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Morra a marca, viva a verdade

Me chamaram, mais uns amigos, para um papo com um time de executivos de uma agência, das maiores. Nossa missão era explicar como se comunicar com o jovem brasileiro.

Repeti a manhã inteira exatamente o que nenhum publicitário quer ouvir: jovem não está nem aí com marca, nem com campanha. A fidelidade é zero. O que interessa é o produto. O iPhone faz sucesso porque é um produto sensacional, não porque é da Apple ou por causa dos anúncios (que, aliás, nunca foram veiculados no Brasil).

Não soube me explicar direito, tento agora. A melhor maneira de explicar como mudou a relação do jovem com a marca é pensar em como a cultura mudou.

Música é central na faixa entre 13 e 25 anos. Escrevi sobre música ininterruptamente de 1988 a 1995. Até os anos 80, um cara que gostava de rock batalhava muito para ter uma coleção de uns cem discos, divididos entre umas 15 ou 20 bandas. Cada disco comprado era uma conquista. Você passava horas olhando a capa, lendo o encarte, decorando os integrantes e as letras.

Quem é apaixonado por música faz questão de se diferenciar de quem vive correndo atrás do hit da hora. Se o artista underground estoura, o fã fica furioso: todos aqueles “babacas” desinformados agora estão gostando da banda que ele descobriu antes de todo mundo. A reação natural é concluir que seu ex-ídolo se vendeu, Há anos a Nike oferece um serviço chamado Nike iD em seu site, onde os consumidores podem desenhar tênis personalizados, usando diferentes cores, tecidos ou até mesmo símbolos ou palavras. Embora seja uma plataforma de comércio eletrônico, ou e-commerce, a importância do Nike iD para a marca vai muito além da venda em si. É prova do quanto ela acredita na auto-expressão: a Nike acredita em colocar as pessoas no controle e não impõe, arrogante, seu próprio gosto ao mundo. Mesmo assim, o Nike iD não deixa de ser um serviço comercial e, em 2007, a empresa decidiu concentrar esforços para aumentar seu uso no Reino Unido. Nesse sentido, a ação mais importante foi reformar a loja — que é o carro-chefe da NikeTown London — para criar um espaço dedicado ao Nike iD. A NikeTown London, localizada no famosíssimo Oxford Circus, é um dos trunfos de comunicação mais valiosos da marca, tanto em termos de clientes cativos como pelos milhares de consumidores que passam por suas vitrines.

Um enorme cubo de vidro foi instalado no centro da loja, fazendo as vezes de mezanino, que pode ser visto de todas as direções. Aí se instalaria o Nike iD Studio: um espaço onde o consumidor pode desenhar Nikes personalizados, auxiliado pela inspiração e orientação de uma equipe de consultores em design da marca. Naturalmente, a maior peça de comunicação do Nike iD é a construção do Nike iD Studio em si, presença mais que marcante na NikeTown. Mas a empresa quis levar a mensagem para além dos limites da loja. Para isso, convocou a Naked Communications, a agência digital AKQA e os consultores da RP Freud. O objetivo era fazer com que todas as horas de atendimento dos consultores de design estivessem tomadas já no momento do lançamento da loja. Nossa estratégia de campanha surgiu de um insight sobre a natureza do marketing dos artigos esportivos e sua dependência das superestrelas do esporte. As marcas apresentam imagens de um mundo exclusivo, habitado por atletas de elite. Esse mundo de brilho e glamour é, em última análise, inacessível ao consumidor. Um mundo onde as estrelas podem ditar suas próprias regras. Beckham, por exemplo, tem tênis Adidas de ouro; Michael Jordan tem tênis especiais que pesam 85 gramas cada um. E nós, os comuns dos mortais, aceitamos o que nos dão. De repente, percebemos que o Nike iD nos abriu as portas desse mundo.

