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O que RP tem a ver com fraudes corporativas?

O texto a seguir mostra que a fraude corporativa está cada vez mais comum nas empresas. Pesquisa aponta que o fraudador mais frequente é o próprio funcionário, que aparece como o responsável pelos desvios em 61% dos casos de fraude, seja como executor por sua iniciativa própria ou impulsionado pela oferta de propina do fornecedor. Muito mais do que a informação, me questiono sempre qual deve ser o papel da gestão da comunicação em casos como este que envolve diretamente a imagem da empresa junto aos públicos. Afinal, Relações Públicas deve atuar também no gerenciamento de riscos para a imagem e reputação corporativa. Vale a pena ler e refletir sobre o que RP tem a ver com as fraudes corporativas. Aguardo os comentários.




Fraude atinge quase 70% das empresas

A contabilidade registrava a compra de 5 mil copos plásticos a cada 15 dias, mas apenas três quilos de café. Ou os funcionários tinham uma estranha predileção por uma versão espantosamente fraca da bebida ou a empresa era vítima de uma fraude. Um olhar um pouco mais atento sobre os números do escritório, montado para administrar um projeto de grande porte, identificou outros indícios de que no local havia brotado uma verdadeira quadrilha dedicada a desviar recursos da companhia. O caso aconteceu há um ano e meio e foi descoberto apenas quando o projeto foi encerrado e sua contabilidade avaliada.

O surgimento de quadrilhas de funcionários dentro de uma empresa é um caso extremo e raro, mas a chamada fraude corporativa é cada vez mais comum. Uma pesquisa realizada pela KPMG, à qual o Valor teve acesso com exclusividade, mostra que nada menos do que 68% das empresas consultadas já foram vítimas de fraude. A auditoria enviou questionários a mais de mil empresas de grande porte de segmentos diversos e constatou o que mais se temia: o perigo não mora ao lado, mas dentro da própria casa. O fraudador mais frequente é o próprio funcionário, que aparece como o responsável pelos desvios em 61% dos casos de fraude, conforme o levantamento da KPMG. "Na maioria das vezes a fraude é cometida por ele, seja por iniciativa própria ou impulsionado pela oferta de propina do fornecedor", diz José Carlos Simões, sócio-líder da KPMG Forensic no Brasil, que atua na área de gerenciamento de riscos e investigação de fraudes.

Responsável pela área de direito penal empresarial do escritório Rechulski e Ferraro Advogados, o advogado David Rechulski, especialista em prevenção e combate a fraudes, coleciona casos cujos responsáveis pelos desvios foram funcionários das empresas. No caso do escritório que gerenciava o projeto, o gasto excessivo - como a compra quinzenal de 400 cartuchos de tinta para abastecer apenas oito impressoras - e o enorme volume de documentos chamou a atenção da contabilidade. Segundo Rechulski, a quadrilha, à qual pertenciam nada menos do que todos os funcionários do escritório, saqueou cerca de R$ 1 milhão dos cofres da empresa e hoje é alvo de um inquérito policial que investiga superfaturamento de mercadorias, produção de documentos falsos e compras fictícias.

Se o prejuízo é grande quando a quadrilha envolve o staff da empresa, imagine quando ela é liderada pelo vice-presidente da companhia. Durante seis anos, uma empresa do setor financeiro com sede em São Paulo foi vítima de um esquema responsável pelo desfalque de R$ 2,5 milhões ao ano por meio do desvio ostensivo de clientes e negócios para outras companhias - pertencentes a seus familiares e parceiros - com o auxílio de subordinados. Completa o rol de fraudes cometidas a falsificação de notas fiscais de almoços de negócios que garantiam a ele astronômicos reembolsos de R$ 5 mil mensais, entre outros delitos.

Casos como esse são minoria. De acordo com a pesquisa da KPMG, apenas 4% das fraudes internas nas empresas são cometidas por seus executivos. Mas, na comparação com os levantamentos anteriores feito pela KPMG, esse número cresceu. Em 2000, apenas 1% das fraudes nas empresas eram praticadas por seus presidentes e diretores, mesmo percentual obtido em 2004. O principal fraudador continua sendo o funcionário do staff da companhia, cujo perfil médio é o de um homem entre 26 e 40 anos que trabalha há mais de dois anos na companhia e ganha entre R$ 1.000 e R$ 3.000 mensais. Assim como seu salário mensal, a renda obtida por meios ilegais também é menor - 77% das fraudes envolvem valores inferiores a R$ 1 milhão.

Nesses casos, a ocasião faz o ladrão. Em geral, funcionários aproveitam as circunstâncias para praticar as fraudes - como o gerente de uma indústria de alimentos perecíveis de São Paulo que viu, no "desperdício" da prática de recolhimento e incineração de mercadorias não vendidas pelos supermercados e devolvidas ao produtor, uma oportunidade de ganhar dinheiro. Ao invés de incinerar os produtos quase vencidos, ele vendia a mercadoria com descontos a varejistas menores, embolsando os valores. Se mercadoria dispensada desperta cobiça, quem dirá dinheiro vivo. Não é à toa que a falsificação de cheques e o roubo direto de ativos são os tipos de fraude mais comuns nas empresas, segundo a pesquisa da KPMG.

