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A nova face do operário brasileiro

Segundo estudo encomendado por EXAME a Marcio Pochmann, professor da Universidade de Campinas e um dos maiores especialistas brasileiros em trabalho, hoje o operário nacional estuda mais, ganha melhor e passa mais tempo no emprego. A mudança mais dramática é em seu grau de formação. Em 1985, apenas 7% dos funcionários da linha de produção das 150 melhores empresas brasileiras para trabalhar tinham completado o Ensino Superior. Hoje, são 35%. A elevação na escolaridade trouxe um aumento significativo nos ganhos. Duas décadas atrás, apenas 12% dos operários recebiam mais que dez salários mínimos. Hoje, um terço recebe salário superior a 3 500 reais, o que os coloca no topo da pirâmide social brasileira. "Essa foi a maior revolução que o país já viveu em suas fábricas", diz Pochmann.

A evolução tecnológica transformou praticamente todas as profissões nos últimos 20 anos. Todos foram forçados a entender o funcionamento da internet e a adequar-se à rapidez nas comunicações. Médicos, engenheiros, advogados, banqueiros - uma lista interminável. Quando se analisa o que ocorreu no chão de fábrica das companhias brasileiras, porém, percebe-se que essa transformação atingiu patamares incomparáveis. Há um motivo principal para isso: as peculiares (e colossais) mudanças por que passou a economia brasileira de 1985 para cá.

Observados em separado, os dois momentos revelam países radicalmente diferentes. O primeiro tinha uma economia fechada e instável, reserva de mercado para negócios ineficientes e um ambiente competitivo em que poucas empresas se arriscavam a vender os produtos nacionais no exterior. O segundo tem economia aberta (menos aberta do que deveria, vale lembrar), moeda estável e empresas que se viram forçadas a disputar o mercado global com seus concorrentes.

Essas mudanças trouxeram ao ambiente empresarial a obrigação de elevar seu padrão de produtividade para sobreviver. Com a importação de máquinas facilitada pela abertura comercial, as companhias compraram equipamentos que substituíram o trabalho braçal e repetitivo dos operários nas fábricas. O que se viu, então, foi uma elevação notável nos índices de produtividade. Em 1985, cada trabalhador da indústria automotiva produzia oito veículos por ano. Hoje, produz 30 (nas fábricas mais modernas, chega a 60). A produtividade das siderúrgicas quadruplicou no período. Na indústria têxtil, quintuplicou - e números semelhantes são observados em cada um dos setores da economia.

Nesse processo, os operários que exerciam funções menos complexas viram seu emprego simplesmente sumir. Hoje, o operário é uma espécie de minigerente, cujas funções mudam a cada inovação tecnológica ou reorganização dos processos de produção. "Nesse ambiente, as empresas precisam de trabalhadores que pensem e interpretem o que lêem e vêem", diz Denise Asnis, responsável pela área de recursos humanos e educação corporativa da Natura. "Precisam ter capacidade de abstrair, entender, somar, dividir." Como as empresas eliminaram um sem-número de funções de supervisão (sempre com os olhos voltados para o corte de custos), o novo operário ganhou altas doses de responsabilidade pelo que acontece em seu departamento.

Recentemente, a Natura acabou com a função de líder nas fábricas e entregou a gestão das unidades aos próprios operários. Para adaptar-se à nova realidade, a operária Maria Soares de Camargo, de 32 anos, teve de cursar faculdade de administração de empresas para familiarizar-se com os mais modernos mecanismos de gestão. No novo cargo, seu salário pode dobrar.

O esforço para educar funcionários tornou-se, necessariamente, um hábito. Vinte anos atrás, contratar operários era tarefa relativamente simples: bastava colocar um aviso na porta e recrutar os primeiros que aparecessem. Com as novas funções, o que era simples tornou-se uma complicação. É preciso encontrar, em meio à multidão de trabalhadores com formação precária lançados no mercado a cada ano, aqueles com potencial para encaixar-se nos padrões atuais.

