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Imagens em risco

Na década de 60, a Plymouth era uma das principais marcas de automóveis do mundo. A Plymouth não existe mais. Da década de 30 à de 70, o nome Pan American simbolizava o que havia de melhor no mundo das companhias aéreas - eficiência, glamour, sofisticação. Não existem mais muitas dessas qualidades nas companhias aéreas. E com certeza não existe mais a Pan Am. Destinos semelhantes foram reservados a uma série de marcas outrora importantes, do Lucky Strike ao Pepsodent, passando pelo Brylcreem. As marcas surgem como uma tentativa de escapar do risco. Os consumidores gostam das marcas, pois oferecem uma garantia de qualidade. Como observou certa vez o The Economist: "Um comprador de livros talvez não fornecesse a uma empresa de Seattle o número do seu cartão de crédito se a experiência não tivesse lhe ensinado a confiar na marca Amazon, e um americano talvez não aceitasse uma garrafa de água mineral francesa se não fosse pelo nome Evian". E as empresas gostam das marcas, pois não só criam para si uma vantagem de preço, de volume de vendas e uma propaganda boca a boca positiva como também oferecem um escudo parcial à concorrência - ou, pelo menos, assim aparentam. No ápice, as marcas parecem sempre inabaláveis. Nos seus anos de glória, a idéia de que nomes importantes como Plymouth, Pan Am e Schlitz simplesmente desapareceriam seria recebida com uma gargalhada.

O varejo desafiou as líderes com marcas de baixo preço
Aqui é que mora o risco. A própria força de uma grande marca contamina o pensamento dos donos, levando a julgamentos equivocados, muitas vezes fatais. As empresas confiam demais nas marcas. Considerando-as invulneráveis, investem menos nelas, tratando o valor da marca como uma conta bancária inesgotável que precisa de poucos depósitos, independentemente dos valores das retiradas, ou dissipando o dinheiro em investimentos que, na verdade, pouco fazem para corroborar a marca. Ignoram ou interpretam erroneamente a inter-relação vital entre marca, produto e concepção do negócio, que determina o valor em longo prazo de uma marca. Como resultado, o risco da marca sobe - geralmente de forma que até mesmo os empresários dedicados e inteligentes não conseguem perceber. Esse risco pode atacar de duas formas básicas: colapso da marca (deveras drástico e claro) e erosão da marca (mais lenta, mais sutil, mas igualmente dispendiosa). O colapso da marca chega da noite para o dia, como quando um problema amplamente divulgado de adulteração do produto, queda de qualidade ou escândalo corporativo destrói sua imagem. Quando bem gerenciado, o colapso pode levar à sobrevivência e ao fortalecimento (após a crise da cápsula de cianeto, o Tylenol ressurgiu mais forte do que nunca). Quando mal gerenciado, o colapso pode levar ao esquecimento (como no caso da Arthur Andersen). Em outros casos, o valor da marca sofre uma erosão lenta, mas devastadora em longo prazo. E, atualmente, tais erosões são mais comuns e mais caras do que antes. Veja a Sony. Quando se viajava pelo mundo nas décadas de 80 e 90, via-se por toda parte a logomarca da Sony. Inspirava uma série de sentimentos. A marca representava as pessoas que tinham inventado a TV Trinitron, o walkman, o PlayStation e muitas outras maravilhas da eletrônica. O nome significava inovação, qualidade perfeita e liderança. Era a número 1 na mente dos compradores de eletrônicos - um nome pelo qual se pagava 40% ou mais no preço. E aí algo aconteceu. A vantagem de valor que os produtos da Sony tinham conquistado com os anos começou a se dissipar. A esfera de concorrência da Sony começou a mudar. Ela costumava concorrer com Panasonic, Philips, Samsung, Toshiba e outros fabricantes de eletrônicos. Depois, novos nomes ingressaram no campo de batalha, inclusive a Microsoft, a Apple e a Hewlett-Packard. Varejistas começaram a desenvolver força de marca que rivalizava com a da Sony e a de outros fabricantes. O mesmo fizeram distribuidores online, como a Amazon. Os clientes começaram a pensar: "Será que preciso pagar mais por um aparelho de DVD da Sony?"

Os varejistas, ao atrair a lealdade dos clientes para eles próprios, buscaram novos fabricantes ansiosos por desmistificar a mágica da marca dos líderes, vendendo de forma competente bens manufaturados por preços bastante baixos. A Apex é um desses casos. Esse fabricante chinês de aparelhos de DVD não precisou gastar centenas de milhões de dólares em propaganda. Precisou apenas fazer um acordo com dois grandes varejistas que estavam ansiosos para vender bens a preços baixos.

