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Don Peppers: "O que vai determinar a sua fidelidade a marca é o relacionamento"

Vender o melhor produto e promover um serviço de excelência pode conquistar num primeiro momento, o que vai determinar a sua fidelidade a marca é o relacionamento.

Don Peppers, especialista em Marketing de Relacionamento, sócio-fundador do Peppers & Rogers Group e ator de best-sellers como “Marketing Um a Um” e “Retorno Sobre Clientes” respondeu, com exclusividade, às perguntas feitas por um grupo de executivos de grandes empresas brasileiras e internacionais sobre a importância do relacionamento com os clientes.

De acordo com Peppers, um dos maiores problemas dos programas de relacionamento está na adoção. “Um CRM não pode ser instalado. Ele precisa ser adotado com entusiasmo por todos os funcionários, canais de distribuição e outros envolvidos em qualquer atividade frente ao cliente”, explica. O especialista comentou ainda sobre programas específicos para a baixa renda, sobre a interação com o cliente, da importância do boca-a-boca, deu dicas de como aplicar uma gestão voltada para o cliente e das diferentes aplicações nos mais variados segmentos dos entrevistadores. Vale a pena conferir o material elaborado pelo site Mundo do Marketing.

Cyrille Verdier, Diretor-Geral da Accentiv na América Latina e Diretor de Gestão de Despesas e Marketing de Relacionamento na Accor Services no Brasil
Muito se fala no mercado, de exemplos de altos investimentos em projetos de CRM que não deram o retorno esperado para as empresas por má implementação. Quais foram os aprendizados e o que tem mudado, na prática, neste cenário recentemente?

Don Peppers: Ainda que muitos problemas relacionados a projetos de CRM tenham origem tecnológica, a grande maioria das falhas advém de outros fatores, que incluem a carência de uma visão sustentadora, a ausência de uma estratégia empresarial voltada ao cliente, falha em alinhar capacidades tecnológicas com práticas de gerenciamento em processos de negócios, capacitação e treinamento inadequados dos funcionários e atenção insuficiente às métricas mais apropriadas a uma estratégia focada no cliente.

Se fosse apontar o mais freqüente e grave problema responsável por fracassos em CRM, o chamaria de “problema de adoção”. Um CRM não pode ser instalado. Ele precisa ser adotado com entusiasmo por todos os funcionários, canais de distribuição e outros envolvidos em qualquer atividade frente ao cliente. Isso envolve o tipo de mudança de cultura que já mencionei, mas também requer um maior nível de poder por parte do funcionário. Na Stena Lines, em sua linha de cruzeiros Irish Sea, qualquer empregado tem poder para autorizar um gasto de até mil Libras Esterlinas (cerca de R$ 3.600,00) para satisfazer um cliente insatisfeito.

Nos hotéis da rede Ritz Carlton, qualquer funcionário é autorizado a gastar até dois mil Dólares (Cerca de R$ 1.700,00) para satisfazer ou solucionar o problema de um cliente. Nenhuma das empresas tem problemas com funcionários gastando em excesso. Na verdade, em nenhuma das empresas os funcionários chegam sequer perto de gastar o que são autorizados. Porém pelo simples fato de saberem que podem fazer o que estiver ao alcance caso precisem os confere a propriedade e responsabilidade pela satisfação dos clientes, como uma tarefa a ser desempenhada por suas empresas.

Andréa Cordeiro, Vice-Presidente de Marketing da Visa do Brasil
Como programas de fidelização para baixa renda podem ser rentáveis para a empresa?

Don Peppers: O fato de um cliente ter uma renda baixa não significa que ele não seja lucrativo. E se você aufere lucros quando um cliente compra de você, então terá mais lucros quando este cliente se mantém fiel e compra mais. Isso é apenas matemática, certo?

O verdadeiro problema com programas de fidelidade é que freqüentemente custam mais do que valem. Você não deveria planejar gastar a mesma quantidade de dinheiro com todos os seus clientes, uma vez que todos eles são diferentes. Então, a chave para se criar um programa de fidelidade que funcione para clientes de baixa renda é se assegurar que os custos do programa sejam mínimos. Evite malas diretas caras. Use formas de adesão dentro das lojas e comunicações on-line (mesmo as classes mais baixas se conectam à Internet nos dias de hoje!). Se você quiser, ainda que seus clientes de menor valor consumam uma quantidade desproporcional ao investimento, você pode até considerar a cobrança de uma pequena taxa para que participem do programa – uma taxa que seja pequena o suficiente para ser facilmente revertida em benefícios, mas grande o suficiente para desestimular aqueles que dificilmente não notem o benéfico.

