Pular para o conteúdo principal

Frigoríficos querem dar sabor à marca

"Por favor, quero uma picanha Bertin, uma maminha Friboi e uma costela Minerva". Hipotético, o pedido acima pode até nos parecer estranho hoje, pois não é comum um consumidor comprar carne conforme a marca. Mas, se depender das empresas do setor, a história vai ser diferente num futuro bem próximo. Elas decidiram recorrer ao marketing, algo novo nesse mercado, para estimular a clientela a chegar a um açougue e escolher seus respectivos produtos.

As mudanças na comunicação refletem uma transformação vivida pelo setor desde a metade desta década. As líderes da área rumaram para a profissionalização, inclusive com abertura de capital (eram comuns as denúncias de abate clandestino e sonegação de impostos) e internacionalização (compra de empresas no exterior). Também houve alteração no perfil dos negócios, com algumas companhias se posicionando como indústrias de alimentos (com a industrialização de pratos e aquisição de empresas de outras proteínas, como suínos, aves e lácteos).

Um dos maiores frigoríficos do País, o Bertin começou a sua ação no Carnaval, patrocinando o Bar Brahma e comercializando espetinhos no Sambódromo Paulista. "Queremos replicar a ideia para outros eventos", diz Marcos Scaldelai, diretor de marketing do Bertin. As "festas de peão de boiadeiro" estão nos planos. Segundo ele, ao comercializar a carne no sambódromo e oferecê-las nos camarotes, a empresa permite ao consumidor "experimentar a marca". "O brasileiro foi acostumado a comprar de uma forma, e a Bertin quer fazer diferente".

Ele acrescenta que o trabalho com a carne se faz necessário porque a organização já tem a experiência nos lácteos - em 2007 adquiriu a Vigor. Diz ainda que a indústria vai retrabalhar a comunicação tanto dos industrializados - com lançamento de produtos - como dos produtos in natura. Scaldelai conta que, em um primeiro momento, não haverá publicidade.

Diversificação
O analista Fabiano Tito Rosa, da Scot Consultoria, lembra que o processo de diversificação dos frigoríficos começou há pouco mais de dois anos e só não continuou por causa da crise. Ele explica que, entre 2002 e 2006, o setor se capitalizou com bons resultados em exportações e abriu capital. O resultado, segundo ele, foi a ida às compras, primeiro dentro de suas áreas de atuação (boi) e, depois, diversificando o conjunto de produtos para agregar valor e utilizar a logística.

Um dos primeiros a iniciar o processo foi o JBS , que agora reformula sua comunicação, investindo por ano 10% a 15% a mais em comunicação. A empresa fez uma pesquisa no ano passado para mudar o posicionamento de suas marcas, trabalho que deve ser implantado em 2009. O levantamento, segundo o gerente de marketing, Flavio Saldanha, mostrou que o consumidor quer uma carne vermelha, não muito gorda e fresquinha, apontando diferenças entre preferências e dias de compra de mulheres e homens. "Vamos, mais uma vez, adaptar a carne à preferência do consumidor". Uma das primeiras ações de marca da JBS começou há sete anos com o projeto Açougue Nota 10, em que o frigorífico "administra" o açougue do varejista, capacitando o pessoal.

A JBS tem uma comunicação para cada marca. Na Maturatta, por exemplo, houve campanha publicitária até setembro passado, em rádios e títulos masculinos, pois é uma carne de churrasco. A empresa também já havia utilizado ponto-de-venda e realizado duas edições do estilo "prove e aprove" - em bares onde o consumidor era convidado a provar a carne e votar naquele que ofereceria a melhor iguaria. Segundo ele, as ações de marketing aumentaram em 45% das vendas.

Para a marca Organic Beef, a JBS trabalha na formação do conceito de carne orgânica, por meio de palestras em supermercados e a veiculação de publicidade em revistas de gastronomia.

A aquisição da americana Swift Company, em 2007, marcou a entrada da JBS no segmento de proteínas e o reforço na globalização da marca, pois a brasileira já havia adquirido outras empresas que detinham o nome Swift no mundo. No Brasil, a companhia rejuvenesceu a marca e lançou produtos, para estar presente "do café da manhã ao jantar". É agora, "depois da lição de casa feita", segundo Saldanha, que a marca prepara ações no ponto-de-venda.

O gerente de marketing da JBS acredita em uma evolução rápida do consumidor em relação às marcas e lembra que, há duas décadas, os cortes atuais das carnes não existiam.

A avaliação é de que o setor está em uma "quarta fase" em relação à compra: na primeira, escolhia-se entre traseiro e dianteiro; depois carne de primeira ou segunda. Hoje a compra se dá por cortes. A próxima etapa, segundo ele, é a escolha pela marca.

Valor
O diretor acadêmico da pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Edson Prestelli, explica que, quando uma empresa trabalha com commodity, como as carnes, geralmente busca agregar valor a seus produtos. "Muitas companhias fazem essa migração. Ao fazê-la, precisam mudar suas estratégias de mercado, incluindo uma comunicação mais intensa", diz. O resultado, segundo ele, é o investimento em embalagem e um "esforço em comunicação".

