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Um novo modelo para reter talentos da geração Y

Apesar de terem cortado custos na recessão, as grandes empresas não pararam de investir em inovação e, principalmente, nas pessoas. Agora, com o início da retomada, o momento é de resgatar a confiança da alta direção e engajar os colaboradores, levando em conta a nova realidade do mercado e criando um novo modelo de gestão de talentos. Essa é a conclusão de um estudo realizado pela consultoria Booz & Company e que será apresentado aos clientes brasileiros por DeAnne Aguirre, sócia sênior da empresa. Em recente passagem pelo país, ela conversou com o Valor sobre as mudanças que a as organizações precisam fazer para continuarem competitivas, o novo papel do RH e a importância de se entender as expectativas da chamada geração Y - nascidos nas décadas de 1980 e 1990. "Em 2025, no Brasil, 73% da força de trabalho será formada por esses profissionais. Se as empresas não mudarem para atrair esses talentos, não irão sobreviver", afirma. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:




Valor: Como as empresas devem responder às mudanças na economia e no mercado?
DeAnne Aguirre: As empresas de todo o mundo deveriam cortar custos e se fortalecer. O desafio é como fazer as duas coisas simultaneamente. O mais importante é que elas identifiquem e reforcem suas capacidades-chave. Assim, poderão se diferenciar e ganhar mercado mesmo na recessão.

Valor: Como isso é possível?
DeAnne: Fizemos uma pesquisa global com centenas de empresas e descobrimos que as mais fortes, que se dedicaram a resolver essa equação, aumentaram os investimentos e focaram mercados emergentes, incluindo o Brasil. Elas investiram durante a crise em inovação, produtos e serviços, por exemplo. Além disso, 42% aumentaram seus investimentos em pessoas e em aquisições de empresas em condições mais frágeis. Para que isso seja possível, é preciso cortar custos. Uma opção é perceber o que dentro da sua empresa não colabora para a sua estratégia e oferecer apenas um bom nível de serviços nessas áreas sem precisar dar o máximo de si, porque no fim elas não importam para os clientes. Medidas como essa funcionam e isso fica claro nos anúncios de fechamento de trimestre. Mesmo na crise, as grandes empresas estão ganhando mercado e obtendo lucro.

Valor: Os líderes estão preparados e abertos a transformações tão profundas? Quais são as principais dificuldades ao se fazer mudanças em empresas?
DeAnne: Antes de mais nada é preciso ser honesto consigo mesmo e compreender sua posição perante à concorrência. Por isso, o principal conselho que damos aos nossos clientes é encarar os fatos. Se você estiver numa posição frágil, talvez o melhor a fazer seja descobrir como alavancar a maior parte dos seus ativos, mesmo que isso signifique passar a pertencer a outra empresa. Se você, por outro lado, estiver numa posição fortalecida, pode adotar o caminho que discutimos anteriormente. O segundo maior desafio, e este tem muito a ver com a natureza humana, é que quando há um declínio como o que vivenciamos, você começa a perder a confiança nas suas próprias estratégias. Há um sentimento de que o que estava sendo feito não funcionou e é preciso restaurar o orgulho dos membros da alta direção. E o terceiro ponto, e provavelmente o mais importante, é engajar os seus funcionários para que criem soluções e participem das decisões sobre a estratégia. Os funcionários têm muito a contribuir e querem fazer isso. Eles leem jornais e sabem que se você não fizer algo a empresa pode desaparecer. É muito importante que os gestores pense em um modo de envolver cada funcionário da empresa para que ele se torne parte da solução e realmente acredite nela.

Valor: Os diretores de RH têm a autonomia e o apoio necessários para lidar com essa nova realidade?
DeAnne: Às vezes você tem um CEO "iluminado" e um diretor de RH bastante estratégico. Junto ao resto da direção, eles conseguem ótimos resultados. Mas em outras empresas, ou o CEO não acredita realmente no valor dos talentos, ou o diretor de RH é muito operacional e se preocupa apenas com a folha de pagamento e com o programa de benefícios. Claro que isso é importante, mas é o básico. Recomendamos que as empresas coloquem tudo o que é muito operacional em algum tipo de centro de serviços próprio ou terceirizado. Um diretor de RH estratégico deve ser visto como um parceiro de negócios e que tenha o mesmo peso do CEO e dos principais executivos da companhia.

Valor: Qual a função desse RH estratégico?
DeAnne: Essa pessoa precisa ter um conjunto de habilidades e competências que o ajudem a entender o que mudou no cenário de talentos, no perfil das pessoas, nas expectativas das diferentes gerações no quadro de funcionários, e a natureza global e multicultural da força de trabalho. Além disso, essa pessoa precisa saber onde encontrar talentos ao redor do mundo, especialmente se estiver em uma multinacional.

Valor: Desenvolver e reter talentos é uma tarefa que está ficando cada vez mais difícil?
DeAnne: O problema é o modelo de gestão de talentos que está sendo usado. Em todo o mundo as empresas usam modelos que foram estabelecidos 20 ou 30 anos atrás, com base no cenário de então. Tínhamos homens brancos, da Europa Ocidental ou da América do Norte, decidindo como o modelo deveria ser. Eles criaram algo que era bom para a época, um modelo de gestão de talentos bastante hierárquico que se resume a uma escada corporativa. Tipicamente, inclui emprego em tempo integral, estar presente no escritório e trabalhar muitas horas por dia para que o seu chefe o visse. Riscos e fracassos não eram valorizados. Também era uma geração que separava a vida no trabalho da vida pessoal, que por sua vez era separada do seu trabalho junto à comunidade, à igreja etc. Além disso, o dinheiro era o grande fator de motivação. Não é nada disso que move a geração Y (formada por nascidos nas décadas de 1980 e 1990).

