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Lições de um ex-CEO para enfrentar momentos de crise

No segundo semestre de 2001, enquanto os americanos amargavam a tragédia das Torres Gêmeas, seu conterrâneo Harry Kraemer Jr. enfrentava um pesadelo corporativo, uma daquelas situações-limite capazes de estraçalhar os nervos de um CEO. De várias partes da Europa - na Espanha e na Croácia, principalmente - chegavam notícias de que pacientes submetidos a tratamento de diálise estavam morrendo às dezenas, sem explicação aparente.

Presidente da Baxter, um dos maiores fabricantes mundiais de equipamentos médicos, entre os quais dialisadores, Kraemer colocou a empresa em estado de alerta. Formou uma comissão para descobrir o que sucedia. Numa primeira etapa, nada pôde ser comprovado. Ainda assim, contrariando os conselhos dos advogados e de executivos financeiros da companhia, que temiam processos judiciais, Kraemer determinou um recall em todos os dialisadores vendidos a hospitais e a suspensão das vendas, enquanto não se comprovasse que o problema, de fato, não tinha origem nesses equipamentos. Soube-se, em seguida, que os hospitais onde ocorreram os óbitos haviam recebido dialisadores procedentes de uma unidade que havia sido recém-incorporada à Baxter, na Suécia. Kraemer teve sinal verde dos acionistas para fechar a fábrica. O caso só foi totalmente esclarecido dois meses depois de registradas as primeiras das quase 60 mortes. Elas foram causadas por resquícios de um líquido usado na limpeza de 10% de um lote de filtros, produzidos por um fornecedor para a filial sueca. Quando esquentado à temperatura do corpo, durante o processo de hemodiálise, provocava embolia fatal. Alguns advogados queriam jogar a culpa no fabricante dos filtros, mas a Baxter assumiu total responsabilidade e partiu para acordos de indenização. "Nós violamos a confiança dos médicos. Não foi intencional, mas nosso produto falhou", disse Kraemer em entrevista a Época NEGÓCIOS.

A maneira transparente e desassombrada com que o então CEO lidou com a crise causou perplexidade no mundo corporativo, sobretudo devido às dificuldades técnicas de terceiros provarem a responsabilidade da Baxter no episódio. Além disso, o caso teve pouca repercussão na imprensa americana, eclipsado pelos eventos de 11 de setembro. "Kraemer agiu de modo inusual, quase subversivo, no ambiente de desconfiança e criminalidade que impregna os grandes negócios", registrou a revista Fast Company. Ele foi incluído na lista dos 100 melhores executivos da revista Business Ethics. "Tudo isso só foi possível porque a empresa já possuía um código de valores bem estabelecido", afirma Kraemer. Segundo ele, ao proceder ao recall a companhia conquistou a confiança dos administradores de hospitais, e as vendas de seus equipamentos cresceram acima da média com a chegada de novos clientes, estimulados pela atitude proativa da Baxter. Ao reservar US$ 156 milhões para o pagamento de futuras indenizações e, portanto, precificar o prejuízo, Kraemer acalmou os analistas de Wall Street. Depois de trabalhar por mais de duas décadas na Baxter, ele deixou a companhia em 2004 e tornou-se professor da escola de negócios Kellogg e sócio de uma firma de investimentos. Também ficou conhecido como o senhor "Faça-a-Coisa-Certa", pregando a executivos e estudantes de MBA, futuros CEOs, a maneira correta de ser e agir nos negócios. Eis algumas de suas recomendações:

>>> Cabe ao líder zelar 100% do tempo para que toda a empresa esteja ciente do que se pode e do que não se pode fazer. Isso muito antes que alguma crise desafie a organização.

>>> Um líder precisa cultivar uma autêntica autoconfiança. Um grande número de executivos apenas cria uma auto-imagem de segurança para não ser desafiado. Você deve sempre ter claro o que sabe e o que não sabe, e cercar-se de pessoas que sabem mais do que você.

>>> Um líder precisa ter uma postura de humildade genuína, se quiser ganhar o respeito dos subordinados. Quando se é promovido, ganha-se uma sala maior e, com freqüência, esquecem-se os tempos de cubículo.

>>> Um líder precisa comunicar, comunicar e comunicar. Ninguém aprende por osmose. Por meio de e-mails ou mensagens de voz, eu sempre me correspondi com os 50 mil funcionários da companhia espalhados pelo mundo. Durante a crise, respondi, em uma só noite, a 120 mensagens de funcionários.

Os princípios de Kraemer soam óbvios? Numa economia globalizada, em que presidentes de multinacionais têm chefes em várias partes do mundo e tempo escasso para atender às demandas, certos aspectos fundamentais da vida corporativa ficam em segundo plano. A começar pela falta de tempo para cuidar de si. "Como é possível cuidar dos subordinados, se você não cuida bem da sua vida?", diz Moisés Sznifer, consultor e professor da FGV/SP que convidou Kraemer para participar neste mês, em São Paulo, do Projeto Delphos, uma referência ao oráculo para onde reis e filósofos gregos se dirigiam a fim de deslindar seu destino. No portal, havia uma inscrição: "Conhece-te a ti mesmo".

Em vez de montar um curso convencional de reciclagem, Sznifer e o headhunter Luiz Carlos Cabrera optaram por uma programação de encontros mensais, que contribuem para que os CEOs mergulhem numa jornada de profunda auto-reflexão. "A diferença do Delphos em relação aos demais cursos é que este visa promover o crescimento do indivíduo", diz Cabrera. "O gestor cresce como conseqüência disso." O aprendizado, nesse caso, se dá com base em vivências emocionais, induzidas por jogos, discussão de textos literários e dramatizações. Os CEOs são então convidados a reescrever suas biografias com dimensões muito além da vida profissional. Inspirado no Projeto Proteus, conduzido pela britânica London Business School, o Delphos encaixa-se nas chamadas disciplinas soft, que visam dotar gestores com formação humanista.


Fonte: Por Nelson Blecher, in epocanegocios.globo.com

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