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Votorantim em busca de uma só identidade

Poucas empresas brasileiras tiveram tantos motivos para comemorar nos últimos anos como a Votorantim. Entre 2002 e 2006, a empresa saltou da 11a posição para a quarta entre os maiores grupos brasileiros, segundo dados de Melhores e Maiores, de EXAME. Com esse movimento, a família Ermírio de Moraes deixou para trás gigantes como Ambev, Gerdau e Odebrecht. Nesse período, a Votorantim investiu quase 17 bilhões de reais para iniciar sua atuação fora do país -- expansão que foi da América do Norte à Oceania. O estirão fez o faturamento quase triplicar, atingindo 29 bilhões de reais em 2006. O crescimento frenético, no entanto, trouxe uma série de questões novas -- e complexas -- para a quase centenária empresa. Historicamente acostumada a formar o próprio pessoal, a companhia vê-se às voltas com uma inédita "invasão estrangeira". Sem um estoque interno de executivos capazes de acompanhar o ritmo de expansão, e ainda tendo de lidar com a saída de todos os acionistas das posições-chave da operação, a Votorantim precisou recorrer a profissionais do mercado para preencher seus cargos de liderança. Dezenas de contratações acabaram criando um novo perfil de profissional na divisão industrial, o coração do grupo, que inclui empresas que atuam em áreas como cimento e metais e é responsável por 70% dos negócios da companhia. Hoje, três dos cinco presidentes e 23 dos 40 diretores das unidades industriais são "forasteiros".

O domínio dos profissionais de fora transformou o grupo num caldeirão de culturas. Com a ajuda de consultorias de contratação de altos executivos, como Heidrick & Struggles, Korn/Ferry, Russell Reynolds e Fesa, os postos mais altos da companhia foram preenchidos com executivos impregnados de valores diferentes dos da Votorantim. Nas empresas do clã Ermírio de Moraes, alicerçadas numa tradição fortemente familiar, sempre predominaram relações duradouras de lealdade e confiança entre executivos e acionistas -- algo incomum entre os recrutados em multinacionais, por exemplo. O alerta soou pela primeira vez na Votorantim em 2006. Naquele ano, uma pesquisa com 1 000 executivos do grupo -- entre coordenadores, gerentes, diretores e presidentes -- mostrou a colcha de retalhos em que a companhia se transformara (processo agravado pela praticamente inexistente comunicação entre as seis unidades industriais). "Descobrimos que as competências e o conhecimento de executivos de mesmo nível eram muito diferentes", afirma Gilberto Lara, diretor de desenvolvimento humano e organizacional da Votorantim -- ele próprio um forasteiro, contratado em 2003, quando trabalhava na subsidiária brasileira da Rhodia. "Precisávamos nivelar o perfil e o jeito de trabalhar de todo o grupo."

A incompatibilidade de estilos entre pratas da casa e recém-chegados resultou em alguns choques e problemas pontuais de relacionamento. Segundo um consultor próximo à Votorantim, o mineiro José Luciano Penido enfrentou um bocado de resistência ao assumir a presidência da Votorantim Celulose e Papel, em 2004, depois de deixar a presidência da mineradora Samarco. "Os diretores não aceitavam um estilo novo e rejeitavam seus projetos", diz o consultor. As faíscas, porém, diminuíram com o tempo. O embate entre culturas ficou ainda mais evidente em 2005, quando Luiz Vilar de Carvalho, na época presidente da Votorantim Cimentos, foi substituído por Walter Schalka, ex-presidente da Dixie Toga. Vilar, amigo da família controladora, trabalhava na Votorantim havia três décadas e deveria conviver com Schalka em um processo de transição de cerca de oito meses. "Ele não agüentou e antecipou a saída", diz o consultor. Oficialmente, a Votorantim não comenta os dois episódios.

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Em busca de uma cultura
Veja o que a Votorantim está fazendo para unificar o estilo de trabalho de seus executivos:

- Em 2007, o grupo inaugurou uma universidade corporativa, com turmas que mesclam executivos dos diferentes negócios. Espera-se que dali saiam, a partir de 2012, os próximos diretores do grupo
- Diretores de várias unidades do grupo passaram a se reunir para avaliar, em conjunto, seus principais executivos. O objetivo é manter critérios parecidos de promoção entre essas empresas e aumentar a integração entre as diferentes áreas de negócio. No ano passado, 21 diretores e gerentes trocaram de unidade graças a essa avaliação
- Nos últimos cinco anos, uma nova diretoria da holding composta apenas de recém-chegados coordenou a padronização de todos os processos entre as empresas do grupo no Brasil. O resultado é um manual com 838 processos — desde a maneira de calcular o custo fixo até a negociação com sindicatos

