varejo para a América Latina do banco de investimento americano Goldman Sachs.

De acordo com os analistas, os bons resultados do Pão de Açúcar no primeiro trimestre são os primeiros reflexos das mudanças implementadas pelo executivo Claudio Galeazzi, presidente do grupo desde 11 de dezembro. Galeazzi, como se sabe, ganhou fama de cortador de custos impiedoso em passagens por empresas problemáticas como Lojas Americanas. Até agora, suas atitudes no comando do Pão de Açúcar dão razão à fama. Sua principal frente de atuação foi a pesada estrutura administrativa da rede. No Pão de Açúcar, a razão entre custos de administração e receitas era de 24,8%, quando o razoável numa empresa desse porte é que esse número não passe de 20%. Para diminuir essa relação, Galeazzi demitiu mais de 300 funcionários, dos quais 20 diretores. Dá uma média de 60 demissões por mês. E, em vez de substituir os demitidos, ele simplesmente extinguiu cargos. As diretorias executivas de marketing e de não-alimentos foram eliminadas e as de vendas e comercial, unificadas. Três vice-presidentes foram destacados para redesenhar a estrutura da empresa: Enéas Pestana, José Roberto Tambasco e Hugo Bethlem. "Cortamos onde realmente fazia sentido", diz Enéas Pestana, vice-presidente administrativo e financeiro do grupo. Galeazzi não quis dar entrevista antes do anúncio dos resultados.


O efeito tesoura
Na opinião de oito analistas, o desempenho do Pão de Açúcar no primeiro trimestre deste ano será melhor que o do mesmo período de 2007

Lucro líquido
1º trim/ 2007 36
1º trim/2008(1) 67

Rentabilidade
1º trim/ 2007 6,6%
1º trim/2008(1) 7,5%


Além das demissões, Galeazzi adotou uma postura observada normalmente em empresas à beira da falência que contratam consultorias especializadas em reestruturação: estabeleceu um controle estrito do dinheiro que sai da empresa, seja para pagar despesas, seja para fazer investimentos. Um especialista em reestruturação define essa atitude com uma imagem. "Você tem de sentar no caixa com uma metralhadora pendurada no pescoço", diz ele. "Depois de 2 minutos, o dinheiro começa a sair de forma mais eficiente." No Pão de Açúcar, quatro grupos de cinco executivos cumprem essa função. Alguns exemplos de desperdício eram impressionantes. Cada diretor tinha autonomia para contratar empresas de auditoria. No fim de 2007, eram mais de 40 projetos de consultoria no Pão de Açúcar, muitos deles com objetivos semelhantes. Com a unificação da gestão do caixa, todos os projetos foram eliminados. Estima-se que, em apenas três meses de operação, esse comitê tenha conseguido reduzir as despesas da empresa em até 20%.


APÓS ATACAR A ESTRUTURA INCHADA e os desperdícios, Galeazzi começou a mudar a estratégia adotada por seu antecessor, Cássio Casseb. Mudar, no caso, é eufemismo -- ele está passando uma borracha nos planos anteriores e fazendo, em alguns casos, o exato oposto. Um exemplo drástico é a política de vendas. Se até o ano passado o objetivo era aumentar as vendas a qualquer custo (mesmo que isso sacrificasse as margens da empresa), com Galeazzi a ordem é outra. A agressiva política de descontos que vinha sendo praticada pela rede foi suspensa. A partir de agora, o preço dos produtos (e eventuais promoções) será estabelecido de acordo com a localização da loja -- sempre levando em conta o tipo de concorrência ao redor. A política de mercadorias também foi revista. Cada loja passou a receber um mix de produtos diferente. A disposição dos itens nas gôndolas também passou a variar segundo a localização da loja. Em razão da maior complexidade, os custos de logística devem aumentar (ainda não se sabe quanto), mas os executivos do Pão de Açúcar esperam compensar esse crescimento com os cortes de custos administrativos. "Esse modelo se provou bem-sucedido na Sendas, onde o Galeazzi estava até assumir o Pão de Açúcar", diz Juliana Rozenbaum, analista de varejo do Unibanco.

Apesar de recentes, a expectativa dos analistas é que tais mudanças já se reflitam nos resultados do primeiro trimestre, sobretudo no que diz respeito ao aumento da receita. Isso porque os resultados preliminares de vendas do Pão de Açúcar apontaram aumento de 8,5% nas vendas no quesito mesmas lojas em relação ao primeiro trimestre de 2007, o melhor resultado dos últimos cinco anos. As vendas de não-alimentos, uma das grandes apostas do grupo, cresceram 11% no mesmo período. "O início é animador", diz Daniela Bretthauer, do Goldman Sachs. "Mas a maior parte dos resultados deve começar a aparecer no terceiro trimestre." O otimismo de analistas e investidores já se reflete na bolsa de valores. Entre janeiro e março, as ações do Pão de Açúcar valorizaram 5,5%, ao passo que outros varejistas, como Renner e B2W, tiveram queda em torno de 10% no preço de suas ações. Até o fim do ano, espera-se que os papéis do Pão de Açúcar subam mais 30%.

A diferença entre o desempenho das ações do Pão de Açúcar e o de outras varejistas na bolsa, porém, deve-se também à persistente estagnação dos papéis da rede de Abilio Diniz nos últimos cinco anos. Mesmo com a valorização do início do ano, o grupo ainda vale o equivalente a 47% de suas vendas anuais, menos que a média de 60% do setor. Isso mostra que o desafio à frente de Galeazzi ainda é monumental. Para os próximos dois anos, caberá a ele, também, alterar o mix de lojas da rede. Mais da metade das vendas do grupo está concentrada na rede de hipermercados Extra -- um modelo que rende margens de lucro 50% menores que as bandeiras de supermercados. "A aposta recente em redes de conveniência e postos de gasolina pode melhorar a rentabilidade do grupo", afirma o analista de um grande banco de investimento. "Mas são segmentos nos quais o Pão de Açúcar não tem nenhuma experiência." O Pão de Açúcar também precisa resolver o imbróglio societário envolvendo a família Sendas, no Rio de Janeiro, dona de 42,7% da rede naquele estado (a disputa se arrasta há quatro anos). Finalmente, há o expressivo aumento da concorrência no mercado brasileiro. Apesar de robusto, o crescimento nas vendas no primeiro trimestre foi inferior ao dos rivais. O Wal-Mart teve crescimento estimado em 17% no quesito mesmas lojas. O Carrefour, hoje maior varejista do país e dono do Atacadão, é a rede mais bem posicionada para vender a clientes de baixa renda. A disputa com os dois grandes rivais, portanto, tende a se acirrar ainda mais. Mas Claudio Galeazzi está conseguindo minar aquele que foi o maior inimigo do Pão de Açúcar na última década: a timidez na hora de cortar na própria carne para sobreviver -- para quem chegou há cinco meses, não é um feito a ser desprezado.


Fonte: Por Carolina Meyer, in portalexame.abril.com.br

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