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A Teoria do U na sustentabilidade

Uma queixa comum entre as pessoas –especialmente os funcionários – é que o discurso da sustentabilidade costuma ser mais pródigo na boca de líderes empresariais do que a sua inserção nas estratégias de negócios. E isso ocorre em grande medida porque as corporações resistem ao novo e também a aceitar os custos, financeiros e comportamentais, da mudança.

Em sua defesa, as empresas alegam que a mudança decorrente da incorporação do conceito ocorre lentamente porque requer a substituição de modelos de pensar e fazer negócios arraigados e a assimilação de novas práticas por parte de todos os colaboradores, parceiros de cadeia produtiva e consumidores.

O certo é que a mudança tem sido mesmo demasiado lenta e não tão linear, até para corporações líderes no tema, que vêm seguindo, de modo coerente, o passo a passo da cidadania corporativa e da responsabilidade social empresarial. Parte desse quadro pode ser atribuída às dificuldades naturais relacionadas ou à complexidade do negócio ou ao necessário fardo do reajuste de cultura organizacional. Outra parte, ao fato de que, apesar de bem intencionadas, talvez as empresas não estejam sabendo mobilizar, engajar e educar os funcionários nos processos de mudança. A sustentabilidade representa o novo. E não se consegue criar o futuro utilizando esquemas mentais do passado.

A respeito desse importante desafio, convém aos líderes de empresas sustentáveis ler Presença: Propósito Humano e o Campo do Futuro (Cultrix, 2007). Escrito a oito mãos, por Otto Scharmer (Massachusets Institute of Tecnology), Joseph Jaworski (Global Leadership Inititative) , Betty Flowers (Universidade do Texas) e Peter Senge, o já famoso guru da gestão do conhecimento, esta obra trata da construção de um novo tipo de saber e de uma nova forma de aprendizagem organizacional, válidos para o tema da sustentabilidade.

Entre ouras teses, os autores defendem que já não se pode mais planejar a mudança corporativa tomando como base apenas a experiência anterior, com a atenção voltada exclusivamente para o passado. Esse modelo de aprendizado, ainda predominante nas empresas, persiste nos processos de mudança planejadas, que se baseiam no velho roteiro de reunir informações, decidir, envolver pessoas, monitorar e controlar.

A limitação desse esquema está no fato de que, invariavelmente, ele não permite uma compreensão profunda da situação nem o envolvimento necessário das pessoas para suportar a mudança em meio às pressões das circunstâncias. Em temas naturalmente mais complexos, como a da sustentabilidade, que exigem a integração de diferentes públicos na tarefa de criar o futuro, ele tem se mostrado insuficiente.

Como alternativa a ele, os autores propõem uma teoria, denominada “U”, que se estrutura em três etapas: sentir, presenciar e concretizar.

Para Senge e sua troupe, esses três aspectos encontram-se presentes nos processos convencionais de mudança planejada. A diferença é que eles se tornam superficiais na medida em que escasseia o espaço para o “sentir”. Reunir informações é um esforço insatisfatório –crêem – quando não vem acompanhado de uma suspensão nos modos habituais de ver e de um redirecionamento da atenção para perceber a situação “de dentro dela” e não como seu observador externo. Os autores acham que se não sentimos a “nova realidade”, tendemos a reproduzir esquemas mentais preexistentes que serão cada dia menos eficazes para aprender em questões novas como a da sustentabilidade.

Os processos habituais de mudança receitam tomar decisões, criar uma “visão” inspiradora e botá-la na boca de um líder carismático que vai engajar pessoas. Para os idealizadores da teoria do U, esse modelo não leva em conta como os decisores sentem o tema, não permite que as pessoas descubram em si e vivenciem o valor de mudar, o que gera normalmente uma espécie de distanciamento do objeto proposto pela mudança. O problema dos discursos de sustentabilidade –segundo os autores – é que, na maioria dos casos, os públicos de interesse de uma empresa não o “presenciam.” E se não o “presenciam”, não conseguem perceber intimamente o seu significado mais amplo. Não é por acaso que, nas empresas consideradas modelares em sustentabilidade, os funcionários tomaram o tema para si como uma causa que transcende o próprio negócio e não como uma estratégia racional para proteger ativos ou manter a competitividade.

Nos esforços habituais de aprendizagem empresarial, prevalece um certo apego cego ao “plano de ação” e as etapas nele estabelecidas. Se por um lado isso ajuda, com sua lógica cartesiana, a orientar o trajeto rumo a um objetivo de mudança, o plano acaba por reforçar – na análise do grupo de Senge – a separação entre os atores do processo e aquilo que desejam mudar.

Para criar o futuro –defendem – deve-se agir “no mundo” e não “sobre o mundo.” O ato de “concretizar”, que está na haste direita da “subida” do U pressupõe revelar uma realidade nova e construí-la coletivamente, a partir de um fluxo natural de mudança. Enquanto os objetivos de sustentabilidade forem apenas “declarações de propósitos elevados” em documentos bonitos que se penduram na parede, e o caminho para atingi-los deixar de considerar como as pessoas vivenciam o tema, a mudança necessária seguirá em ritmo lento e artificial. Para deleite dos céticos que se comprazem em associar o interesse das empresas pelo tema a puro estratagema de marketing.


Fonte: Por Ricardo Voltolini, in www.ideiasocioambiental.com.br

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