Ricardo Pomeranz, Líder Mundial da Rapp Collins Digital
O CRM surgiu há aproximadamente duas décadas para ajudar as empresas a gerenciarem o relacionamento com sua base de consumidores. Nesses quase 20 anos, os consumidores mudaram e muito. Eles são mais informados, conectados e participativos. O que deve mudar nas estratégias de CRM das empresas frente a essa nova realidade?

Don Peppers: Em nosso primeiro livro, Marketing Um a UM, publicado pouco antes da Internet aparecer no início dos anos 90, nós predizemos que quando as empresas se tornam tecnologicamente capazes de interagir com seus clientes de uma maneira economicamente viável, elas poderiam usar a interatividade para tentar construir relacionamentos individuais, uma a um. Nosso livro descrevia um futuro para as empresas que começava com o conceito do CRM. O subtítulo desse primeiro livro era “Marketing Individualizado na Era do Cliente”.

Todavia, agora que os clientes estão tão facilmente conectados não apenas às empresas, mas também a outros clientes, você não podem mais gerenciar seus negócios um cliente de cada vez. Você terá que pensar nos amigos dos clientes, colegas de trabalho, familiares e todos aqueles que fazem parte de seu círculo social.
Pelo fato de os clientes se comunicarem agora tão freqüentemente entre si, é mais do que nunca importante dirigir o foco de sua empresa em ganhar a confiança deles. O boca-a-boca é sem dúvidas o meio mais antigo do mundo quando se trata de espalhar notícias a respeito de bons (ou maus) produtos ou serviços. Mas com as novas tecnologias fortalecendo a comunicação entre os clientes, todos parecem ter simultaneamente descoberto a possibilidade de que os clientes podem conversar entre si, o que certamente farão.

Veja a abelha, que é um inseto social. Abelhas se comunicam umas com as outras o tempo todo para explorar fontes de alimento que outras abelhas descobriram sozinhas em suas explorações solitárias. Quando uma abelha encontra uma promissora fonte de alimento, ela retorna à colméia e faz uma pequena “dança” para dizer às outras abelhas onde encontrar essa iguaria. A dança da abelha tem se mostrado sofisticada o suficiente para comunicar a direção a partir da colméia relativa ao sol, sua distância e a sua atratividade em geral. Imagine então, por um momento, que você é a fonte de alimento das abelhas (isso significa que você é a flor). Com suas cores vivas e doce aroma, você não tem dificuldade em atrair uma abelha para inspecioná-lo. Porém, quando essa abelha volta à colméia ela só fará a dança para as outras abelhas se julgar que o seu néctar é bom o bastante para justificar uma nova incursão.

Moral da história: Se seus clientes raramente se falam, então a propaganda domina. Cores vivas atrairão qualquer abelha. Porém, se seus clientes se comunicam, o que realmente conta é a experiência do consumidor. A experiência do cliente determinará se suas abelhas dançarão ou não. Em outras palavras, porque seus clientes se comunicam, a experiência que você os proporciona é mais importante do que a mensagem.

Desde que os clientes se falem, é importante reconhecer que um cliente pode criar (ou destruir) valor para você ainda que aquele cliente jamais passe pelo caixa de sua loja. Simplesmente recomendando você, ou desaconselhando, ou ainda tecendo comentários positivos ou negativos a seu respeito em discussões com outros potenciais clientes, o cliente irá criar ou destruir o valor real, afetando o valor e o ciclo de vida de outros clientes e potenciais clientes. Na verdade, o impacto econômico, positivo ou negativo, de um comentário de um cliente pode freqüentemente impactar quaisquer negócios que este cliente pode ou não ter com você.

Chieko Aoki, Presidente da rede Blue Tree Hotels
Se tudo gira em torno do relacionamento e o relacionamento depende de um profundo respeito pelo outro, pelo saber e querer ouvir, como o marketing pode ajudar na formação de marcas que perdurem?

Don Peppers: As marcas permanecerão com vital importância para o sucesso de qualquer empresa, especialmente na indústria do marketing de consumo. Entretanto, marcas e relacionamento com clientes operam em dimensões diferentes. Pense em duas tarefas que uma empresa precisa desempenhar para ser bem sucedida: (a) deve ser capaz de atender uma necessidade, e (b) precisa de um cliente que queira ter essa necessidade atendida. o branding opera na dimensão do produto (ou seja, a “necessidade” que um cliente tem). O profissional que gerencia a marca foca em um produto ou marca de cada vez e busca encontrar o maior número possível de clientes que queiram ter determinada necessidade atendida, ou comprar determinado produto. A definição do sucesso para este tipo de abordagem é a participação no mercado. Mas marketing um a um (ou programa de CRM) opera em outra dimensão. Ao invés de focar um produto ou marca de cada vez, o marketing um a um foca um cliente de cada vez e busca satisfazer o maior número de necessidades possível. A definição de sucesso não está na participação no mercado e sim na participação no cliente.

