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Marketing e Comunidades digitais: do discurso ao diálogo

No cenário atual da Web, como as empresas podem tirar proveitos de blogs, fotoblogs, sites de produção de conteúdo coletivo (como o Youtube), redes sociais digitais (Orkut, Myspace, etc) e ambientes virtuais (como o Second Life) para fortalecer suas marcas e desenvolver novos serviços e produtos?

A questão não interessa somente aos departamentos de marketing das grandes corporações e as empresas envolvidas na cadeia da comunicação mercadológica, como agências, institutos de pesquisa e produtoras. Nos próximos 5 anos, os primeiros consumidores nascidos com o advento comercial da Web no Brasil (1995) estarão entrando na adolescência. Além deles, a popularização do uso da rede, possível graças ao barateamento das tecnologias de acesso (desde computadores até telefones celulares e conexões de banda larga) vão mudar radicalmente a maneira como os jovens adultos se informam sobre novos produtos e serviços e se relacionam com as marcas –de fato, nos segmentos mais privilegiados da população, já mudaram (Freoa, 2006).

A comunicação mercadológica terá que incorporar um elemento ao qual está pouco acostumada até agora: a comunicação entre consumidores, tendo a marca como suporte, e não apenas a comunicação com os consumidores, tendo a marca como um veículo de interação entre a empresa e seus mercados.

A distinção é importante. Até agora, “comunidades virtuais” ou “redes sociais digitais” são uma maneira trendy e politicamente correta de se falar sobre comportamento do consumidor, segmentação e audiência, termos já conhecidos por todos nós. É preciso ir além: não se trata “apenas” de fazer os consumidores comprarem uma marca, mas se organizarem em torno dela. Isso implica em reconhecer as especificidades que a interação entre os consumidores, entre diversos grupos de consumidores e do conteúdo gerado por eles pode ter sobre as marcas .

O tema “comunidade de consumidores” costuma deixar a direção das empresas preocupadas, por dois motivos: primeiro, o de que não estão acostumadas a mobilizar pessoas de fora da organização para outra coisa exceto comprar seus produtos ou serviços; segundo, o fato de que “organização de consumidores” traz a mente termos jurídicos como “processos”, “denúncias”, “Procon” e outros quetais. Para a maior parte das empresas, consumidor bom é o consumidor sozinho .

O problema é bastante complexo e ainda não existem receitas “prontas” para resolve-lo. Adicionalmente, por envolver diversos componentes culturais, sociológicos e psicológicos, fatores locais, ainda não adequadamente mapeados, podem desempenhar papel preponderante em sua resolução. Em função de todas estas questões, nosso objetivo aqui é apenas apontar alguns dos temas fundamentais que devem ser levados em conta na incorporação das ações de “comunidades on-line” ou “redes sociais digitais” nas práticas de marketing das empresas, dentro do contexto brasileiro. Para tanto, vamos rapidamente procurar definir de forma adequada o que caracteriza estas comunidades, quantificar sua importância no contexto do uso da Internet brasileira, apontar as características comuns de algumas práticas bem-sucedidas no Brasil e no exterior e especular sobre possíveis ameaças e oportunidades para diversos aspectos da comunicação mercadol&o acute;gica tradicional.

Comunidades: o virtual e o real
Comunidades on-line são constituídas por grupos de pessoas com interesses comuns, que se comunicam principalmente (mas necessariamente não “exclusivamente”) através de redes de computadores. É importante frisar que estes grupos já existiam antes da explosão comercial da World Wide Web. Em 1993 Howard Rheingold publicou “The Virtual Community”, obra na qual descreve suas reflexões a partir de suas experiências na WELL, um sistema de BBS e email fundado em 1985. Rheingold sugeria que a comunicação baseada em computadores era capaz de criar uma nova forma de sociabilidade, que ele denominou de “comunidades virtuais”, com relações sociais, pessoais e políticas conduzidas por e para pessoas que participavam de redes de computadores (Rheingold, 1993).

