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Equilíbrio exige abandono de velhas crenças

Se dependesse dos executivos atuais, o dia não duraria "apenas" 24 horas, como estabeleceu o calendário romano, em 735 a.C. Para conciliar reuniões, viagens, telefonemas, cursos, filhos, lazer, amigos, encontros de família e mais uma dezena de compromissos diários, em meio à preocupação com as metas e à acirrada (e hoje globalizada) concorrência, seriam necessárias pelo menos 30 horas diárias. Uma mudança e tanto no sistema temporal que - reza a lenda - foi criado por Rômulo, primeiro rei de Roma, há 2.743 anos.

Menos mal que boa parte das empresas - pelo menos as ditas "socialmente responsáveis" - têm demonstrado preocupação crescente com a qualidade de vida de seus colaboradores, o que implica, necessariamente, um tempo maior para suas atividades pessoais.

Nesta entrevista exclusiva, Patricia Debeljuh Lujan, colaboradora do Centro de Investigação Trabalho e Família, da espanhola Iese Business School - uma das melhores escolas de negócios do planeta -, fala sobre a conciliação, apontando soluções e rumos para o tema no meio corporativo. Na opinião da especialista, que também é doutora em Filosofia pela Universidade de Navarra, para se chegar ao equilíbrio é preciso abandonar velhos conceitos. Para o bem de funcionários e da empresa, um destes velhos dogmas a serem extirpados da cultura corporativa é o de que a dedicação profissional se mede a partir do tempo que o executivo permanece dentro da empresa.

Gazeta Mercantil - Quais são as grandes dificuldades enfrentadas pelos executivos na atualidade, no que se refere à conciliação entre a vida pessoal e profissional?
O primeiro desafio é ter bem claras as prioridades pessoais. Se um executivo não é consciente da necessidade de equilibrar a vida profissional com a pessoal e familiar, dificilmente se questiona sobre como liderar as responsabilidades que tem diante das demandas de sua família. Em segundo lugar, quando as empresas se dispõem a assumir a responsabilidade de oferecer a seus empregados alternativas viáveis para equilibrar as exigências do trabalho com as de sua família, freqüentemente devem enfrentar estereótipos, muitas vezes repletos de preconceitos e temores. Será preciso considerá-los nas hora de encarar esta tarefa. Neste processo, essas velhas crenças serão afastadas e novas convicções ocuparão seu lugar, dando lugar a uma nova cultura. Entre as velhas crenças se destacam o conceito de que a dedicação a uma carreira se mede com base no tempo que alguém se dedica ao trabalho ou assistindo a reuniões informais fora do horário de trabalho, a idéia de que as mulheres são responsáveis por cuidar dos filhos e, portanto, deverão renunciar sua carreira profissional para atendê-los, ou ainda a visão de uma carreira profissional como uma linha direta, vertical e ininterrupta para cima.

Gazeta Mercantil - Em que aspectos o executivo se diferencia das demais categorias profissionais, em relação à busca de equilíbrio trabalho x família?
O executivo se move em um mundo muito competitivo e necessariamente por isto, às vezes, lhe custa não pensar em termos de rentabilidade. Talvez, a tendência para quantificar e medir todas suas decisões o leve a não contemplar os aspectos mais humanos da conciliação e o faça pensar que apostar nela é mais um custo e não um autêntico investimento.

Gazeta Mercantil - Quais as principais práticas a serem adotadas pelo profissional na busca do desejado equilíbrio com as questões pessoais?
Em termos pessoais, os diretores sentem a pressão por administrar bem o tempo e não se rebaixar às pressões do estresse. Neste sentido, são freqüentes entre eles cursos de capacitação nestes temas, para ajudá-los a gerenciar suas agendas e as pressões que recebem. Quanto à empresa, as práticas mais freqüentes têm como objetivo oferecer flexibilidade tanto temporal como espacial a seus empregados, presenteá-los com serviços extra-salariais que os ajudem em suas necessidades familiares, dar-lhes apoio profissional para administrar assuntos de interesse pessoal ou familiar e uma ampla gama de benefícios que promovam uma melhor qualidade de vida profissional.

Gazeta Mercantil - Há diferenças nas dificuldades enfrentadas por executivos brasileiros e europeus no que tange à conciliação?
A globalização faz com que quase não existam diferenças significativas entre diretores latino-americanos e europeus nesta temática. A cultura de longas horas de trabalho, o tempo desperdiçado em deslocamentos e viagens, a pressão por fazer carreira internacional - com a conseqüência do traslado familiar -, a ameaça de desemprego e a idéia de associar produtividade às horas passadas no posto de trabalho são comuns em ambos continentes.

Gazeta Mercantil - Em âmbito mundial, quais são práticas mais inovadoras de conciliação?
O ponto de partida para conquistar uma acertada combinação de vida familiar com o âmbito profissional está no trabalho bem desenhado, onde os objetivos estejam claramente delineados e no qual os trabalhadores tenham controle sobre onde, como e quando realizam suas tarefas. A partir daí, podem se estabelecer distintas políticas que ajudem a conciliar as demandas de trabalho e família. Entretanto, sua mera implementação não é suficiente. É preciso que estejam situadas dentro de uma cultura familiarmente responsável que configure um autêntico pensar e atuar dentro de cada organização. Deste modo, os empregados não apenas se sentirão livres para utilizar as soluções que a empresa lhes oferece, e sim também terão a confiança e o estímulo para participar e integrar outras alternativas adaptadas às suas necessidades particulares.

Gazeta Mercantil - Quais foram as grandes mudanças ocorridas nos últimos anos em relação à conciliação?
O desafio de equilibrar trabalho e família é a luta diária de todo trabalhador que pretende balancear as muito freqüentes demandas contrapostas que apresentam a vida pessoal e a atividade profissional. As condições do mercado de trabalho sofreram grandes transformações nas últimas décadas. Da tradicional divisão das tarefas pela qual os homens saíam para trabalhar e as mulheres se dedicavam ao lar, se passou a um novo paradigma, no qual, atualmente, tanto eles quanto elas se propõem uma carreira profissional compatível com as exigências de uma vida familiar, muitas vezes pressionados por necessidades econômicas. A realidade mostra também que, enquanto a força de trabalho mudou drasticamente, o lugar do trabalho não. Daí surgem conflitos e dilemas na hora de conciliar as demandas de uma profissão com as necessidades de uma família e, em muitos casos, as pessoas pressionadas por ambas exigências, chegaram inclusive a limites de exaustão na tentativa de "atingir tudo".

Gazeta Mercantil - Qual o papel do gestor de pessoas na construção de um novo modelo de trabalho, marcado pelo equilíbrio nas relações trabalho x família?
Diante do contexto de crise, com tantas tensões e pressões, as pessoas têm se dado conta da importância que tem a família como um forte pilar de contenção. Daí que são os mesmos empregados os quais estabelecem suas necessidades e esperam que as empresas considerem suas demandas familiares. Mas, além disso, o fundamental é que aqueles que dirigem as empresas alcancem, por meio de políticas de conciliação, um autêntico pensar e atuar que impregne a vida de uma organização e se traduza em decisões concretas. Assim, será possível criar uma nova cultura que seja reflexo da diversidade da força laboral atual.


Fonte: Por Marcelo Monteiro, in Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 13

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