O diretor de marketing do Grupo Marfrig, Sergio Mobaier, diz que a proposta da empresa é trabalhar todos os pontos de contatos com o consumidor. Outro objetivo é se mostrar como uma organização de alimentos, e não mais de agroindústria. As mudanças podem ser vistas nas embalagens, principalmente de produtos industrializados, em ações no ponto-de-venda e em anúncios veiculados em revistas especializadas.

Segundo ele, a empresa quer ser reconhecida como aquela que oferece uma solução completa de alimentos, do café da manhã ao jantar. O frigorífico ingressou em áreas nas quais não atuava, aqui e no exterior, como aves e suínos. Isso o levou a vender produtos de maior valor agregado. Mobaier explica que a fase na qual a empresa se encontra é do desenvolvimento das marcas.

Mobaier acredita que hoje exista um segmento que consome carne por marca e está disposto a desembolsar uma verba maior pelo produto em troca de qualidade. Ele cita como exemplo a linha "Bassi", da própria Marfrig, considerada "de grife" pelo executivo. A mesma estratégia é desenvolvida para as demais marcas: Mabella, DaGranja, Palatare e Pena Branca.

Mercado interno
No Minerva o interesse por desenvolver a marca nasceu no ano passado quando a empresa passou a trabalhar mais com o mercado interno e com produtos de maior valor agregado. "Deixamos de ser só carne em in natura", diz Ana Paula Bortolo, gerente de marketing da indústria. O resultado foi a mudança no slogan, que passou de "qualidade em carnes" para "qualidade em alimentos".

As ações de marketing do Minerva contam com promotores em supermercados, degustação, campanha de relacionamento (sorteio para a ida à festa de Barretos), a identidade visual em aventais de açougueiros e publicidade em revistas do especializadas em serviços de alimentos. "Estamos em um processo de mudança na comunicação", diz Ana Paula.

O economista e sócio da RC Consultores, Fábio Silveira, lembra que existe um processo de "enobrecimento" da marca, fruto também do acirramento da concorrência.

Para o diretor da consultoria AgraFNP, José Vicente Ferraz, o fato está mais relacionado com a mudança do setor do que com a crise. "Quando se tornaram empresas de alimentos, consolidaram marcas. Quando há marca, investe-se em comunicação".


Fonte: Por Neila Baldi, in Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 8

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

H2OH! - um produto desacreditado que virou sucesso

O executivo carioca Carlos Ricardo, diretor de marketing da divisão Elma Chips da Pepsico, a gigante americana do setor de alimentos e bebidas, é hoje visto como uma estrela em ascensão no mundo do marketing. Ele é o principal responsável pela criação e pelo lançamento de um produto que movimentou, de forma surpreendente, o mercado de bebidas em 11 países. A princípio, pouca gente fora da Pepsi e da Ambev, empresas responsáveis por sua produção, colocava fé na H2OH!, bebida que fica a meio caminho entre a água com sabor e o refrigerante diet. Mas em apenas um ano a H2OH! conquistou 25% do mercado brasileiro de bebidas sem açúcar, deixando para trás marcas tradicionais, como Coca-Cola Light e Guaraná Antarctica Diet. Além dos números de vendas, a H2OH! praticamente deu origem a uma nova categoria de produto, na qual tem concorrentes como a Aquarius Fresh, da Coca-Cola, e que já é maior do que segmentos consagrados, como os de leites com sabores, bebidas à base de soja, chás gelados e su

Doze passos para deixar de ser o “bode expiatório” na sua empresa

Você já viu alguma vez um colega de trabalho ser culpado, exposto ou demitido por erros que não foi ele que cometeu, e sim seu chefe ou outro colega? Quais foram os efeitos neste indivíduo e nos seus colegas? Como isso foi absorvido por eles? No meu trabalho como coach, tenho encontrado mais e mais casos de “bodes expiatórios corporativos”, que a Scapegoat Society, uma ONG britânica cujo objetivo é aumentar a consciência sobre esta questão no ambiente de trabalho, define como uma rotina social hostil ou calúnia psicológica, através da qual as pessoas passam a culpa ou responsabilidade adiante, para um alvo ou grupo. Os efeitos são extremamente danosos, com conseqüências de longo-prazo para a vítima. Recentemente, dei orientação executiva a um gerente sênior que nunca mais se recuperou por ter sido um dia bode expiatório. John, 39 anos, trabalhou para uma empresa quando tinha algo em torno de 20 anos de idade e tudo ia bem até que ele foi usado como bode expiatório por um novo chefe. De

Conselho Federal de Marketing?

A falta de regulamentação da profissão de marketing está gerando um verdadeiro furdunço na Bahia. O consultor de marketing André Saback diz estar sendo perseguido por membros do Conselho Regional de Administração da Bahia (CRA/BA) por liderar uma associação – com nome de Conselho Federal de Marketing e que ainda não está registrada – cujo objetivo, segundo ele, é regulamentar a profissão. O CRA responde dizendo que Saback está praticando estelionato e que as medidas tomadas visam a defender os profissionais de administração. Enquanto André Saback, formado em marketing pela FIB - Centro Universitário da Bahia -, diz militar pela regulamentação da profissão, o Presidente do CRA/BA, Roberto Ibrahim Uehbe, afirma que o profissional criou uma associação clandestina, está emitindo carteirinhas, cobrando taxas e que foi cobrado pelo Conselho Federal de Administração por medidas que passam até por processar Saback, que diz ter recebido dois telefonemas anônimos na última semana em tom de ameaç