Infelizmente, o termo “comunidade virtual” carrega consigo um juízo de valor que pode prejudicar nossa compreensão sobre o fenômeno, como se uma comunidade “virtual” fosse menos “importante” que uma comunidade “real” (Kozinets, 2002). Passada mais de uma década da reflexão original de Rheingold, parece claro que em muitos casos, principalmente entre as pessoas mais jovens, essas comunidades “virtuais” podem ter um peso tão grande na formação de suas opiniões sobre produtos, pessoas e acontecimentos quanto a interação face-a-face das comunidades “reais”. De fato, um estudo recentemente divulgado pelo Centro do Futuro Digital da Universidade da Califórnia mostra que 43% dos participantes destas comunidades reportaram que suas comunidades “virtuais” são tão importantes para eles quanto as comunidades do mundo “real”(Digital Future Project, 2007). No caso brasileiro, este tipo de comunidade responde por mais de 15% do tempo total que as os internautas residenciais passam on-line, como veremos mais adiante.

Mas afinal, o que caracteriza uma “comunidade”? Trata-se de uma palavra com “mil e uma utilidades”, e com significados diversos conforme o campo do conhecimento que a utiliza. Basicamente, o conceito emerge da noção de comprometimento com valores compartilhados, criada pelo sociólogo Émile Durkheim no início do século XX. O termo deriva do latim communis, designando o que é comum, público, dividido por todos ou muitos. O estudo das comunidades faz parte de uma longa tradição sociológica, psicológica e antropológica, campos dos quais iremos retirar alguns conceitos para entender sua constituição, dinâmica e possíveis conseqüências para as decisões de consumo.

Comunidades atendem necessidades sociais, psicológicas ou econômicas. As primeiras comunidades eram limitadas pela geografia, pela temporalidade e pelos meios que seus integrantes possuíam para interagir uns com os outros –basicamente, a voz e a presença física. O desenvolvimento da comunicação digital eliminou estas barreiras, mas não alterou alguns princípios fundamentais: a existência de interesses comuns, um código de conduta compartilhado (explícita ou implicitamente), um “senso de intimidade” baseado em confiança mútua, reciprocidade, estímulo para a participação e uma liderança (novamente explícita ou implícita) que se preocupa em assegurar a manutenção de um propósito, a observação de certos “rituais” (comemoração de datas especiais, por exemplo) e o estímulo para que as pessoas sigam interagi ndo.

Os interesses comuns que cimentam uma comunidade podem ser de dois tipos: práticos e/ou hedonistas. No primeiro grupo, encontram-se temas como informações sobre produtos, empresas, tecnologias, passatempos, economia, condições de trabalho, saúde, etc. Já as comunidades hedonistas são organizadas em torno da troca e do consumo de experiências positivas em torno de interesses pessoais como música, alimentação, viagens ou características demográficas (pessoas acima de 60 anos, etc), entre outros interesses. Nas duas situações, a comunidade acaba por se tornar ou fornecer um “grupo de referência”, capaz de influenciar escolhas e decisões de consumo (Bagozzi e Dholakia, 2002).

As primeiras “comunidades digitais” se baseavam principalmente na interação através de textos, e estavam restrita aos grupos de consumidores com maior familiaridade com a tecnologia. Mesmo assim já demonstravam grande capacidade de influenciar o comportamento de um indivíduo, como demonstrou Sherry Tuckle no clássico “Life on the Screen”, onde ela analisa as interações de participantes de jogos de RPG em rede no início dos anos 90 (Tukle, 1995).