Agora, todos podemos ser especiais. Foi esse o gancho para a definição da idéia da campanha “Entrem e sejam bem-vindos”: um convite aberto para que todo mundo venha fazer sua consulta de design individual. A execução não usou propagandas convencionais. Começou com uma festa de lançamento cujos convites continham iPods Apple com vídeos personalizados apresentando o serviço. A festa disparou o alvoroço em torno da notícia entre os formadores de opinião, mas agora é preciso levar a campanha para um universo mais amplo. Para isso, fizemos um showcase dos designs criados por clientes reais do Nike iD Studio. Os resultados eram mostrados no website do Nike iD, em telas no lobby de entrada da NikeTown e nas instalações digitais localizadas no centro de Londres: cubos de vídeo de 2 x 2 metros que exibiam um caleidoscópio de designs sucessivos, com os rostos das pessoas que os criaram. A cada hora, cada um desses cubos transmitia uma oferta de consulta imediata via bluetooth, e alguém que estivesse na região recebia um convite surpresa. O resultado: produtos esgotados. Todas as horas tomadas. O Nike iD Studio era “o lugar” onde estar, para todos aqueles que conseguiram ser rápidos ou sortudos o suficiente para conseguir um convite. Entrem e sejam bem-vindos! @ comente este artigo no www.meioemensagem.com.br/opiniao está vivendo das glórias do passado. Acabou a paixão. A fila anda.

Hoje essa maneira de ser tomou conta dos jovens do mundo inteiro, investidos de poder pela tecnologia. Esse ritmo virou um ciclo de meses, de dias. Cada minuto apresenta um novo nome imperdível. Quase ninguém interessa depois do primeiro álbum, às vezes da primeira canção. Vale para música, vale para tudo — produtos, marcas, ídolos, idéias.

Por isso, se você quer falar com o jovem do século 21, tem de sair do mundo da sedução e entrar no mundo da verdade.

Regra número um: precisa saber escrever. O jovem moderno redescobriu o texto, via web, MSN, blogs, Orkut. Acredita mais no que lê, no que vê ou ouve. Define suas compras baseado na opinião de amigos informados e na leitura de artigos.

Saber escrever depende de você conhecer português e a técnica básica de jornalismo (que é baba). Um mínimo de cultura geral e de caráter também ajuda, como dizia Paulo Francis.

O estilo nasce das imitações baratas que a gente faz dos textos que a gente admira. Eventualmente, isso vai se misturando com o que a gente é e sendo filtrado pelos lugares onde você trabalha.

Mas estilo ou opinião sozinhos não valem nada. Você precisa ter algo a dizer. Algo que toque as pessoas e que tenha valor.

Essa é a regra número dois para falar com o jovem: você precisa ter espírito punk — ou seja, faça você mesmo, e algo verdadeiro. Como William Gibson nos ensinava, em 1984, o futuro pertence ao espírito punk turbinado pela tecnologia — nosso presente é cyberpunk.

Não tem segredo. É contato direto sem chaveco. Trate-o ou trate-a como você gostaria de ser tratado. Não faça média, não puxe o saco, não doure a pílula, não escamoteie a verdade.

Grant Morrison, mago dos quadrinhos, situacionista e popstar, diz que o leitor imaginário ideal é um garoto superesperto de 14 anos. Vou mais longe: e muito mais bem informado que você e eu.

Por isso, não tente vender nada para um jovem do século 21. Se você criar algo que ele julga merecer ser comprado, ele compra, se puder, e conta para meio mundo se ficou feliz ou infeliz.

Voltando ao exemplo inicial, do iPhone. Está para sair o HTC Dream, o primeiro celular a usar o sistema operacional Android, do Google. Se o Dream for um produto mais apaixonante, os próprios jovens vão enterrar o iPhone. Não comunique a marca — comunique a verdade no coração do produto ou do serviço.

É assim que eu faço. Faça como quiser.


Fonte: Por André Forastieri - Diretor geral da Futuro Comunicação e diretor editorial da Tambor Digital, in www.meioemensagem.com.br

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