Pular para o conteúdo principal

Esse obscuro objeto de desejo (do cliente)

Os americanos chamam de hidden agenda aquilo que é preciso descobrir e trazer à tona para então atender o desejo mais oculto e obscuro do nosso cliente ou prospect. O que será?

Alguém aqui se lembra deste filme de Luis Bunuel? De 1977, O filme conta a história de um homem de 50 anos que se apaixona por uma mulher bem mais jovem que se recusa a ter relações sexuais com ele, mantendo-o completamente obcecado por ela.

É um filme denso e todo psicológico, como é todo filme de Bunuel, e que me marcou a adolescência. Sempre penso no sugestivo título do filme quando me vejo frente a uma situação onde há um desejo oculto, algo que sabemos estar lá, mas que é impossível de ser revelado à primeira vista: esse obscuro objeto do desejo.

Parto deste título para pensar a relação que vivemos dia-a-dia no Atendimento de clientes, especialmente na área de comunicação e MKT.

Existe sempre um obscuro objeto de desejo, uma mulher amada e desejada, mas que não se entrega, no desejo inconsciente de nossos clientes que nos procuram para ajudá–los a descobrir o que e como fazer para conquistá–la.

Este obscuro objeto é indefinido para o próprio desejante/cliente, que tem na agência/atendimento a figura daquele que pode escutá–lo e ajudá–lo a decifrar/traduzir seu desejo em ato – criação.

Não é mero acaso eu tentar aqui juntar meus conhecimentos de psicanálise com minha prática em MKT/atendimento.

Desde que participei de um curso de New Business na McCann SP, ministrado pelo publicitário Kevin Allan, da unidade de New Business de Miami, onde ouvi pela primeira vez o uso do conceito “Hidden Agenda”, comecei e tecer teoricamente a junção de alguns conceitos psicanalíticos com a prática publicitária do dia–a–dia.

A “Hidden Agenda”, segundo Allan, é aquilo que devemos descobrir, revelar, trazer à tona para descobrir como e o que fazer para satisfazer o desejo mais oculto e “obscuro” do nosso cliente ou prospect. A “Hidden agenda” é a chave do mistério, aquilo que se descoberto, decifrado e traduzido (em uma solução criativa/estratégica), deixará nosso cliente absolutamente satisfeito, pois assim “a mulher poderá ser conquistada”.

Hidden Agenda é tudo que não permite que nosso cliente durma à noite, que lhe perturba os sonhos e que nem ele mesmo sabe dizer o que é.

Cabe a nós, à semelhança de um psicanalista que auxilia seus pacientes no “garimpo” inconsciente, auxiliar nossos clientes no “garimpo” de seus desejos, medos, expectativas e necessidades (tudo isto condensado no conceito de Hidden Agenda) mais íntimas em relação a seu negócio, para que, a partir de sua revelação, possamos (cliente e agência) efetivamente ajudá–los a encontrar uma solução.

Mas nada disso é assim fácil como parece.

Atender um cliente requer arte. Nem vou me ater aqui a que temos que deixar de lado a velha, desgastada e estereotipada imagem que se tem do atendimento “leva e traz”. Esqueça.

Falo do atendimento que escuta, interpreta, decifra e traduz aquilo que realmente é necessário e objetivo para determinado cliente/marca.

E esta prática se faz no dia–a– dia, no “leva e traz”, e é construída.

O relacionamento entre Atendimento/Cliente é muito semelhante ao que se dá entre um psicanalista e seus pacientes. Há uma relação de confiança e afeto que se estabelece segundo o que o velho e bom Freud “explicou” como sendo a transferência e esta é a base de tudo.

Um bom atendimento é aquele que sabe sustentar a transferência com seu cliente e a partir desta é capaz de escutar e compreender/revelar os desejos ocultos do cliente para trazê–los à tona e assim orientar a comunicação almejada.

Se esta relação não se estabelece ou estabelece–se negativamente (a velha e boa história que todos nós conhecemos das relações que “não rolam”) disso originam–se muitos cases de contas perdidas “sabe–se lá porquê”.

Não basta achar que o cliente “vai ou não vai com a cara deste ou daquele”. Ser um bom atendimento é uma arte, disse lá atrás.

Arte porque requer que sejamos um campo neutro e de múltiplas possibilidades para podermos originar diversas combinações e não só variações do mesmo tema, estáticas (pensemos nos casos estereotipados que conhecemos por aí).