A evolução da Web possibilitou a criação de novas formas de comunidades. Em um primeiro momento, a evolução do software permitiu que o trabalho de criação e edição de conteúdo escrito fosse tremendamente facilitado através dos blogs (alguém ai se lembra do que era escrever em HTML?). Posteriormente, vieram os fotologs, nos quais os consumidores podiam registrar e comentar imagens, e depois os sites aonde os consumidores postam, indicam e comentam vídeos de natureza variada. Muitos dos chamados sites de redes sociais –Orkut, MySpace, MSNspaces, entre outros— foram gradualmente incorporando esses avanços, permitindo que os internautas compartilhassem com sua rede de contatos diversas formas de conteúdo. Finalmente, há pouco mais de 2 anos, assistimos a popularização do que parece ser a última forma de comunidade digital: verdadeiros “universos paralelos”, versões digitais dos “Role Playng Games” (RPGs) dos anos 80. Neles, os indivíduos se reúnem para desenvolver novas narrativas de vida, seja no terreno do completo imaginário (como em o World of Warcraft, game on-line que contabiliza mais de 8 milhões de assinantes, gerando uma receita mensal de 70 milhões de dólares para sua desenvolvedora, a Blizzard Entertainment), seja no terreno do “semi-real”, como no Second Life, misto de jogo e comunidade aonde os participantes podem construir uma nova “personalidade” e interagir uns com os outros de forma bastante gráfica.

Entre os principais motivos pelos quais as “comunidades virtuais” podem interessar ao profissionais das diversas áreas do marketing, destacamos os seguintes:

a) o envolvimento crescente dos internautas com este tipo de atividade;
b) seu impacto sobre a percepção de modernidade da marca;
c) sua capacidade de gerar novas idéias para a comunicação mercadológica;
d) sua capacidade de reunir rapidamente os “advogados da marca”, bem como consumidores que tiveram experiências negativas com ela, grupos que são particularmente ativos na divulgação de suas opiniões;
e) seu uso como uma rede de “early warning”, indicando possíveis problemas antes mesmo que eles se articulem como queixas/percepções formais ou cheguem ao conhecimento dos gestores pelos canais de comunicação/monitoramento formal da organiza&c cedil;ão como relatórios de CRM, pesquisas, etc.

Os internautas geralmente pertencem ao grupo de maior poder de compra e/ou influência sobre a compra em diversos mercados e segmentos da economia (Coutinho, 2006). As comunidades digitais atingem tanto aqueles que nela interagem, como também os usuários que as utilizam apenas como fonte de informação e depois poderão, ao interagir com outros consumidores fora do ambiente on-line, “repassar” a informação que obtiveram na comunidade. Existem diversas evidências, tanto no Brasil como em outros países (Wellman, 2005; Digital Future Project, 2007) de que, apesar da sua “virtualidade”, estes espaços estão se tornando importantes fontes de relacionamento para uma parcela crescente da população, principalmente entre os mais jovens. Em muitos casos, estas comunidades nada tem de “virtuais”, pelo contrário: muitos relacionamentos iniciados nestes grupos acabam até mesmo se transformando em relações mais sérias e formais como, por exemplo, casamentos.

Comunidades On-line
Para uma análise quantitativa do fenômeno das comunidades on-line, vamos nos valer dos dados do IBOPE/NetRatings, joint-venture entre o grupo IBOPE e a Nielsen/NetRatings, empresa que registra o comportamento da audiência da Internet em 10 diferentes países, incluindo o Brasil. Segundo esta classificação, os chamados sites de comunidades englobam os blogs, fotoblogs, vídeoblogs, e sites de relacionamento como o Orkut e o MySpace.com (comprado por Rupert Murdoch em 2005 por 580 milhões de dólares).

A popularização deste tipo de site é crescente e faz sucesso não somente no Brasil mas também em outros países. Nos EUA, por exemplo, mais de 100 milhões de pessoas visitam mensalmente sites desta categoria, o equivalente a 63% do total de internautas daquele país. Na França são 17,1 milhões (70,1% do total de internautas) e na Espanha 7,1 milhões (56% do internautas domiciliares).