Note bem: com potencial. São raros os profissionais que já vêm prontos, o que força as empresas a investir o dinheiro do acionista em treinamento e bolsas universitárias. Companhias como Embraco e Saint-Gobain investem anualmente cerca de 0,5% do faturamento na formação de seus operários. Até os anos 80, parte do esforço das empresas concentrava-se na tarefa de alfabetizar funcionários. Hoje, não saber ler e escrever significa simplesmente a exclusão do mercado - mesmo para as tarefas mais simples.

É isso que explica o descompasso entre vagas abertas e filas de desempregados tentando se colocar. Encontrar o profissional adequado é tão difícil que muitas empresas simplesmente desistem e deixam as vagas abertas. A Natura acaba de eliminar 1 500 candidatos com Ensino Médio completo num processo de seleção - os testes mostraram que são analfabetos funcionais. Ou seja, sabem ler, mas não entendem o que lêem. A Saint-Gobain demitiu 300 analfabetos do chão de fábrica por considerar que eles não tinham condições mínimas de operar os novos equipamentos da linha de produção. "A mudança foi obrigatória para manter a empresa competitiva", diz Raul Navarro, diretor de recursos humanos da Saint-Gobain.

Tamanho rigor na contração e na formação dos operários deve-se a seu papel crucial no desempenho das empresas. Hoje, cada companhia investe na construção de uma linha de produção que a coloque num patamar superior em relação à concorrência. Ter profissionais que dominam os métodos e a linguagem dos negócios é visto como essencial.

A qualidade e o preço da mão-de-obra estão entre as variáveis mais importantes na decisão de investimento das empresas - mais que isso, ajudam a explicar a bonança econômica de algumas economias e a estagnação de outras. A China cresce estrondosamente, em boa medida porque o custo de seus operários é ainda baixíssimo. Um funcionário da indústria automotiva chinesa custa 2 dólares por hora, ante quase 41 dólares de um operário alemão. Mesmo que tenha má formação e a produtividade seja baixa (como é), o custo compensa o investimento por lá. E, embora seja altamente produtivo, o operário alemão é caro demais, o que leva as montadoras a abrir fábricas no Leste Europeu e a fechar suas linhas de produção na Alemanha.

Na Coréia, o investimento em educação formou uma classe operária extremamente produtiva e não tão cara quanto a alemã. De acordo com um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um trabalhador coreano produz em média duas vezes mais que o brasileiro - que, nem tão barato quanto o chinês nem tão eficiente quanto o coreano, coloca o país numa espécie de meio-termo nefasto para as empresas. "Para piorar a situação do Brasil, as novas gerações chinesas estão recebendo mais educação que as novas gerações de brasileiros e, daqui a alguns anos, esse esforço vai torná-los mais qualificados que nós", diz o economista José Alexandre Scheinkman, da Universidade de Princeton.

Segundo os especialistas, é na direção da Coréia que o Brasil deve seguir: um investimento pesado em educação, especialmente para crianças e jovens, colocaria à disposição das empresas funcionários capazes de sustentar ainda mais seus investimentos em tecnologia e tornar o país mais competitivo. "É urgente melhorar a qualidade de nosso ensino, porque os alunos brasileiros têm desempenho muito ruim se comparados a alunos de países desenvolvidos ou até mesmo a outros emergentes", diz Scheinkman. "Só assim os países enriquecem." O trabalhador brasileiro já passou por uma transformação radical nos últimos 20 anos - é um passo considerável. A dúvida é se o mundo esperará outros 20 anos pelas mudanças que ainda precisam acontecer.

Fonte: Por Suzana Naiditch, in http://portalexame.abril.com.br

Comentários

Anônimo disse…
TRABALHO NA FISATOM E QTO MENOS INFORMADOS OS FUNCIONARIOS FOREM ELES ACHAM MELHOR, COM CERTEZA VÃO SER ATROPELADOS E JA SÃO PELOS CONCORRENTES,

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