A Apex começou a vender aparelhos de DVD em 1999, quando a participação no mercado de aparelhos de DVD da Sony era de 20%. Quatro anos depois, a Apex detinha uma fatia maior (15%) do que a Sony (13%). E a vantagem de preço da Sony tinha caído de 44% em 2000 para 16% em 2002. A força multidimensional que estava remodelando a concorrência na esfera dos eletrônicos fez uma pressão ininterrupta na marca Sony, como uma série de pratos de aço empurrando de oito direções diferentes. O risco da marca foi intensificado e a erosão do valor da marca refletiu a erosão que acontecia na mente do consumidor. A Sony ainda era uma boa marca, mas não parecia mais tão especial. A lealdade do cliente da Sony, outrora um dos vínculos mais fortes de todo o comércio, tinha começado a enfraquecer.

A Ford chega às manchetes
Por vezes, como ilustra o caso da Sony, o desgaste chega calado. Outras vezes, como no caso da Ford, começa com uma ruptura drástica e pública. Em 2000, a Ford tinha um valor de marca calculado de US$ 36 bilhões. Então veio a crise Firestone/Explorer. Em fevereiro de 2000, a rede de televisão Khou, de Houston, fez reportagem sobre uma série de processos legais pouco conhecidos relacionados à segurança dos carros. Os processos sugeriam que os pneus Firestone que explodiam nos utilitários Ford Explorer tinham causado cerca de 30 mortes devido a capotagens. De início, tanto a Ford quanto a Firestone (bem como a Bridgestone, a companhia-mãe da Firestone) negaram a responsabilidade, uma jogando a culpa do problema na outra. Jornalistas de todos os Estados Unidos começaram a investigar, e as mortes notificadas envolvendo as capotagens em carros Explorer com pneus Firestone aumentaram, chegando a um total de 271. Por fim, em agosto, um mês antes do início das audiências do Senado sobre a segurança dos pneus, a Firestone reconheceu o problema e deu um passo extraordinário: fez o recall de 6,5 milhões de pneus, o maior recall de segurança de carros da história. Para piorar as coisas, documentos da Firestone e da Ford davam a entender que as duas empresas sabiam dos acidentes fatais causados pela combinação de separação da banda de rodagem do pneu e utilitários pesados, mas nada fizeram para alertar os motoristas (uma acusação que a Ford sempre negou). As imagens das marcas, tanto da Ford quanto da Firestone, sofreram sobremaneira.

Uma enorme pressão sobre a marca da Ford surgiu de várias direções, não apenas da tragédia da capotagem, mas também do declínio do Taurus (cujo sucesso tinha impulsionado enormemente a marca e a companhia nas décadas de 1980 e 1990), e da cada vez menos popular linha de carros, que teve de recorrer a descontos cada vez maiores para vender. A Ford havia sido a marca mais valiosa no mundo automotivo. Agora, passava por um colapso mundial. Será que a Ford conseguirá se safar do prejuízo ou a queda continuará?

Ninguém está prevendo a morte iminente da Sony ou da Ford. Essas companhias são muito grandes e poderosas para sucumbir à série de percalços que sofreram nos últimos três anos. Mas as atuais batalhas das empresas para reconstruir suas imagens de marca poderiam não ter sido necessárias. Nos últimos anos, houve um aumento surpreendente do número de marcas cujo valor decresceu drasticamente. Segundo um estudo recente, dos clientes que se descreveram como "altamente leais" a uma determinada marca, quase metade afirmou que não era mais leal à mesma marca um ano depois. De 2000 a 2005, dentre as 100 maiores marcas na lista da Interbrand, constavam 57 que apareciam no placar das campeãs em todos os seis anos. Dessas 57, cerca de 40% sofreram significativa perda de valor de marca. O risco da marca é real e está cada vez mais difuso.

Os atuais níveis crescentes de risco da marca não podem ser creditados a gerentes de marca incompetentes. O fato é que esse gerenciamento tornou-se hoje em dia mais sutil e complexo do que na áurea década de 80 e no início da década de 90. O branding, antigamente considerado relevante principalmente no caso de produtos empacotados, adquiriu importância vital em praticamente todos os segmentos empresariais, conforme indicado pela explosão de gastos com propaganda para criar marcas em segmentos como telecomunicações, indústria farmacêutica, varejo e serviços financeiros. Há muitos modelos possíveis de investimento de marca com base em combinações complexas e altamente variáveis de setor, marca e condições do mercado - todas contribuindo para tornar o gerenciamento do risco da marca uma disciplina mais capciosa do que há uma década.

O escritor James Surowiecki oferece um insight útil sobre o que está acontecendo no universo contemporâneo das marcas: se, antigamente, os clientes casavam-se com elas - as pessoas que dirigiam um carro Ford dirigiam um carro Ford a vida toda -, atualmente estão mais para monógamos seriais, que passam para o próximo da lista assim que aparece algo mais atraente. Os gurus falam de criar uma imagem para gerar uma aura sobre os produtos de uma companhia. Mas, atualmente, a única forma certa de manter a força da marca é continuar lançando produtos, que por sua vez projetam a aura. (O iPod conseguiu com que muito mais gente se interessasse pela Apple do que o inverso.)