No caso brasileiro, os sites de comunidades respondiam, no final de 2006, por 14,8% do share total de uso da rede, superando categorias como email (4,4%), notícias (1,7%) e bancos (1,6%). O mais popular deles é o Orkut, conforme atestam os dados de audiência domiciliar do IBOPE/NetRatings. Em janeiro deste ano ele foi visitado por 9,3 milhões de indivíduos, um aumento de mais de 40 vezes os 212 mil registrados em maio de 2004, quando iniciou suas operações. O tempo de uso no domicílio também é recorde: em média 4hs 06min (janeiro de 2007), superando os mais tradicionais portais da Internet brasileira. Segundo dados da Google Inc., empresa responsável pelo site, os brasileiros respondem por 55% do total de usuários do site (cerca de 35 milhões de pessoas).

Além do Orkut, diversos sites com caráter comunitário explodiram na Internet, como o YouTube.com, que permite a divulgação de vídeos feitos (ou copiados) pelos usuários. Apesar das inúmeras questões relativas ao direito autoral e similares, não se pode negar que este tipo de site é um sucesso de audiência: segundo o IBOPE/NetRatings, são mais de 4,1 milhões de indivíduos visitando o YouTube mensalmente (considerando apenas o acesso de residências em janeiro de 2007). Eram 56 mil em dezembro de 2005.

Para definir todos estes sites, de natureza diversa em termos de conteúdo, capacidade técnica e navegação, utilizamos o ter mo “comunidades on-line”. Ele engloba uma vasta rede de interações via computadores (e em breve aparatos móveis digitais, como os telefones celulares), que pode compreender trocas de mensagens de textos “dinâmicas” (chats), estáticas (“murais” como os tópicos do Orkut, uma evolução das antigas BBS), arquivos de áudio e vídeo até exposição de redes sociais (Orkut, MySpace, etc) e ambientes virtuais (Second Life, World of Warcraft). Pertencem ao campo daquilo que a sociologia denomina “Cybercultura”. No próximo tópico vamos examinar alguns princípios que podem ajudar as empresas a utilizar suas marcas e produtos para congregar a vasta massa de internautas interessados neste tipo de interação.

As comunidades on-line e as marcas: alguns princípios
No ambiente digital, a maior parte das pessoas se junta a uma comunidade por escolha própria e com relativa facilidade. Da mesma maneira, também pode deixar esta comunidade facilmente e por escolha própria, ao contrário do que acontece no mundo real, onde pressões sociais freqüentemente dificultam uma escolha autônoma do indivíduo. Diante disso, quatro aspectos são particularmente importantes para o sucesso das marcas nas comunidades on-line:

a) necessidade de uma comunicação constante e relevante; car e estimular o surgimento de “líderes
b) possibilidade de múltiplas interações;
c) existência de mecanismos para identificar o surgimento de “líderes comunitários” e;
d) tempo.

Algo que dificilmente os integrantes de uma comunidade podem fazer na “vida real” é criar conteúdo relevante e facilmente acessível para os outros. Além do mais, como observa Werry (1999), o meio-ambiente digital permite o armazenamento, a busca e a divulgação deste conteúdo de forma rápida e barata (ao contrário da mídia tradicional), tornando as comunidades um repositório de opiniões, experiências e conhecimentos que resulta na criação de um capital intelectual (e de informações de marketing) que aumenta seu valor tanto para seus membros como para as empresas.

Neste caso, os responsáveis pela marca devem ter em mente que o foco de uma comunidade não é o produto, mas o grupo. A “comunidade” deve vir antes do negócio. Partir do pressuposto que basta oferecer um “espaço” para as pessoas interagirem com marca é o caminho mais certo para o fracasso. Comunidades devem se agrupar ao redor dos interesses dos seus integrantes. Um bom exemplo é o “Coke Ring”(www.cokering.com.br), um concurso sobre blogs baseado em uma estratégia “comunitária”. A idéia foi criar uma “comunidade de blogs”, organizados ao redor de temas que tipicamente interessam os internautas consumidores da marca, como música, quadrinhos, esportes (diversas modalidades), entretenimento e eventos sazonais.

