Já faz algum tempo que a antropologia deixou
os corredores das universidades e invadiu os debates acalorados do mundo
corporativo. E me parece que as análises antropológicas vêm ganhando cada vez
mais espaço. Hoje, seja nas reuniões de marketing ou nos encontros secretos dos
departamentos de RH, o conhecimento antropológico é visto como um olhar
possível e a tal da etnografia já caiu na boca do povo. Mas como acontece com
todo processo de aprendizado? Há muita gente falando a nova língua com um forte
sotaque gringo, sem saber bem o significado das palavras, perdido entre as
regras de acentuação e conjugação que fazem parte do pensamento antropológico.
Certa vez, em um congresso de comunicação, tive a
chance de ouvir um profissional do mercado contar sobre as dificuldades de se
conectar com os seus consumidores. Contou que não falavam a mesma língua, não
tinham os mesmos interesses e os canais de comunicação usuais já estavam pra lá
de desgastados. Foi quando ele teve uma ideia. Sabendo que precisavam
compreender os desejos e as necessidades de seus assinantes, pensou: “Vamos
fazer uma etnografia!”.
A primeira providência que tomou foi convocar seus
melhores gerentes de marketing para uma reunião. Pediu que se reservasse um
restaurante estrelado no último andar de um hotel de luxo.E se convidasse
alguns consumidores para um coquetel. O objetivo era se aproveitar do clima
descontraído do evento para, entre um drinque e outro, buscar pistas que
justificassem a queda nas vendas.
Depois do encontro, tinham em mãos um conjunto de
observações perdidas e uma coleção de frases soltas pescadas ao longo da noite.
Segundo o diretor, estava feita a etnografia. Era isso uma etnografia? Eis a
questão. Se essa pergunta fosse feita a mim, a resposta seria não. Etnografia
nada mais é do que um método de pesquisa. Um caminho que os antropólogos
encontraram para compreender os hábitos, os costumes e formas de pensar os
consumidores. E como esse método surgiu?
No momento em que os pesquisadores começaram a
perceber que os velhos questionários, simples entrevistas e os relatos de
viajantes não davam conta da complexidade dos grupos estudados. E como a gente
faz isso? Primeiro, tem de ter uma questão, um por quê. Sem problema, não tem
pesquisa. Depois, com todas as questões na cabeça, é só partir para o campo. A
gente precisa se encontrar com as pessoas. Precisamos conversar, observar,
questionar, tentar entender como vivem e pensam. Sem observar o cotidiano
dessas pessoas in loco, no lugar onde vivem, fica difícil fazer etnografia.
Ainda falta um ponto fundamental. Depois que acaba a investigação, a gente
precisa colocar os dados obtidos para conversar com os autores clássicos da
antropologia. Sem isso, tudo vira só uma coleção de dados pitorescos, sem razão
de ser. Sem análise dos dados, sem a busca dos porquês, não temos etnografia e
muito menos antropologia.
Fonte:
Consumoteca, disponível em http://boo-box.link/235JJ
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