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A dificuldade de utilizar um marketing global

O termo globalização, com o significado que as pessoas conhecem hoje, foi cunhado em 1983 por Theodore Levitt, professor da Harvard Business School, morto no ano passado. Num artigo intitulado Globalização dos Mercados, Levitt, reconhecido por seus profundos conhecimentos em marketing, traçou um cenário cor-de-rosa para as grandes corporações (especialmente, americanas e européias). Com um mundo mais integrado, essas empresas conquistariam novos mercados e se beneficiariam de excepcionais ganhos de escala. No atacado, sua teoria estava correta -- só não está sendo tão fácil quanto ele imaginava. Entre alguns outros percalços -- como protecionismo e concorrência de negócios locais --, uma questão tem desafiado a estratégia expansionista das grandes empresas: até que ponto é possível adotar o marketing globalizado, também baseado em escala. Escolher um nome de produto que faça sentido no mundo inteiro e produzir campanhas que sejam corretamente compreendidas tornou-se obsessão, nem sempre bem-sucedida, das grandes corporações.

Um episódio recente envolvendo a montadora alemã Volkswagen dá uma boa amostra da dimensão desse problema. Por causa de um mal-entendido semântico, a empresa teve de cancelar uma campanha publicitária no mercado americano. A propaganda, que anunciava o novo modelo do Golf, referia-se ao carro como Turbo-Cojones. Ao usar o termo cojones, de origem espanhola, a intenção era cativar a comunidade hispânica dos Estados Unidos, um dos mercados mais cobiçados pelas empresas atualmente. Entre o público americano, nenhum problema. Cojones é entendido como "valente". Mas em espanhol a palavra é empregada para designar uma parte da anatomia masculina, os testículos. Alertada, a Volkswagen interrompeu a campanha, mas o estrago já estava feito. A gafe virou tema de reportagens no mundo inteiro e revelou outra armadilha da globalização que Levitt ignorou em seu famoso artigo -- erro local, dano global.

A siutação enfrentada pela Volkswagen não é uma exceção, um caso isolado. Em maior ou menor grau, multinacionais de todo o mundo vêm encarando dificuldades para criar -- ou divulgar -- suas marcas (veja quadro). Para evitar os tais "danos globais", as multinacionais vêm formando enormes estruturas de controle. A Unilever, presente em 150 países, organizou um sistema dividido em três instâncias -- global, regional e local --, pelas quais todas as sugestões de peças publicitárias e nomes de produtos devem passar. Ao todo, centenas de pessoas participam desse processo, que, em alguns casos, pode durar até dois anos. "Não é um processo simples e rápido, mas é eficaz", diz Andrea Rolim, diretora de marketing da marca Seda, da Unilever, no Brasil. Na Avon, outra empresa com atuação global, todas as campanhas passam pelo crivo de profissionais de marketing e advogados nos 142 países onde a companhia atua. A triagem recebeu o sugestivo nome de disaster check (checagem antidesastre) e pode durar até três anos.

Mesmo com todos esses cuidados, os "desastres" ainda persistem. Recentemente, a Nike, uma das empresas mais globalizadas do planeta, foi surpreendida pela forte reação a uma de suas campanhas. A multinacional foi acusada até de blasfêmia pelo governo chinês por causa de uma propaganda aparentemente inofensiva. O comercial de TV, depois cancelado, mostrava o jogador de basquete americano LeBron James brigando com lutadores de kung fu e um par de dragões (e vencendo todos eles). Para os chineses, o filme soou como chacota de um estrangeiro frente a símbolos nacionais. "Num país ocidental, um famoso derrotando aquilo que é antigo seria popular entre os jovens. Mas a Nike não estava preparada para o peso das tradições na China", diz Elliot Polak, presidente da consultoria TextAppeal, em Londres.

Criar uma campanha global, em que o nome e a mensagem da empresa sejam bem compreendidos no mundo inteiro, traz van tagens óbvias para as grandes corporações. Os investimentos em criação e divulgação são menores e os processos menos complicados (equipes reduzidas, menos produtos para desenvolver etc.). Mas, como se vê, nem tudo é assim tão simples. "Além dos mal-entendidos, o consumidor tende a se identificar menos com um produto feito para o mundo inteiro", afirma Alejandro Pinedo, diretor-geral da Interbrand no Brasil. Apesar das enormes dificuldades, algumas empresas vêm conciliando com sucesso campanhas globais com especifi cidades de cada país. Um exemplo é o banco britânico HSBC. No ano passado, a instituição exibiu uma propaganda que mostrava como as agências e o pessoal do banco estavam preparados para receber clientes de qualquer nacionalidade, em qualquer país, como se eles estivessem em casa. A mensagem era clara: o banco estava ciente das diferenças e sabia como atendê-las. A campanha rendeu prêmios de publicidade e uma imagem mais simpática à marca. Pelo menos nesse caso, uma campanha global conseguiu agradar a todos.


O lado perverso da globalização
Alguns exemplos de campanhas que esbarraram em diferenças culturais

- Vick: Na Alemanha, o nome do produto Vick é escrito Wick. Segundo a Procter & Gamble, o objetivo foi padronizar a pronúncia. Especialistas ouvidos por EXAME dizem que a troca de uma letra evitou mais um problema: se fosse escrita com “v”, a palavra seria — foneticamente — sinônimo de relação sexual

- KFC: Quando chegou à China, a KFC levou também o slogan Finger lickin’ good (ou “Bom de lamber os dedos”, em tradução livre). O problema é que em ideogramas chineses a expressão significa “coma seus próprios dedos”

- Besta: Segundo a Kia Motors, que lançou o modelo no Brasil na década de 90, o nome foi escolhido porque conferia “atributos animais” ao carro.Apesar das piadas óbvias — dado o tom pejorativo do termo em português —, a Kia não se arrepende da escolha e alega que a Besta foi um de seus carros mais vendidos no país

- Bacardi: O sucesso do slogan The way it should B(“Do jeito que deve ser”,em tradução livre) na Inglaterra fez com que a companhia cogitasse estendêlo para todo o mundo.Os planos foram frustrados depois de se constatar que na Rússia a pronúncia da letra “b”é uma gíria para prostituta


Fonte: Por Melina Costa e Lucas Bessel, in portalexame.abril.com.br

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