O caso do Coke Ring ilustra bem a importância de focar a iniciativa na comunidade, e não no produto. A empresa escolheu temas hedonistas afins com o público, e deixou a cargo dos próprios internautas escolherem os melhores blogs. Os participantes tratavam de convocar mais colegas para votarem em seus blogs, visando atingir a liderança durante uma determinada fase da competição (25 ao todo, com cerca de 15 dias de duração cada), e a partir daí auxiliando o “editor do site” na publicação de conteúdo. Além de freqüentarem um “Hall da Fama”, os escolhidos podiam colocar um “selo” em seu blog, indicando sua boa avaliação pela comunidade. Para ingressar na comunidade, os internautas tinham que seguir um “código de conduta”, cujo os próprios membros se encarregavam de aplicar.

A Close-up, da Unilever, desenvolveu um modelo similar, apoiado em multimedia (www.closeup.com.br). Além de blogs, cujos autores são escolhidos pelo próprio público, os integrantes da comunidade interagem com um “sitcom” sobre um jovem casal, ajudando a construir o roteiro a medida que a trama se desenvolve.

Esses exemplos (apenas dois entre muitas iniciativas recentes das principais empresas do Brasil) ilustram algumas lições importantes para quem deseja desenvolver comunidades on-line. Além de focar no que é importante para o grupo (e não para a empresa), o “controle” da comunidade foi repartido entre um ou mais “editores” (encarregados de evitar abusos que poderiam afastar pessoas da comunidade e de marcar os “momentos rituais”) e seus integrantes. Isso aumenta a possibilidade do desenvolvimento da confiança que os membros depositam uns nos outros, característica fundamental de uma comunidade. A existência de um “código de conduta” que especifique comportamentos inadmissíveis, acessível até mesmo por aqueles que ainda nem participam da comunidade também ajuda a evitar desconfiança. Ele deve ser flexível ao ponto de deixar que os próprios integrantes da comunidade previnam casos extremos, que exigiriam uma intervenção “institucional” que sempre pode gerar polêmica e afastar alguns membros do grupo.

Atingir um equilíbrio entre “controle” e “liberdade” é talvez o principal desafio para comunidades de marcas estimuladas por empresas. Excesso de controle pode “matar” uma comunidade e atenta contra um dos princípios da criação de comunidades de marca: a geração de idéias inovadoras. O tema é delicado por envolver riscos para a imagem da marca, mas se a organização entender que estas manifestações também são parte da visão que o público em geral possui da empresa, pode trabalhar no sentido de reverter o problema. Um caso interessante, ocorrido nos EUA, foi o da General Motors, que criou um site no qual o público era convidado a criar comerciais para o “Chevy Tahoe”, através da inserção de textos livres em diversas vinhetas com imagens e trilhas. Dezenas de comerciais foram criados atacando o veículo e a própria General Motors. A empresa, inteligentemente, não buscou retira-los do site, mas sim entender melhor as motivações por trás dos mesmos.

O excesso de controle ou regulamentação de uma comunidade pode ter efeitos ainda piores, fazendo com que os membros insatisfeitos se integrem a outras comunidades francamente “adversárias” da marca (e essas também não faltam: somente as maiores operadoras de Telefonia Celular no Brasil possuem 141 comunidades do tipo “eu odeio” no Orkut, somando mais de 40 mil consumidores insatisfeitos). E como o recente caso da modelo Daniela Cicarelli X Youtube comprovou, a via judicial nem sempre é a mais eficiente para lidar com o problema.

Outro aspecto importante para assegurar a vitalidade de uma comunidade diz respeito as possibilidades de interação. Quanto mais oportunidades forem oferecidas, mais rapidamente consumidores dispersos se transformam em uma comunidade, e mais “orgânico” será seu crescimento. Essas oportuni dades não precisam apenas ocorrer no ambiente on-line. A interação digital pode reforçar a interação física e vice-versa. Campanhas políticas bem sucedidas nos EUA usaram as comunidades digitais para organizar comícios e encontros face-a-face com o candidato, e utilizaram encontros face-a-face para estimular a participação nas comunidades digitais. Recentemente, a Rede Brasil Sul (RBS) passou a financiar uma comunidade no Orkut (“Eu amo Floripa”), utilizando-a para distribuir convites para diversos eventos musicais na capital catarinense. Dessa maneira, os mais de 42 mil participantes tinham chance de também se encontrarem pessoalmente, reforçando o valor do site para seus integrantes.