Valor: Quais as mudanças precisam ser feitas para atrair e reter os talentos da geração Y?
DeAnne: O primeiro motivador, e o mais importante, é ter colegas com quem gostam de trabalhar. Igual ou mais importante que o salário é a possibilidade de se ter muitas experiências diferentes. Para eles, progredir não é subir uma escada, mas aprender a fazer coisas novas. Ter uma jornada flexível gera mais motivação que o dinheiro para esta geração, uma vez que não se distingue mais vida no trabalho, pessoal e na comunidade. Eles vivem uma mistura de tudo isso em tempo integral. Não se preocupam com horários, com bater o ponto na entrada e na saída, pois trabalham o tempo todo. Outro ponto importante para esta geração é que eles conseguem ter um impacto positivo na comunidade ou na sociedade por meio do trabalho. Você precisa associar sua marca com fazer o bem, com algo positivo, ou não será a primeira escolha dos talentos da geração Y. Isso é extremamente motivador para eles.

Valor: Enxergar a própria carreira de forma global também é uma característica dessa geração?
DeAnne: Um em cada três dos amigos mais próximos de alguém da geração Y tem uma origem étnica diferente da sua. Na nossa pesquisa, descobrimos que 78% deles se sentem totalmente confortáveis trabalhando com pessoas de qualquer lugar do mundo. Só 27% dos baby boomers (nascidos após a Segunda Guerra) podem dizer o mesmo. É uma diferença gritante. Existe o mito de que as pessoas da geração Y ficam pulando de um emprego para outro e não sabem o que querem. Isso simplesmente não é verdade. O fato é que 45% deles desejam ficar na mesma empresa por toda a carreira. A questão é que só farão isso se tiverem novas experiências, e não o mesmo trabalho pelos próximos 30 anos.

Valor: Como seria um bom modelo de gestão de talentos para essa geração?
DeAnne: Ele precisa ser completamente inovador. De volta à estratégia, assegure-se de que estes talentos tenham tempo para aprender as capacidades-chave para que possam se tornar os próximos CEOs. Certifique-se de que você tenha uma força de trabalho diversa. Faça com que sua empresa reflita seus consumidores e clientes. Assegure-se de que eles tenham a oportunidade de fazer o bem. Na realidade, 74% da geração Y gostaria muito de se conectar aos baby boomers numa relação mentor-aprendiz, que poderia ocorrer em ambas as direções. A geração Y poderia ensinar a lidar com tecnologia, e os baby boomers poderiam transmitir alguma habilidade ou experiência que adquiriram ao longo de seus muitos anos de carreira. Você pode fazê-los trabalhar juntos. Essas são ideias que têm grande impacto no seu modelo de gestão de talentos.

Valor: Cuidar dos talentos é a estratégia mais importante para a sobrevivência e para dar vantagem competitiva a uma empresa?
DeAnne: Na minha opinião, o talento é a maior competência ou ativo de uma empresa. Tudo gira em torno das pessoas. Quando falamos com CEOs, quando perguntamos o que faz com que eles percam o sono, a maioria deles diz que são as pessoas. Então os CEOs reconhecem a importância, se preocupam com as pessoas, mas não sabem o que fazer com elas. Todo mundo já sabe que o perfil das pessoas mudou, que existe a geração Y. Sintetizar tudo isso em alguns pontos importantes e então determinar o que aquilo significa para a sua empresa, para as áreas onde você atua e para o que você faz, no entanto, é bastante difícil. É um grande desafio para os nossos CEOs e suas equipes.

Valor: Como o Brasil está na questão dos talentos? Existe alguma particularidade ou dificuldade em desenvolver e reter talentos aqui?
DeAnne: O Brasil está em uma boa posição com relação ao mundo no que diz respeito a crescimento. O que o país precisa é assegurar-se de que seus programas de educação e formação técnica sejam robustos. Porque apenas ter as pessoas não é suficiente, elas precisam ser preparadas e treinadas. Uma multinacional brasileira vai precisar de grandes talentos capazes de comandar operações no Reino Unido, nos Estados Unidos ou na China, por exemplo. Eu também diria que algumas das leis locais sobre pagamentos, expatriados e impostos são muito complicadas. Torná-las um pouco mais simples poderia ajudar muito.

Valor: Com todas essas mudanças, qual a principal mensagem que os líderes precisam assimilar?
DeAnne: O mais importante é encarar os fatos. E eles indicam que em 2025, 73% da força de trabalho do Brasil será formada pela geração Y. O mesmo acontece em todo o mundo: nos Estados Unidos será 69%, no Japão 61%, na China 65% e na Índia 75%. Se as empresas não começarem a entendê-los e a fazer mudanças hoje com base no que esses profissionais valorizam e acreditam, não estarão numa boa posição para atrair os melhores talentos. E sem os melhores talentos, nenhuma empresa sobrevive.


Fonte: Por Rafael Sigollo, in Jornal Valor

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