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Visionário ou maluco?

O israelense Shai Agassi é um forasteiro na indústria automotiva. Mas poucos empreendedores hoje chamam tanto a atenção do setor quanto ele. Ex-estrela do mercado de tecnologia, jovem, ambicioso e dono de uma autoconfiança que beira a pretensão, Agassi fez carreira e fortuna com softwares, terreno que domina desde criança -- ele programou seu primeiro computador aos 7 anos. Em 2001, tornou-se executivo da alemã SAP ao vender à multinacional uma das quatro empresas que havia fundado com o pai em Israel. Transferido para o Vale do Silício, Agassi ascendeu rapidamente na SAP e estava sendo preparado para assumir a presidência mundial da gigante de tecnologia. Em março de 2007, num movimento inesperado -- provocado, entre outras coisas, pelo fato de que sua promoção à presidência levaria dois anos --, pediu demissão. Seis meses depois, anunciou sua entrada num novo negócio. Aos 39 anos de idade, fundou a Project Better Place, empresa que ele pretende transformar na primeira distribuidora de energia elétrica para carros em todo o mundo. Seu projeto já lhe rendeu comparações com o mítico Henry Ford, inventor da produção de automóveis em série. "A comparação pode ser prematura", disse Agassi a EXAME. "Mas, se nós conseguirmos tornar o carro elétrico algo conveniente e acessível, o impacto será muito maior do que o de Ford."


Shai Agassi, 39 anos, Israelense, Formação em Ciências da computação no Technion — Instituto de Tecnologia de Israel

O que já fez
Aos 21 anos, fundou sua primeira start-up em Israel, a Quicksoft, uma empresa de softwares. Abriu outras três companhias — duas foram vendidas à SAP, onde Agassi trabalhou como presidente do grupo de produtos e tecnologia e foi membro do conselho executivo até setembro de 2007

Projeto atual
Em parceria com diversos investidores, está injetando 200 milhões de dólares na Project Better Place, uma empresa para financiar e operar redes de abastecimento de carros elétricos. Em janeiro, foi anunciada a implementação do primeiro projeto da companhia em Israel, numa parceria com a Renault-Nissan e o governo local Shai Agassi

O que ele diz sobre a iniciativa
“Se o que estou planejando estiver correto, esta será a maior ruptura na história do capitalismo”

Para levar adiante a idéia, Agassi conta com um fundo de 200 milhões de dólares -- formado com recursos próprios e de uma série de investidores, como o magnata israelense Idan Ofer e o ex-presidente do Banco Mundial James Wolfensohn. A estréia da empresa se dará em Israel. Para isso, Agassi precisou costurar parcerias com o presidente do país, Shimon Peres, e com a montadora Renault-Nissan, comandada pelo brasileiro Carlos Ghosn. Cada um dos parceiros ficará encarregado de uma parte do trabalho de instalar uma frota de veículos elétricos na região. À Renault caberá desenvolver o carro -- possivelmente feito sobre a base do Mégane ou do Kangoo. O governo de Israel entrará com incentivos fiscais até 2019 para reduzir o preço dos automóveis, e a Better Place ficará responsável por comercializar as baterias e por construir a infra-estrutura que cobrirá o país com 500 000 pontos de recarga. Os protótipos vão começar a rodar ainda neste ano, como vitrine do projeto. Em 2009, será instalada a rede elétrica integrada. Finalmente, em 2010, estará no mercado o modelo final do carro para produção em larga escala. "O problema que tivemos historicamente com os veículos elétricos é que eles eram introduzidos no mercado antes de a infra-estrutura de energia estar preparada", diz Agassi. "Agora, estamos construindo a infra-estrutura antes de as pessoas comprarem o carro."

O modelo de negócios desenvolvido por Agassi é semelhante ao que existe na telefonia celular. O motorista de um carro elétrico vai pagar por um plano para ter o carro abastecido com energia suficiente para rodar uma quantidade específica de quilômetros -- da mesma forma que clientes de operadoras compram pacotes mensais de minutos para falar ao telefone. De acordo com o plano contratado, o automóvel terá o preço mais ou menos subsidiado (como também ocorre com os celulares). Nos cálculos de Agassi, o carro elétrico poderá sair de graça se o usuário fizer o plano mais longo, de seis anos. Embora não revele detalhes, ele garante que já está em conversação com governos de outros países para expandir o projeto. O Brasil, por causa das dimensões e da cana-de-açúcar, não está entre suas prioridades. "O Brasil já ataca o problema de mudanças climáticas com o etanol", diz Agassi. Apesar do entusiasmo que o projeto vem despertando em todo o mundo, especialistas afirmam que o sistema só funcionará com subsídios governamentais e levará muito tempo para ser implementado em países com áreas maiores que Israel. "Será difícil instalar uma rede de abastecimento elétrica em países de grandes dimensões", afirma o consultor Wim van Acker, sócio-diretor da Roland Berger.

