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Comunicação que dá resultado

A responsabilidade social é a ação. Os americanos deviam ter razão. Em suas origens mais remotas, lá pelo início dos anos 20 do século passado, o investimento social das companhias influenciava diretamente a sua aceitação pelas comunidades. Era uma espécie de troca: as empresas gastavam dinheiro em proveito das cidades e dos seus cidadãos e, como contrapartida, seus donos e executivos, nos clubes tradicionais, não eram hostilizados pelas lideranças políticas locais. Essa prática está muito bem contada no livro Companhia: breve história de uma idéia revolucionária, de John Micklethwait e Adrian Wooldridge. Hoje, a responsabilidade tornou-se parte do das relações das companhias com a sociedade. No Brasil, os exemplos positivos se multiplicam como parte de estratégias de comunicação vitoriosa. Um exemplo a destacar é a recente experiência do grupo Cristal, da área petroquímica, na Bahia.

Cristal? Quase ninguém conhece. Mas Tibrás está na memória de todos. Foi empresa-tema de romance de Jorge Amado, de filme e novela da TV Globo. Quem não lembra de Tereza Batista cansada de Guerra? O romance, de 1972, tem como pano de fundo uma fábrica poluidora e antecipa o tema da ecologia. Na realidade, a fábrica era a Tibrás, produtora de dióxido de titânio. O tempo passou. A Tibrás foi vendida. Há 12 anos passou a chamar-se Millennium. Mudou de dono, primeiro para a Lyondell e, agora, passou ao controle do grupo Cristal. Durante esse longo período, a empresa fez uma revolução. Investiu em controle ambiental, abriu canais de comunicação interno e com a comunidade e, enfim, passou a ver a produção não apenas pela ótica do lucro, mas pela responsabilidade social.

Um dos projetos que tem levado à prática é bastante original. Trata-se do Clube de Leitura. Reúne crianças da localidade de Areias, vizinha à fábrica, e, segundo o professor Romi Nascimento, que orienta as leituras, tem um objetivo claro: incentivar as crianças a lerem, não ficando presas apenas à comunicação por imagens. Tem dado certo. A presença das crianças é crescente. E elas lêem. As que ainda não sabem ler costumam fazer desenhos e criar suas próprias histórias. As que lêem cultivam sonhos de progresso. Querem ser advogadas, professoras, estudar em universidades, viajar o mundo. O Clube de Areias é o embrião de um segundo Clube de Leitura a ser inaugurado nos próximos meses na comunidade de Jauá, também próxima da fábrica.

A assessora de imprensa da Cristal, Graça Brandão, coordenadora do projeto, explica que a expansão do Clube faz parte de um novo momento das atividades sociais da fábrica. "Estamos evoluindo para a união dos conceitos de trabalho, saúde e educação. O nosso propósito é nos firmarmos cada vez mais como parceiros solidários das comunidades". O caso da ex-Tibrás é exemplar por três razões principais: o primeiro é que a empresa mudou de comportamento, mas ainda é vítima de forte preconceito. Olha-se para o passado, esquece-se o presente. O segundo é que a empresa, ano a ano, tem construído uma política de comunicação transparente, de portas abertas. E, por fim, tem realizado o que se compromete a fazer. Sua licença ambiental foi renovada em dezembro de 2008. Detalhe importante: a empresa tinha cumprido todos os condicionantes impostos pela licença anterior. Um detalhe: essa realidade foi reconhecida pelo Governo da Bahia e pelos órgãos ambientais.

Na fase que se inicia, a empresa pretende ir para a linha de frente. Quer superar o passado herdado da Tibrás. Por essa razão, explica Grace, uma jornalista com vasta experiência em comunicação corporativa, está abrindo frentes de diálogos com todos os seus públicos. Das comunidades à mídia, do ministério público às autoridades públicas. A idéia é superar a imagem-reputação do passado e afirmar a imagem-reputação contemporânea. Isto significa apresentar fatos, posicionar-se, não deixar questões sem respostas. Significa ampliar o diálogo com a mídia, mostrar o que a fábrica faz e o que pretende fazer. Quer, por outro lado, tornar visível sua participação na economia baiana, seja na criação de empregos, impostos ou na área social. É um processo que se encontra em curso. Fica a pergunta: podem companhias que viveram experiências com a ex-Tibras recuperar a imagem-reputação danificada por ações de antigos controladores? Evidentemente que sim. Esse é um desafio que está no centro da comunicação numa época marcada por tantas fusões e aquisições. Exige paciência. Exige que gestão e comunicação caminhem lado a lado com uma reforçando a outra. O cerne do problema é ter coragem de admitir que o passado existe e que a realidade mudou. É isso que a comunicação da Cristal tem feito. E o Clube de Leitura é expressão e corpo desse posicionamento. Nele as crianças entram em contato com um novo mundo e ampliam horizontes. E se divertem aprendendo. Na essência, é uma questão de escolha: a porta da boa comunicação está sempre aberta para aqueles que trilham o caminho da responsabilidade social. E têm fatos concretos a apresentar. É assim que se conquista a confiança e se constrói reputações positivas.


Fonte: Por Francisco Viana, in Terra Magazine

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