Se as práticas no Marketing
mudaram ao longo dos anos, no meio acadêmico essa transformação foi sentida tão
intensamente quanto no mercado. Isso porque as universidades têm a
responsabilidade de levar para o profissional as atualizações e formas de
implantar as novidades. Ainda assim, mesmo com investimentos e salas de aulas
cheias, muitas empresas continuam incorrendo no erro de não praticar o que foi
ensinado ou mesmo mantendo a visão antiga, voltada à comunicação.
Essa estagnação das companhias
traz uma preocupação ao mercado, uma vez que diversas ferramentas e novas
plataformas que poderiam ser utilizadas para melhorar o relacionamento e o
atendimento ao cliente, por exemplo, deixam de ser utilizadas, colocando o
Brasil em uma posição atrasada em relação aos demais países. Conceitos como
Design Thinking, Omnichannel ou Neuromarketing são pouco executados no dia a
dia, justamente em um momento em que os consumidores estão cada vez mais
exigentes em relação à atenção dispendida pelas marcas. Uma mudança
comportamental das empresas – e não mais das pessoas – deve solucionar a
maneira com que os gestores encaram suas presenças na vida dos clientes.
Acompanhar inúmeras novidades na
área pode parecer assustador para quem atua no ramo, mas são justamente
professores e especialistas em Marketing que podem trazer luz para que cada um
encontre sua própria solução para os negócios. “As companhias conseguem de fato
gerar um alto volume de informação e as classificam. Entretanto, elas não
praticam o básico, que é entender minimamente as necessidades do cliente. Para
isso é preciso haver uma integração entre os setores da empresa, pois o
Marketing não pode se isolar. Cada um possui suas especialidades que podem dar
uma maior aderência às ações. Os executivos têm que sair do ar-condicionado e
ouvir mais pessoas”, afirma o professor Luís Sá, idealizador e Coordenador
Nacional do MBA em Marketing da Fundação Getulio Vargas, em entrevista ao Mundo
do Marketing.
Mundo do Marketing: Em 20 anos de MBA de Marketing vivemos muitas
mudanças. Como era antes e como está o Marketing hoje?
Luís Sá: Há duas décadas, ainda não se falava em internet, apesar de ela
existir de forma embrionária. Nos cursos, passamos a tratar o tema em 1997, com
a nossa primeira disciplina de aspectos online, que era sobre e-commerce. De lá
para cá, vivemos transformações e, hoje em dia, é impossível falar no Marketing
sem falar de comunicação digital. Em nosso curso de MBA, a cada ano vamos
incorporando mais disciplinas na área digital, como gestão de mídias sociais,
e-commerce e internet das coisas. Procuramos sempre inovar. O mundo mudou muito
com a tecnologia da informação aplicada à comunicação. Houve um fenômeno, mas
talvez as empresas não tenham percebido a sua extensão, que é uma transferência
de poder dos fabricantes para os consumidores.
Os clientes, por meio da
comunicação digital e todos os meios, interferem imensamente na estratégia de
Marketing das empresas e isso é o que chamamos de consumer empowerment. Essa
transferência de poder não foi algo autorizado, os consumidores simplesmente
tomaram conta. Se, por um lado, essas pessoas ajudam as marcas a acertarem suas
ofertas, o que, consequentemente, reduz o custo de desenvolvimento de produtos
e serviços e aumenta a taxa de acertos, por outro vemos empresas reféns
esperando uma resposta deles. O Marketing mudou, porque o mundo mudou. A
relação da ambiguidade é algo com a qual temos que conviver. Fica mais difícil
poder conversar com esse consumidor porque a comunicação está muito mais
fragmentada. Está sendo uma revolução interessante, pois existem muitos
benefícios. Os últimos sete anos foram mais acelerados. O universo online permite
conhecer melhor quem são nossos consumidores e é mais fácil monitorar o
comportamento online do que off-line. E essa é a vantagem.
Mundo do Marketing: O consumidor mudou, mas existem premissas do
Marketing que não mudam, não é?
Luís Sá: Sim, há situações que continuam
as mesmas, como a essência de entregar um custo-benefício e valor. O que mudou
foi a forma de fazer, mas as empresas parecem não entender que por mais que o
hábito mude, essas pessoas continuarão a buscar esse básico. O que existe é uma
possibilidade maior de comunicar com o cliente em relação aos canais e de
entregar o que você vende em outros meios, sem ser o físico – afinal, existem
diversas plataformas online. A logística precisou se sofisticar e evoluiu
bastante ao longo dos tempos. Ainda temos um desafio muito grande de varejo de
loja em relação ao Omnichannel. Há exemplos positivos dessa integração, tanto a
empresa ganha quanto o cliente, mas não vemos muitas práticas. O Brasil possui
boas experiências que foram originadas pelo avanço brutal da tecnologia da
informação, aplicada à comunicação, mas nesse ponto o processo ainda está
lento.
Mundo do Marketing: Há 20 anos não tínhamos Design Thinking no
currículo, algo que a FGV já incluiu em 2015. O que muda academicamente?
Luís Sá: Qualquer profissional de
Marketing precisa conhecer constantemente o comportamento do cliente. Ele
precisa desenvolver pesquisas de mercado, gerenciar produto e serviços da mesma
forma que continua tratando logística e distribuição, além da comunicação. Já
era assim no antigo currículo e continua sendo agora. O que trouxemos dessa vez
são temas emergentes, como Design Thinking, Big Data, mobile, Neuromarketing,
analytics 2.0 e gestão de redes sociais. São assuntos novos, que existem em
nossos MBA há um tempo. Em 2015 investimos em conhecimento do varejo na era
Omnichannel, que é um grande desafio para os próximos anos.
