A filantropia avança em países que até pouco tempo eram alvo da ajuda internacional. Nem testamentos caridosos nem grandes fundações baseadas em orçamento familiar e administração amadora. A tendência do investimento social privado, especialmente nos chamados Bric (Brasil-Rússia-Índia-China), é o filantrocapitalismo.
A análise é da russa Olga Alexeeva, uma das principais especialistas mundiais em investimento social privado, atuando como coordenadora do Programa Global Trustees da Charities Aid Foundation (CAF), organização sem fins lucrativos, com sede no Reino Unido.
Cunhado por Mathew Bishop, editor do jornal The Economist, em Nova Iorque, o termo filantrocapitalismo procura designar o que seria uma nova forma de fazer filantropia. Olga adota o conceito como uma espécie de definição guarda-chuva, que incorpora o investimento social e a responsabilidade social empresarial. "A expressão filantrocapitalismo marca muito mais uma transformação de comportamento, na medida em que trata da ação social na qual estão inseridos os princípios do negócio", diz Olga. Segundo ela, tudo decorre da mudança de perfil das empresas e dos executivos.
"Hoje, à frente das grandes corporações, principalmente nos países em desenvolvimento onde se desenvolvem as novas fortunas, não estão mais pessoas com 50 ou 60 anos. Nelas, destacam-se jovens com 30 anos, muito agressivos e líderes de processos de crescimento de empresas enormes. Antes, no modelo tradicional, a intervenção social ocorria por meio de um testamento: o empresário morria e deixava a sua fortuna para um instituto ou fundação. Hoje não. Temos um filantropo, um investidor social jovem, que quer fazer em vida, engajando-se na atividade e colocando todo o seu conhecimento de negócio nessa intervenção social", diz.
Em países como o Brasil e a Índia, apesar das desigualdades ainda serem muito grandes, o governo atende parte das demandas sociais, sem evidentemente dar conta de todas elas. "Nesses países, prevalece uma visão mista, com um pouco de encantamento e outro tanto de ceticismo em relação ao filantrocapitalismo. E isso decorre do fato de eles já terem vivido certas experiências. Já receberam, por exemplo, programas internacionais de ações como microcrédito. E também já tiveram casos de sucesso e de insucesso. Toda essa experiência reforça o seguinte quadro: as pessoas não têm a ilusão de que as empresas vão suprir o papel do Estado, mas ao mesmo tempo o Estado não atinge as expectativas da demanda social. Fica uma lacuna que nem as empresas nem o Estado conseguem suprir", acrescenta Olga.
Há, segundo Olga, duas maneiras de se praticar o filantrocapitalismo: a corporativa e a familiar. Cada uma carrega suas peculiaridades, admite a especialista. No investimento social corporativo - diz -, a característica principal é a vinculação ao negócio. "O investimento social, nesse caso, está envolvido nos objetivos do próprio negócio, e precisa, portanto, ser responsável pelo atendimento das necessidades dos diversos stakeholders, até mesmo porque a sua função é gerar lucro para o negócio. O link negocial é muito importante e influencia o tipo de investimento social que o empreendedor vai fazer."
No caso do investimento social familiar, a vantagem em relação ao corporativo está - segundo Olga - na liberdade de escolha. "Como é dona do dinheiro, a família tem o poder de decisão e utiliza os seus recursos da forma que quiser. Nessa escolha, ela pode simplesmente atender aos seus valores e princípios ou querer assumir mais riscos sem ter que responder a outros interesses. Assim, encontra-se mais livre, por exemplo, para adotar causas mais inovadoras, como direitos humanos, que podem ser arriscadas para o investimento das empresas", diz.
A especialista da CAF cita os exemplos das fundações empresariais, comuns nos EUA e também no Brasil, cujos investimentos podem estar desvinculados do negócio das empresas que as mantêm. "Como empresa, a Ford talvez não pudesse ter as mesmas posições da Fundação Ford, no apoio a certos investimentos sociais, como em direitos humanos, AIDs e questões ambientais", diz.
Apesar da liberdade de ação dos investimentos sociais familiares, Olga não acredita haver um modelo mais eficiente do que outro. "Não diria que é uma questão de eficiência. Já vi projetos corporativos extremamente eficientes. Mas acho que o poder de escolha maior das familiares constitui um trunfo porque amplia o portfólio do investimento social. Os interesses extremamente vinculados ao negócio podem restringir o menu de opções."
Na realidade, tudo depende da legislação de cada país, defende Marcos Kisil, presidente do Instituto de Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), instituição que representa a CAF na América Latina. Para ele, no caso brasileiro não existe incentivo, por exemplo, para que o indivíduo pratique a filantropia. "No Brasil há um problema de facilidade. As empresas podem ter certos benefícios, que são poucos, é verdade. Já o indivíduo que doa recursos para a ação social não pode abatê-lo do Imposto de Renda. Desde 1996, há 11 anos portanto, não se pode mais fazer isso. Nos EUA, os recursos doados recebem desconto do Fisco", argumenta.
Por outro lado, Kisil destaca que o governo brasileiro também enfrenta problemas para incentivar empresas a doarem para causas e organizações da sociedade civil, como forma de fortalecer as parcerias na definição de políticas públicas para a ação social. "Existem ONGs que foram cooptadas pelo governo e outras que foram criadas para poder utilizar recursos públicos. No momento, discute-se a CPI das ONGs, que é para investigar o dinheiro público posto nessas organizações. Quando o empresário vê que recursos são canalizados para duas ou três ONGs, ou vão parar no MST que invade a propriedade privada, então fica uma mensagem contraditória sobre o que as autoridades públicas querem das parcerias, seja com a sociedade civil seja com os empresários", afirma.