Ainda que fraudes de oportunidade e de menor porte sejam as mais comuns, é bom não subestimar os fraudadores de ocasião. O advogado David Rechulski conta o caso de uma empresa que, há dois anos, optou por fechar as portas de uma de suas subsidiárias e demitir seus 400 funcionários após descobrir um golpe aplicado por sua contadora. Ela falsificava sistematicamente guias de recolhimento de tributos e, ao invés de fazer os pagamentos, sacava os cheques destinados a eles, embolsando o dinheiro. A prática não foi percebida até a chegada, na empresa, de uma notificação da Receita Federal dando conta de uma dívida de R$ 6,5 milhões em IPI, PIS e Cofins, incluindo as multas aplicadas pelo fisco pelo não-recolhimento dos tributos.

A boa notícia é que para todo fraudador há um delator. Especialistas em fraudes empresariais afirmam que a maior parte delas é descoberta por denúncias de colegas, de terceiros e anônimas - dado confirmado pela pesquisa da KPMG. Estima-se que cerca de 70% das denúncias são falsas, mas que metade das fraudes são descobertas por meio de denúncias anônimas, feitas por vingança ou por pura inveja.

Vingança foi justamente o motivo que levou o contador de uma empresa a ameaçar "contar os podres" da direção após ser demitido. Diante da suspeita levantada pelo ex-funcionário, a presidência da companhia, que atua no setor de serviços em São Paulo, contratou uma empresa de investigação para apurar a denúncia. E descobriu que, durante dois anos, entre 2006 e 2008, foi "enrolada" por seu advogado. A companhia aguardava o desfecho de alguns processos judiciais para levantar valores de indenização a que tinha direito e, a cada consulta feita ao seu diretor jurídico, recebia com resposta que "o processo estava indo bem, mas ainda deve demorar um pouco mais". Ninguém jamais havia duvidado da informação, já que a lentidão da Justiça é velha conhecida dos brasileiros. Com a procuração da empresa em mãos, o diretor jurídico levantava os valores ganhos na Justiça e os depositava em sua própria conta.

Embora as fraudes sejam corriqueiras, a recuperação dos valores desviados das empresas ainda é rara. Em 68% dos casos, nem um centavo volta aos cofres da empresa. Nesse quesito, uma fraude de porte gigantesco ocorrida há alguns anos no Brasil tornou-se mundialmente célebre pelo esforço aplicado na recuperação do dinheiro desviado e pelo resultado obtido. Trata-se do caso do banco Noroeste, vítima de uma fraude que, durante dois anos, sangrou a instituição financeira em US$ 242 milhões a partir da agência localizada nas Ilhas Cayman. O crime, imputado ao ex-diretor do banco, Nelson Sakagushi, foi descoberto em 1998, quando o Noroeste foi vendido ao Santander. Diante do rombo, as famílias Cochrane e Simonsen, controladoras da instituição, acabaram recebendo apenas a metade do valor combinado para cobrir o prejuízo - mas, em 2000, resolveram apostar na recuperação dos recursos. Responsável por rastrear o dinheiro desviado e espalhado mundo afora, o advogado Domingos Refinetti, do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados conseguiu localizar US$ 120 milhões do total desviado - nos Estados Unidos, Suíça, Inglaterra e Nigéria - em uma operação que envolveu mais de 30 advogados e investigações em dezenas de países.

O caso do Noroeste é a exceção. Em geral, não se consegue nem o dinheiro de volta e nem a punição dos fraudadores. E isso porque a decisão de processá-los ainda é uma atitude rara. De acordo com a pesquisa da KPMG, em 55% dos casos as empresas demitem os envolvidos e em 31% deles há denúncias criminais feitas a partir de boletins de ocorrência registrados na polícia. Mas em apenas 9% das fraudes há pedidos de indenização feitos em ações na Justiça. De acordo com José Carlos Simões, clientes estrangeiros da KPMG tendem a "ir às vias de fato" com denúncias criminais, pedidos de indenização e comunicação à seguradora. Já as empresas nacionais preferem fazer acordos a demitir por justa causa. "Mas isso vem mudando", afirma.

O advogado David Rechulski concorda: "Já começamos a ver inquéritos e ações penais por fraudes corporativas, mas ainda não é uma situação comum." O motivo para o baixo índice de denúncias criminais por fraudes corporativas é simples: maior do que o prejuízo imposto pelo fraudador é o desgaste na imagem da empresa que a exposição pode provocar. "As empresas não querem se expor, então apenas demitem o funcionário, e nem mesmo por justa causa", diz o advogado Antenor Madruga, sócio do escritório Barbosa, Müssnich e Aragão Advogados que comanda a área de recuperação de ativos da banca. O vice-presidente que desviava a clientela da companhia paulista que dirigia sequer sabe, até hoje, que foi descoberto: foi apenas dispensado pela companhia com um pretexto qualquer. Suspeita-se que ele havia feito o mesmo contra seu empregador anterior - que também não tomou qualquer atitude a não ser dispensá-lo - e que pode estar repetindo a conduta criminosa em seu atual emprego.


Fonte: Por Cristine Prestes, in Jornal Valor


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