Se compararmos um programa de
1995 e o atual, existem diferenças consideráveis. Nossa turma teste aberta em
20 de maio de 1995, em Belo Horizonte, já viu um currículo diferente da turma
aberta no Rio de Janeiro em 2007. Nesta, tínhamos as disciplinas de vanguarda,
como e-commerce e Data Base Marketing (DBM), as quais, naquela época, poucas
empresas utilizavam, com algumas exceções entre os bancos e as operadoras de
cartões. Depois, o pensamento evoluiu e apareceu o CRM.
Mundo do Marketing: Até hoje, poucas empresas praticam o DBM
corretamente…
Luís Sá: Costumo contar uma história que
aconteceu com um cliente, que dizia que eu repetia demais que ele precisava
aprimorar o conhecimento sobre os consumidores. E, de fato, é preciso
visitá-los mesmo trabalhando em uma área de vendas. É importante estar
conversando com eles. Esse cliente achava que não tinha necessidade de
conversar com as pessoas. Ele era o vice-presidente de uma empresa grande e
alegava que tinha um bom orçamento, que investia em muitas pesquisas,
monitorava o comportamento na web, contava com um contact center que
semanalmente fornecia relatório e, além disso, tinha um CRM analítico e
operacional que juntava essas informações. Consequentemente, possuía mais
informação que conseguia digerir. E aí voltamos ao primórdio do Marketing, que
é uma empresa orientada para o mercado: aquela que consegue gerar uma série de
informações e disseminá-las em todas as áreas funcionais. Temos o cliente como
centro de tudo e agimos para satisfazê-lo.
O que eu noto é que as companhias
conseguem de fato gerar um alto volume de informação e as classificam.
Entretanto, elas não praticam o básico. O vice-presidente tem essas
informações, mas para que e para quem elas circulam? Cerca de 20 minutos por
mês, o executivo recebe um overview do que acontece no mercado. Quem tem
acesso? Quem pede? Mais ninguém tem acesso. Não me admira que nós, brasileiros,
não estejamos cumprindo o dever básico do Marketing, que é entender minimamente
as necessidades do cliente. À medida que essa informação não circula, isso
causa um isolamento da área de Marketing. A essência continua a mesma, mas
ainda se erra no básico.
Mundo do Marketing: Por que não conseguimos entender isso?
Luís Sá: Entendo o Marketing como tendo
uma função transversal a outras funcionalidades. E cabe a essa área a gestão
dos clientes – que é o maior ativo que uma marca pode ter. Entretanto, esse
departamento se comunica muito mal com os demais. Se vou lançar um novo
produto, faço um plano de ação e pouco envolvo as outras áreas, apenas comunico
o que será. O profissional só falará se precisar compor com outros setores para
suprir sua necessidade, como financeiro ou de produção. A questão que parece
fundamental é que o modo de fazer está errado.
O que aconselho é juntar os gerentes
de todos os departamentos e compartilhar o projeto. Os outros profissionais
possuem um nível de especialização que o Marketing não tem. Esse plano pode
conquistar uma aderência maior se todos participarem e, se tudo der tudo certo,
é importante dividir esse sucesso com todo mundo. O Marketing está integrado na
empresa e até assume liderança, sempre que possível.
Mundo do Marketing: Seria o caso de fazer um Marketing holístico?
Luís Sá: Sim, um CEO quer ouvir falar de
vendas, share de mercado, visibilidade, ganhos de eficácia obtidos, inovação de
novos canais, precificação e modelos de negócios. O presidente se interessará
em relação à retenção de clientes e à lucratividade (ROI) para sua família de
produtos ou aquela que o profissional gerencia. Essas questões farão com que
ele pare para ouvir. Falar que participou de uma feira ou que fez um folheto é
importante, mas não ganha interesse de um CEO. Tem que focar no que impacta:
venda, share e indicador de lucro. A pessoa pode encantar seu presidente se de
fato souber administrar. Não adianta só entender de comunicação. Quem gerencia
um ativo da companhia precisa entender de custo, logística, precificação e
vendas. Como conseguir isso? Saindo do escritório, deixando o ar-condicionado e
ouvindo os vendedores.
Mundo do Marketing: Após 20 anos, saímos de um Marketing de
comunicação para um mais analítico?
Luís Sá: Esse lado analítico, que permite
aplicar uma série de técnicas multivariadas na solução de precificação e de
modelos preditivos de consumo é um campo que pouca gente domina, mas existem
empresas especializadas, que trazem essa possibilidade para que uma marca
consiga avançar, entender e prever o comportamento de compra do seu cliente.
Mundo do Marketing: Muitos problemas de hoje em dia não foram estudados.
A todo momento, surgem novas questões. Como vocês se preparam para os próximos
20 anos? Que problemas virão e ainda não teremos histórico?
Luís Sá: Hoje em dia, há mais acesso ao
que está acontecendo de mais recente. Em 2013, apareceu um artigo falando sobre
Big Data e Analytics 2.0, em que estavam citadas duas consultorias que fazem o
trabalho de maximizar os orçamentos das empresas. Elas desenvolveram uma série
de algoritmos que oferecem as soluções para o cliente. No Brasil, não conheço
nenhuma empresa que faça isso. Mas pelo menos entendemos que existem novidades
que estão aparecendo, que mais cedo ou mais tarde teremos acesso a elas.
Especialmente assuntos que têm na sua essência tecnologia da informação. Então,
estamos começando a falar do Brasil e isso envolve o varejo de lojas
multicanal. Se tiverem duas experiências bem obtidas nesse campo, é algo
válido, mas se nem todos os varejistas do mundo estão interessados e sabem
atuar, os próprios acadêmicos têm que estar interessados em se debruçar sobre
esse acontecimento.
Fonte: Mundo do Marketing, disponível em http://boo-box.link/226G0
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