Nunca se discutiu tanto novos modelos de consumo como nesses bicudos tempos de aquecimento global e potencial escassez de recursos naturais. Iniciativas de consumidores mais responsáveis surgem aos montes em todos os cantos do mundo.
No ano passado, ganhou corpo na França o movimento dos “decroissants”, uma espécie de neo-hippies, cujo lema de vida se baseia no “menos é mais”. Ambientalistas convictos, pouco materialistas, esses seguidores da filosofia do “decréscimo” alcançaram conforto econômico e hoje preferem bicicletas a automóveis, produtos orgânicos aos similares convencionais, e fundos de investimentos que financiam, por exemplo, cooperativas de comércio justo na África.
Agora, toma impulso nos Estados Unidos o movimento dos “scuppies”, termo cunhado a partir das iniciais de Socially Conscious Upwardly-Mobile Person – indivíduo emergente com consciência social. Nascidos do cruzamento dos hippies dos anos 1960 com os yuppies dos anos 1980, os scuppies compõem um segmento em alta entre os norte-americanos bem de vida, que procura conciliar as benesses materiais e as tendências da moda com um respeito radical às questões ambientais.
Como os decroissants, eles também querem salvar o planeta. Mas, ao contrário dos despojados franceses, em nome dessa bandeira não estão disposto a abrir mão do que consideram as boas coisas da vida. Os scuppies incluem-se entre os consumidores que mais demandam produtos e serviços verdes nos EUA. São os que mais compram carros de luxo, roupas, alimentos, casas e móveis ambientalmente responsáveis, sem, no entanto, dispensarem design sofisticado, elegância e refinamento. Usam camisas 100% orgânicas, canetas com tinta biodegradável, ecobags de grife, laptops com baixo consumo de energia, bolsas recicladas a partir de pneus e cosméticos com cadeia produtiva certificada. Eco-chiques, contestam os que enxergam contradição insuperável entre consumo de luxo e preservação ambiental.
Cada um a seu modo, decroissants e scuppies praticam o chamado consumo consciente, isto é, utilizam o seu poder de comprar –ou deixar de comprar—optando por alternativas mais sustentáveis. No primeiro, consciência é consumir menos. No segundo, consumir o mesmo, mas apenas produtos e serviços verdes. Entre os minimalistas franceses, a crença é que a felicidade não se resume ao âmbito do “ter”, mas ao do “ser.” Já entre os emergentes norte-americanos, cultiva-se a idéia de que é possível ter o melhor hoje sem carregar a culpa por prejudicar o direito das futuras gerações satisfazerem as suas necessidades.
Apesar de diferentes, e da oposição entre os valores que cultuam, esses dois grupos, compostos por consumidores bem informados, com alto nível de escolaridade e capacidade aquisitiva, convergem em um ponto importante: consumo é, para eles, um ato de poder que precisa ser exercido com base em ética altruísta, responsabilidade e engajamento. Caracteriza ambos os movimentos a adoção de um novo modelo de consumo em que boas intenções socioambientais se transformam em atitude, firme e pró-ativa.
É bem possível que, no Brasil, decroissants e scuppies já tenham os seus adeptos. No entanto, para que não se restrinja á uma minoria de consumidores classe A com alto nível de instrução, o movimento do consumo consciente terá de superar aqui algumas barreiras, entre as quais uma certa tendência à acomodação e à inércia. A pesquisa “Novo Consumo pela Sustentabilidade: os Brasileiros Diante das Mudanças Climáticas, da Market Analysis, oferece algumas pistas sobre esse quadro. Segundo o estudo, feito em 19 países, os brasileiros estão entre os mais alarmados com as mudanças climáticas no mundo. Três em cada quatro consumidores atribuem alta relevância á questão ambiental, incluindo o tema entre as suas três principais preocupações. Em contrapartida, os brasileiros (42% afirmam conhecer bem o tema) não se encontram no bloco dos mais bem informados, perdendo de longe para os ingleses (61%), norte-americanos (59%) e canadenses (56%).
Ainda segundo o documento, metade da população brasileira não se mostra disposta a abrir mão das benesses econômicas em nome de um modelo de desenvolvimento mais respeitoso ao meio ambiente. Os brasileiros estão ainda entre os mais acomodados em relação a mudanças em comportamentos para reduzir impactos no aquecimento global. Apenas um em cada seis pode ser classificado como consciente e efetivamente mobilizado. Os que tomam atitudes concretas limitam-se ao óbvio das pequenas ações de reciclagem, redução de consumo e descarte adequado de lixo, deixando de lado, ações engajadas como, por exemplo, fazer compras de baixo consumo de energia ou mobilizar outras pessoas. A hipótese do estudo é que a acomodação deve ser atribuída ao fato de que, na média mundial, o Brasil possui um ótimo desempenho ambiental, segundo o World Resources Institute. Quanto menos deteriorado é o ambiente local, menor tende a ser a percepção da necessidade de mudança.
Ainda de acordo com o estudo, os brasileiros apresentam-se como os mais inertes. A média mundial de inação é de 35%. No Brasil, chega a 69%. A distância entre palavras e ações –como se vê – é um obstáculo cultural importante a ser vencido para a expansão do consumo consciente em terras brasilisis. Há muito trabalho a ser feito por governos, empresas, organizações da sociedade civil e, é claro, planejadores de comunicação.