Fonte: Por Cláudia Piche, in Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 16
A análise é da russa Olga Alexeeva, uma das principais especialistas mundiais em investimento social privado, atuando como coordenadora do Programa Global Trustees da Charities Aid Foundation (CAF), organização sem fins lucrativos, com sede no Reino Unido.
Cunhado por Mathew Bishop, editor do jornal The Economist, em Nova Iorque, o termo filantrocapitalismo procura designar o que seria uma nova forma de fazer filantropia. Olga adota o conceito como uma espécie de definição guarda-chuva, que incorpora o investimento social e a responsabilidade social empresarial. "A expressão filantrocapitalismo marca muito mais uma transformação de comportamento, na medida em que trata da ação social na qual estão inseridos os princípios do negócio", diz Olga. Segundo ela, tudo decorre da mudança de perfil das empresas e dos executivos.
"Hoje, à frente das grandes corporações, principalmente nos países em desenvolvimento onde se desenvolvem as novas fortunas, não estão mais pessoas com 50 ou 60 anos. Nelas, destacam-se jovens com 30 anos, muito agressivos e líderes de processos de crescimento de empresas enormes. Antes, no modelo tradicional, a intervenção social ocorria por meio de um testamento: o empresário morria e deixava a sua fortuna para um instituto ou fundação. Hoje não. Temos um filantropo, um investidor social jovem, que quer fazer em vida, engajando-se na atividade e colocando todo o seu conhecimento de negócio nessa intervenção social", diz.
Em países como o Brasil e a Índia, apesar das desigualdades ainda serem muito grandes, o governo atende parte das demandas sociais, sem evidentemente dar conta de todas elas. "Nesses países, prevalece uma visão mista, com um pouco de encantamento e outro tanto de ceticismo em relação ao filantrocapitalismo. E isso decorre do fato de eles já terem vivido certas experiências. Já receberam, por exemplo, programas internacionais de ações como microcrédito. E também já tiveram casos de sucesso e de insucesso. Toda essa experiência reforça o seguinte quadro: as pessoas não têm a ilusão de que as empresas vão suprir o papel do Estado, mas ao mesmo tempo o Estado não atinge as expectativas da demanda social. Fica uma lacuna que nem as empresas nem o Estado conseguem suprir", acrescenta Olga.
Há, segundo Olga, duas maneiras de se praticar o filantrocapitalismo: a corporativa e a familiar. Cada uma carrega suas peculiaridades, admite a especialista. No investimento social corporativo - diz -, a característica principal é a vinculação ao negócio. "O investimento social, nesse caso, está envolvido nos objetivos do próprio negócio, e precisa, portanto, ser responsável pelo atendimento das necessidades dos diversos stakeholders, até mesmo porque a sua função é gerar lucro para o negócio. O link negocial é muito importante e influencia o tipo de investimento social que o empreendedor vai fazer."
No caso do investimento social familiar, a vantagem em relação ao corporativo está - segundo Olga - na liberdade de escolha. "Como é dona do dinheiro, a família tem o poder de decisão e utiliza os seus recursos da forma que quiser. Nessa escolha, ela pode simplesmente atender aos seus valores e princípios ou querer assumir mais riscos sem ter que responder a outros interesses. Assim, encontra-se mais livre, por exemplo, para adotar causas mais inovadoras, como direitos humanos, que podem ser arriscadas para o investimento das empresas", diz.
A especialista da CAF cita os exemplos das fundações empresariais, comuns nos EUA e também no Brasil, cujos investimentos podem estar desvinculados do negócio das empresas que as mantêm. "Como empresa, a Ford talvez não pudesse ter as mesmas posições da Fundação Ford, no apoio a certos investimentos sociais, como em direitos humanos, AIDs e questões ambientais", diz.
Apesar da liberdade de ação dos investimentos sociais familiares, Olga não acredita haver um modelo mais eficiente do que outro. "Não diria que é uma questão de eficiência. Já vi projetos corporativos extremamente eficientes. Mas acho que o poder de escolha maior das familiares constitui um trunfo porque amplia o portfólio do investimento social. Os interesses extremamente vinculados ao negócio podem restringir o menu de opções."
Na realidade, tudo depende da legislação de cada país, defende Marcos Kisil, presidente do Instituto de Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), instituição que representa a CAF na América Latina. Para ele, no caso brasileiro não existe incentivo, por exemplo, para que o indivíduo pratique a filantropia. "No Brasil há um problema de facilidade. As empresas podem ter certos benefícios, que são poucos, é verdade. Já o indivíduo que doa recursos para a ação social não pode abatê-lo do Imposto de Renda. Desde 1996, há 11 anos portanto, não se pode mais fazer isso. Nos EUA, os recursos doados recebem desconto do Fisco", argumenta.
Por outro lado, Kisil destaca que o governo brasileiro também enfrenta problemas para incentivar empresas a doarem para causas e organizações da sociedade civil, como forma de fortalecer as parcerias na definição de políticas públicas para a ação social. "Existem ONGs que foram cooptadas pelo governo e outras que foram criadas para poder utilizar recursos públicos. No momento, discute-se a CPI das ONGs, que é para investigar o dinheiro público posto nessas organizações. Quando o empresário vê que recursos são canalizados para duas ou três ONGs, ou vão parar no MST que invade a propriedade privada, então fica uma mensagem contraditória sobre o que as autoridades públicas querem das parcerias, seja com a sociedade civil seja com os empresários", afirma.
Fonte: Por Cláudia Piche, in Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 16
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