Arte porque requer que saibamos escutar além das palavras e isto é habilidade rara e exige no mínimo um árduo caminho de autoconhecimento profundo daquele que se propõe a tal tarefa.

Arte principalmente porque temos que nos despir de preconceitos, teorias prévias, soluções pré–definidas para podermos estar abertos a conceber algo completamente novo, atemporal e talvez totalmente contrário a tudo que havíamos concebido antes.

Enfim, temos que ser um pouco como arqueólogos e tentar traduzir textos ainda irreconhecíveis ou enigmas, propostos por nossos clientes, que, tal qual a esfinge egípcia, nos colocam frente a um: “Decifra–me ou devoro–te”.

E acho melhor aprendermos a decifrar, pois o preço a pagar pode ser alto demais: aquela boa conta, seu emprego, sua credibilidade no mercado…

Enfim… a bola está em campo, quem quiser rebater…


Fonte: Por Ana Clara Cenamo - diretora comercial da Getty Images Brasil, in www.adnews.com.br

Comentários

Anônimo disse…
Mas eu quero dizer que este gecorp.blogspot.com é extremamente útil, Obrigado por dedicar seu tempo a escrever este.

Postagens mais visitadas deste blog

H2OH! - um produto desacreditado que virou sucesso

O executivo carioca Carlos Ricardo, diretor de marketing da divisão Elma Chips da Pepsico, a gigante americana do setor de alimentos e bebidas, é hoje visto como uma estrela em ascensão no mundo do marketing. Ele é o principal responsável pela criação e pelo lançamento de um produto que movimentou, de forma surpreendente, o mercado de bebidas em 11 países. A princípio, pouca gente fora da Pepsi e da Ambev, empresas responsáveis por sua produção, colocava fé na H2OH!, bebida que fica a meio caminho entre a água com sabor e o refrigerante diet. Mas em apenas um ano a H2OH! conquistou 25% do mercado brasileiro de bebidas sem açúcar, deixando para trás marcas tradicionais, como Coca-Cola Light e Guaraná Antarctica Diet. Além dos números de vendas, a H2OH! praticamente deu origem a uma nova categoria de produto, na qual tem concorrentes como a Aquarius Fresh, da Coca-Cola, e que já é maior do que segmentos consagrados, como os de leites com sabores, bebidas à base de soja, chás gelados e su

Doze passos para deixar de ser o “bode expiatório” na sua empresa

Você já viu alguma vez um colega de trabalho ser culpado, exposto ou demitido por erros que não foi ele que cometeu, e sim seu chefe ou outro colega? Quais foram os efeitos neste indivíduo e nos seus colegas? Como isso foi absorvido por eles? No meu trabalho como coach, tenho encontrado mais e mais casos de “bodes expiatórios corporativos”, que a Scapegoat Society, uma ONG britânica cujo objetivo é aumentar a consciência sobre esta questão no ambiente de trabalho, define como uma rotina social hostil ou calúnia psicológica, através da qual as pessoas passam a culpa ou responsabilidade adiante, para um alvo ou grupo. Os efeitos são extremamente danosos, com conseqüências de longo-prazo para a vítima. Recentemente, dei orientação executiva a um gerente sênior que nunca mais se recuperou por ter sido um dia bode expiatório. John, 39 anos, trabalhou para uma empresa quando tinha algo em torno de 20 anos de idade e tudo ia bem até que ele foi usado como bode expiatório por um novo chefe. De

Conselho Federal de Marketing?

A falta de regulamentação da profissão de marketing está gerando um verdadeiro furdunço na Bahia. O consultor de marketing André Saback diz estar sendo perseguido por membros do Conselho Regional de Administração da Bahia (CRA/BA) por liderar uma associação – com nome de Conselho Federal de Marketing e que ainda não está registrada – cujo objetivo, segundo ele, é regulamentar a profissão. O CRA responde dizendo que Saback está praticando estelionato e que as medidas tomadas visam a defender os profissionais de administração. Enquanto André Saback, formado em marketing pela FIB - Centro Universitário da Bahia -, diz militar pela regulamentação da profissão, o Presidente do CRA/BA, Roberto Ibrahim Uehbe, afirma que o profissional criou uma associação clandestina, está emitindo carteirinhas, cobrando taxas e que foi cobrado pelo Conselho Federal de Administração por medidas que passam até por processar Saback, que diz ter recebido dois telefonemas anônimos na última semana em tom de ameaç