Fonte: Por Ricardo Voltolini - publisher da revista Idéia Socioambiental e diretor da consultoria Idéia Sustentável, in www.ideiasocioambiental.com.br
No ano passado, ganhou corpo na França o movimento dos “decroissants”, uma espécie de neo-hippies, cujo lema de vida se baseia no “menos é mais”. Ambientalistas convictos, pouco materialistas, esses seguidores da filosofia do “decréscimo” alcançaram conforto econômico e hoje preferem bicicletas a automóveis, produtos orgânicos aos similares convencionais, e fundos de investimentos que financiam, por exemplo, cooperativas de comércio justo na África.
Agora, toma impulso nos Estados Unidos o movimento dos “scuppies”, termo cunhado a partir das iniciais de Socially Conscious Upwardly-Mobile Person – indivíduo emergente com consciência social. Nascidos do cruzamento dos hippies dos anos 1960 com os yuppies dos anos 1980, os scuppies compõem um segmento em alta entre os norte-americanos bem de vida, que procura conciliar as benesses materiais e as tendências da moda com um respeito radical às questões ambientais.
Como os decroissants, eles também querem salvar o planeta. Mas, ao contrário dos despojados franceses, em nome dessa bandeira não estão disposto a abrir mão do que consideram as boas coisas da vida. Os scuppies incluem-se entre os consumidores que mais demandam produtos e serviços verdes nos EUA. São os que mais compram carros de luxo, roupas, alimentos, casas e móveis ambientalmente responsáveis, sem, no entanto, dispensarem design sofisticado, elegância e refinamento. Usam camisas 100% orgânicas, canetas com tinta biodegradável, ecobags de grife, laptops com baixo consumo de energia, bolsas recicladas a partir de pneus e cosméticos com cadeia produtiva certificada. Eco-chiques, contestam os que enxergam contradição insuperável entre consumo de luxo e preservação ambiental.
Cada um a seu modo, decroissants e scuppies praticam o chamado consumo consciente, isto é, utilizam o seu poder de comprar –ou deixar de comprar—optando por alternativas mais sustentáveis. No primeiro, consciência é consumir menos. No segundo, consumir o mesmo, mas apenas produtos e serviços verdes. Entre os minimalistas franceses, a crença é que a felicidade não se resume ao âmbito do “ter”, mas ao do “ser.” Já entre os emergentes norte-americanos, cultiva-se a idéia de que é possível ter o melhor hoje sem carregar a culpa por prejudicar o direito das futuras gerações satisfazerem as suas necessidades.
Apesar de diferentes, e da oposição entre os valores que cultuam, esses dois grupos, compostos por consumidores bem informados, com alto nível de escolaridade e capacidade aquisitiva, convergem em um ponto importante: consumo é, para eles, um ato de poder que precisa ser exercido com base em ética altruísta, responsabilidade e engajamento. Caracteriza ambos os movimentos a adoção de um novo modelo de consumo em que boas intenções socioambientais se transformam em atitude, firme e pró-ativa.
É bem possível que, no Brasil, decroissants e scuppies já tenham os seus adeptos. No entanto, para que não se restrinja á uma minoria de consumidores classe A com alto nível de instrução, o movimento do consumo consciente terá de superar aqui algumas barreiras, entre as quais uma certa tendência à acomodação e à inércia. A pesquisa “Novo Consumo pela Sustentabilidade: os Brasileiros Diante das Mudanças Climáticas, da Market Analysis, oferece algumas pistas sobre esse quadro. Segundo o estudo, feito em 19 países, os brasileiros estão entre os mais alarmados com as mudanças climáticas no mundo. Três em cada quatro consumidores atribuem alta relevância á questão ambiental, incluindo o tema entre as suas três principais preocupações. Em contrapartida, os brasileiros (42% afirmam conhecer bem o tema) não se encontram no bloco dos mais bem informados, perdendo de longe para os ingleses (61%), norte-americanos (59%) e canadenses (56%).
Ainda segundo o documento, metade da população brasileira não se mostra disposta a abrir mão das benesses econômicas em nome de um modelo de desenvolvimento mais respeitoso ao meio ambiente. Os brasileiros estão ainda entre os mais acomodados em relação a mudanças em comportamentos para reduzir impactos no aquecimento global. Apenas um em cada seis pode ser classificado como consciente e efetivamente mobilizado. Os que tomam atitudes concretas limitam-se ao óbvio das pequenas ações de reciclagem, redução de consumo e descarte adequado de lixo, deixando de lado, ações engajadas como, por exemplo, fazer compras de baixo consumo de energia ou mobilizar outras pessoas. A hipótese do estudo é que a acomodação deve ser atribuída ao fato de que, na média mundial, o Brasil possui um ótimo desempenho ambiental, segundo o World Resources Institute. Quanto menos deteriorado é o ambiente local, menor tende a ser a percepção da necessidade de mudança.
Ainda de acordo com o estudo, os brasileiros apresentam-se como os mais inertes. A média mundial de inação é de 35%. No Brasil, chega a 69%. A distância entre palavras e ações –como se vê – é um obstáculo cultural importante a ser vencido para a expansão do consumo consciente em terras brasilisis. Há muito trabalho a ser feito por governos, empresas, organizações da sociedade civil e, é claro, planejadores de comunicação.
Fonte: Por Ricardo Voltolini - publisher da revista Idéia Socioambiental e diretor da consultoria Idéia Sustentável, in www.ideiasocioambiental.com.br
Comentários