Além do desafio de provar a viabilidade de sua idéia, o forasteiro Agassi terá de disputar espaço com a indústria automotiva tradicional. Com a crescente preocupação em relação ao aquecimento global, ninguém que produz carros quer aparecer como vilão da poluição. Some-se a isso o fato de o petróleo ter seus dias contados -- a previsão dos especialistas é que, com o consumo crescente, as reservas se esgotem em quatro décadas -- e o que se tem é uma corrida pelos chamados carros verdes, com tecnologias limpas e alternativas ao combustível fóssil. "As montadoras sabem que performance e potência não estão mais sozinhas na hora de conquistar consumidores e investem muito dinheiro, tempo e mão-de-obra em pesquisa para fazer carros menos poluentes", afirma Norbert Reithofer, presidente do conselho da alemã BMW. Segundo ele, nos últimos 12 meses cerca de 700 000 carros produzidos pela montadora incorporaram tecnologias que os tornaram mais limpos. Por causa disso, economizaram 150 milhões de litros de gasolina ou diesel e emitiram 373 000 toneladas de gás carbônico a menos -- o equivalente à energia consumida durante um ano inteiro numa cidade de 780 000 habitantes.

ESSA PREOCUPAÇÃO AMBIENTAL CONTAMINOU até mesmo ecocéticos de carteirinha, como o americano Robert Lutz, vice-presidente mundial da General Motors. (Anos atrás, Lutz afirmou publicamente que "os automóveis não poluem o planeta tanto assim".) Ele anunciou, no começo de 2008, que a maior montadora do mundo se prepara para lançar o Volt, um carro movido a eletricidade. "O petróleo continuará a ser dominante nos próximos 20 anos, mas é certo que outras tecnologias, como a dos motores híbridos, a do biocombustível e a eletricidade, serão cada vez mais numerosas", disse Lutz a EXAME. A alemã Porsche também fez avanços antes inimagináveis para um fabricante de máquinas de alta performance: anunciou o início de produção de versões híbridas de dois de seus modelos, o utilitário esportivo Cayenne e o quatro-portas Panamera, que poluírão 20% menos do que versões convencionais a gasolina. "Estamos fazendo esse esforço em respeito aos nossos consumidores e para demonstrar aos nossos críticos que não somos porcos", afirma Wendelin Wiedeking, presidente mundial da Porsche. (Em 2007, o Greenpeace fez manifestações nas quais acusava os carros fabricados pela Porsche de emporcalhar o meio ambiente.)

A pressão de ONGs e de consumidores está mudando as leis que regem o nível de emissões de carbono dos automóveis. O governo da França, por exemplo, endureceu drasticamente as regras. A partir deste ano, os compradores de carros novos que emitem mais de 160 gramas de CO2 por quilômetro rodado pagarão 200 euros de taxa. Com 260 gramas por quilômetro de CO2 (o que polui um esportivo como as Ferrari), a taxa vai para 3 900 dólares extras na conta. Em compensação, os compradores de carros menos poluidores, como o Toyota Prius (104 g/km de CO2) ou o Fiat Cinquecento (119 g/km), recebem um subsídio de 700 euros para a compra do automóvel. A legislação de alguns países também começa a determinar que as montadoras sejam responsáveis por seus produtos até o fim da vida útil dos automóveis. Hoje, já se exige na Europa que nove em cada dez partes de um carro sejam totalmente recicláveis. Em 2015, uma nova regulamentação apertará o cerco para 95%. Para chegar lá, o vidro e o plástico usados nos futuros modelos provavelmente serão oriundos de reciclagem, como foi mostrado no Citroën C-Cactus, apresentado em setembro do ano passado durante o salão do automóvel de Frankfurt, na Alemanha. "Modelos que usem materiais ecologicamente corretos e sejam recicláveis mais facilmente serão cada vez mais uma tendência", disse a EXAME o projetista Olivier Vincent, um dos autores do C-Cactus.

Não é possível cravar com certeza qual será a tecnologia que vai substituir completamente o petróleo no futuro -- embora a maioria das apostas recaia sobre o motor a hidrogênio. Por isso, várias tecnologias estão sendo testadas atualmente pelo mundo. Os europeus apostam no diesel, com motores cada vez menos beberrões. Os americanos investem nos híbridos com baterias (e um pouco nos biocombustíveis). O Brasil tornou-se um dos pioneiros no etanol feito à base de cana-de-açúcar. "Não acredito em um remédio que resolverá sozinho a substituição do petróleo, mas em um conjunto de muitas tecnologias", afirma o alemão Peter Schreyer, diretor de design da coreana Hyundai e cuja função é imaginar exatamente como poderão ser as máquinas nas próximas décadas. Agassi e seus sócios acreditam que o sistema criado por eles será a grande estrela entre essas soluções.



Fonte: Por Denise Dweck e Fernando Valeika de Barros, in portalexame.abril.com.br

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