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Do ponto de vista dos novatos, um dos aspectos que causou maior estranhamento ao chegarem à Votorantim foi a pouca atenção dada à meritocracia no grupo. "A gestão de pessoas era baseada na lealdade, não em resultado", afirma o mineiro João Bosco Silva, presidente da Votorantim Metais, contratado em 2002 após uma carreira de mais de 25 anos na então canadense Alcan (incorporada à anglo-australiana Rio Tinto em dezembro de 2007). "Com o tempo, a Votorantim passou a privilegiar a compe tência à fidelidade, o que ajudou a amenizar o conflito de estilos", diz ele. As diferenças levaram o grupo a repensar por completo a própria cultura e o jeito de fazer negócios -- desde a promoção de profissionais até a maneira como calcula o custo fixo de todas as empresas do grupo. "Não havia nada padronizado sobre como os profissionais eram avaliados", diz Bosco. Nos últimos cinco anos, com o afastamento da família do comando dos negócios, a holding que controla o grupo formou uma diretoria apenas com forasteiros. O time de oito executivos coordenou a padronização de todos os processos entre as empresas da Votorantim no Brasil. Essa força-tarefa gerou um manual com 838 processos -- desde a maneira de calcular o custo fixo até a negociação com sindicatos. Muitos dos resultados dessa fase começaram a aparecer recentemente. Há dois anos, os diretores das diversas unidades industriais do grupo passaram a avaliar em conjunto os executivos do grupo. Como conseqüência, tornou-se possível um intercâmbio muito maior de pessoal entre as diferentes empresas do grupo, já que hoje todos falam a mesma língua. Em 2007, 21 diretores e gerentes trocaram de unidade.

Uma das principais apostas da empresa na tentativa de integrar as diferentes culturas é uma recém-criada universidade corporativa, inaugurada no início de 2007, fruto de uma sugestão dos próprios executivos da companhia. As disciplinas foram definidas pela cúpula da empresa com base no que imaginam ser o perfil ideal para todos os executivos da casa. Habilidades como visão global (já que a Votorantim está investindo pesadamente em sua internacionalização), noção estratégica dos negócios e gestão de pessoas foram os pilares escolhidos pelos líderes. Um grupo de 20 professores de instituições como Fundação Getulio Vargas, Fundação Dom Cabral e Universidade de São Paulo foi convidado para ministrar aulas aos 1 600 coordenadores e gerentes da empresa que devem passar pelos cursos. Hoje, mais de um terço desse pessoal já começou a ter aulas na academia. Para diretores e presidentes, o grupo escolheu uma formação em cursos no exterior, concentrando os estudos em centros como o IMD, na Suíça, e o Insead, na França.

UM DOS MAIORES TRUNFOS da universidade corporativa está em estimular a convivência entre os profissionais das diferentes unidades industriais. As turmas, com cerca de 20 alunos, são formadas por funcionários de todas as áreas. "Fiz carreira na divisão de cimentos e só agora pude entender a estratégia dos outros negócios da Votorantim", afirma Marcelo Lass, gerente-geral de argamassas da Votorantim Cimentos e funcionário do grupo há 18 anos. "A academia nos ajuda a promover um alinhamento cultural a partir da convivência entre pessoas de diferentes trajetórias", diz Lara. Trata-se de um princípio semelhante ao seguido pelo Google, empresa que contrata, em média, 27 pessoas em todo o mundo por dia, segundo estimativas. Além de reforçar sua cultura fortemente calcada na criatividade com eventos curiosos (como o dia em que todos vão ao escritório vestindo pijama ou um concurso para premiar quem tem o maior bigode), os funcionários novos do Google são integrados à companhia com a ajuda de um culture buddy, ou "colega de cultura", que durante um mês apresenta ao novato os princípios básicos da empresa, como evitar a burocracia, por exemplo.

No caso da Votorantim, a expectativa é que a universidade corporativa também crie a próxima geração de líderes -- e encerre a fase da avalanche de contratações de forasteiros. Para acompanhar o ritmo da empresa, porém, a "fábrica de executivos" terá de andar rápido. Em outubro, a Votorantim anunciou o maior investimento de sua história para os próximos cinco anos, um total de 25,7 bilhões de reais. Isso significa que a companhia terá de abastecer de gente dez novas fábricas de cimento, quatro de metais e a maior fábrica de celulose do mundo, que deve ficar pronta em Mato Grosso do Sul em 2009. Só para este ano, estima-se que a companhia precisará criar 180 novas vagas a partir do nível de coordenador. "Se tudo der certo, teremos novos diretores com a cultura Votorantim a partir de 2012", diz Lara.


Fonte: Por Larissa Santana, in portalexame.abril.com.br

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