Um fator crítico para o sucesso de uma comunidade é a “força” da sua liderança, isto é, a capacidade de alguns indivíduos em serem mais “ouvidos” do que os outros –na maior parte das comunidades digitais que interessam para as marcas, a liderança sempre será do tipo “carismático”, no sentido Weberiano do termo. Ao longo do tempo, estes indivíduos se tornam “nós” das redes sociais digitais, com poder implícito de decidir quem é aceito (pelo fato de responderem a eles ou comentarem suas respostas) e quem “não existe” (pelo fato de ser ignorado nas suas questões/comentários). Ao sugerir uma tipologia para a classificação dos indivíduos dentro das redes digitais, Kozinets (2002) destaca duas dimensões importantes para identificar líderes em potencial: experiência com a marca e fortes relações com o grupo (esta última indicada por um elevado número de conexões e um elevado número de contribuições, geralmente postagens em respostas as perguntas de outros integrantes). Identificar e monitorar estes líderes é a primeira tarefa para gerar seu envolvimento com qualquer iniciativa duradoura de comunidades on-line.

Por fim, ao interagir ou planejar interagir com uma comunidade on-line, é preciso levar em conta o fator temporal. O “espaço comunitário” não apresenta as mesmas características do mundo dos negócios, aonde “tempo é dinheiro” e a objetividade é valorizada. A construção da confiança é um processo demorado, e em uma atividade de natureza voluntária, é preciso “dar tempo ao tempo”. A lógica que deve ser obedecida nestes processos é mais próxima da natureza humana do que dos ciclos orçamentários.

A guisa de conclusão
Tradicionalmente, uma das principais funções do departamento de marketing foi a de “guardião da marca”, papel que ele exercia prioritariamente na arena da mídia de massa. Talvez já na próxima década seja possível que as comunidades virtuais, em suas diversas formas (sites de relacionamento, chats, blogs, vídeoblogs, jogos e redes sociais), se tornem um “campo de batalha” igualmente importante. Articular sua dinâmica, seu timing e seu funcionamento com a estratégia de comunicação em geral e com ciclo de vida da marca será de vital importância para influenciar os consumidores da “geração digital”.

Para agências de publicidade e institutos de pesquisa, o desafio é duplo: não apenas entender este novo ambiente, como incorporar suas práticas na estrutura dos serviços e produtos que oferecem, além de desenvolver métricas de avaliação confiáveis em um cic lo de tempo que pode ser muito mais longo do que o das ações de mídia tradicional. Mais do que um desafio operacional, é uma modificação estrutural na maneira em que estas organizações justificam o retorno do investimento dos anunciantes.

Por fim, as organizações como um todo serão obrigadas ver seus consumidores “discutindo a relação” em público. O envolvimento com as comunidades on-line é o passo lógico (ou mesmo inevitável) das transformações que a Web começou a gerar no marketing há pouco mais de 10 anos. Na maior parte do século XX, somente as grandes empresas tinham o capital necessário para contratar os recursos materiais e humanos destinados a produzir e divulgar o “discurso” sobre suas marcas, bem como “controlar” (as vezes até mesmo recorrendo a mecanismos judiciais) a interpretação dos consumidores sobre este discurso. Tudo indica que já na segunda década do século XXI elas deixarão de exercer este monopólio, assim como a invenção da prensa acabou com o controle da Igreja Católica sobre a produção e circulação de idéias na Europa. A história de como os profissionais de comunicação, pesquisa e publicidade, juntamente com os consumidores, irão responder a este novo cenário será tão fascinante quanto a evolução do marketing desde que Henry Ford proclamou que “todo mundo pode ter um Ford, desde que seja preto”.


Fonte: Por Marcelo Coutinho, in Revista da ESPM

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