O modelo de negócio, o produto e o ícone são inseparáveis
O xis da questão não é que as marcas estejam mortas ou tenham perdido o valor. Mas, isoladamente, as marcas têm menos poder de criar e manter clientes leais do que antigamente. Atualmente, investir na marca equivale a criar e oferecer serviços a ótimos produtos, e desenvolver uma maravilhosa concepção do negócio, coerente com um sinal de marca relevante e atraente. Os três elementos cruciais estão relacionados ao que chamamos de triângulo áureo do valor da marca. O modelo de negócio, o produto e o sinal da marca são três atores inseparáveis no drama do risco da marca. Produtos cansados aceleram a erosão da marca. A concepção do negócio equivocada (principalmente em áreas como serviço, distribuição, qualidade, inovação, design, informação e experiência do cliente) pode fazer o mesmo.

O oposto também é válido. As marcas em declínio podem ser rejuvenescidas por excelentes produtos e ainda, de forma mais eficiente, por excelentes concepções do negócio. Dentre os exemplos impressionantes, a marca da Apple, o produto iPod e a concepção do negócio da iTunes Store; a marca da Toyota, o produto Prius e a concepção do negócio da Toyota para a sua linha de carros híbridos; e a marca Lexus, o produto Lexus e a concepção do negócio do Lexus, de uma rede separada e altamente especializada de revendedores.

O processo tem início com o conhecimento da razão da erosão da marca. Isso geralmente requer uma criteriosa decifração dos pontos fortes e fracos da marca, em comparação às características mais importantes para os seus clientes. Para realizar essa análise de risco de marca, é preciso primeiro determinar os verdadeiros elementos de valor da marca. Pense em qualquer marca que possua. Quais são as de cinco a sete dimensões de valor mais importantes para os seus clientes? Em seguida, tente classificar esses elementos em ordem de importância para os seus clientes. Quantifique a importância relativa. Por último, descubra como a marca se sai com os clientes mais importantes, em comparação ao concorrente mais forte. O resultado pode ser uma visão bastante reveladora sobre um possível risco de marca futuro.

Vencer esse risco exige muito mais do que os gastos tradicionais em marketing ou propaganda. Todos os três pontos do triângulo afetam-se mutuamente. A força de seu produto pode fomentar ou enfraquecer a sua marca. A força de sua marca pode corroborar ou enfraquecer a concepção do negócio e a força da concepção do negócio pode fortalecer ou erodir a marca e o produto. Da mesma forma, "investir na marca" significa muito mais do que gastar em anúncios ou programas de marketing. O "investimento na marca" deve ser redefinido e compreender todos os investimentos relevantes às experiências dos clientes e às suas percepções da sua marca. Uma companhia que investe de forma inteligente para criar um excelente produto e uma excelente concepção do negócio talvez seja capaz de desenvolver um excelente nome de marca através de experiências de clientes com a marca, mesmo sem um gasto significativo com marketing e propaganda. Como exemplos, considere marcas altamente respeitadas e valorizadas, como Starbucks, Amazon, Google e eBay. O denominador comum em dezenas de marcas em processo de erosão é o mau investimento crônico - não ajustar o mix de investimento de forma apropriada para a proteção e o crescimento em longo prazo do valor da marca. Algumas gerências subestimam a quantia de investimento na marca necessária para protegê-la (e fortalecê-la). Em vez disso, usam as marcas, fortalecidas graças a grandes investimentos durante várias décadas, como "cofrinhos" convenientes dos quais podem sacar valor, melhorando os números em curto prazo. A falta de efeitos perniciosos visíveis em curto prazo estimula ainda mais o comportamento de empréstimos/postergação. Após anos de erosão, o custo para recriar a marca torna-se enorme. Por fim, a falta de investimento leva a um ponto do qual não há mais volta, do qual o custo para revitalizar ou reposicionar a marca excede a receita esperada. Essa negligência pode acabar com a marca - e até mesmo com a companhia, já que para muitas empresas o valor da marca pode representar de 30% a 50% de seu valor de mercado. A falta de investimento é uma das armadilhas de investimento mais comuns, que geram níveis desnecessários de risco da marca. Mas não é a única. O mix errado, a seqüência errada de investimentos, a não adaptação da estratégia de investimentos com o tempo e muitas outras falhas de investimento na marca podem ser tão danosas quanto a falta de investimento. Tudo isso pode levar a marca ao ponto em que não há mais volta, em que custa menos criar uma nova marca do que reabilitar a antiga.


Fonte: Por Adrian Slywotzky e Karl Weber, in epocanegocios.globo.com

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