Chieko Aoki
Como falar com públicos diferentes, com necessidades e desejos distintos sem perder o tom, a equidade da marca?

Don Peppers: À medida que uma marca adquire uma participação maior no mercado, fica mais custoso atrair novos clientes. Se você tem, por exemplo, um market share de 20%, vai ser necessário um investimento maior para passar de 20% para 21% do que foi necessário para ir de 19% a 20% porque você agora precisa vender seu produto àqueles que não precisam tanto comprá-lo quando comparado à sua última oferta ou campanha. Por esta razão, quando se trata do crescimento do seu negócio, o marketing de massa tem perdido escala.

Porém, como a abordagem um a um obtém um valor mais alto para a participação em um determinado consumidor, fica mais fácil vender mais coisas a este consumidor. Clientes compram bens de fontes em que confiam, e quanto mais eu compro de você, é mais provável que eu confie em você em minha próxima compra. Então, em termos de crescimento de negócios, o CRM tem ganhos maiores em escala – assumindo que você o pratique corretamente, o que envolve focar em um cliente de cada vez e usar computadores para duplicar o processo através de milhares ou até milhões de indivíduos.

O CRM não contradiz ou invalida o marketing de massa. O marketing de massa e o marketing um a um não se contrapõe. São duas maneiras validas de se abordar um negócio, porém, elas o abordam em dimensões diferentes, como ilustrado no diagrama.


Reynaldo Naves Filho, Diretor de Marketing e Produtos da Ticket
Como podemos medir resultados práticos de programas de fidelização B2B, sem ser somente por meio de attition?

Don Peppers: Os programas de fidelidade B2B encontram o seu papel principal em “construir relacionamentos dentro de relacionamentos”. Programas de fidelidade podem ajudar a identificar as pessoas dentro de um cliente. Um programa de fidelidade devidamente estruturado deve ser atraente, de uma forma transparente e moral, aos indivíduos dentro de uma empresa cliente – influenciadores, decisores, aprovadores e determinadores de especificações. Individualmente.

Valéria Luiza Abreu, Gerente de Marketing de Relacionamento do Magazine Luiza
Sabemos que no varejo a preferência pelo resultado em curto prazo é maior e que as ações de mídia agressiva nos trazem clientes novos. No seu livro “Retorno sobre Clientes”, o senhor reflete sobre a retenção de clientes. Por favor, explore o que a minha empresa pode e precisa fazer para aumentar a retenção de clientes.

Don Peppers: A coisa mais eficaz que qualquer empresa pode fazer em primeiro lugar é ter um excelente, irretocável, atendimento ao cliente. Mas um serviço irretocável não será suficiente se todos os seus concorrentes também adotarem esta estratégia. O padrão do nível de serviço se elevará, mas seus clientes não encontrarão motivos para se manterem fiéis. Como um varejista, a melhor alternativa para estimular a fidelidade de seus clientes (partindo do pressuposto de que você já aperfeiçoou o nível de serviço) é adotar políticas baseadas na lembrança das pessoas e de suas preferências. Instrua seus vendedores a reconhecer clientes fiéis, freqüentes ou de alto valor quando entram na loja e chame-os pelo nome.

Aloque vendedores específicos para clientes de alto valor para garantir que eles possam a se lembrar deles de venda em venda. Implemente um banco de dados de clientes que relacione informações do ponto de venda com algum tipo de identidade do cliente ou cartão de fidelidade, assim você pode manter um histórico de quais produtos ou marcas em seus clientes de alto valor preferem, individualmente. E tente potencializar o diálogo que você tem com esses clientes. Convide-os a fazer comentários verbais ou escritos. Pergunte se tudo correu bem, sempre que fizer uma grande venda, ou uma venda incomum, e busque por quaisquer reclamações ou problemas e dê aos seus clientes uma satisfação das medidas tomadas.

Hélvio Ferreira dos Santos, Diretor de Relacionamento com Cliente da Oi
O mercado de Telecomunicações tende a ser cada vez mais convergente onde cada indivíduo ou domicílio passa a ser um Cliente Multiserviços. Hoje, o contact center é um dos principais canais de relacionamento Cliente-Empresa. Como o senhor vê a evolução desse canal de relacionamento no cenário de serviços convergentes?

Don Peppers: Clientes sempre foram capazes de interagir com empresas, porém, nos canais da empresa – através de correio, telefone ou por meio da força de vendas. Com a proliferação da tecnologia e o aumento da demanda dos clientes pela qualidade no serviço, o cliente agora controla a interação. Hoje, por exemplo, clientes esperam que os atendentes de um call center os reconheça imediatamente – assim seus atendentes precisam deter o perfil dos clientes na ponta dos dedos quando atenderem ou fizer uma ligação. Os clientes ainda precisam saber que têm opções de interatividade, como oferecer um feedback por e-mail ou por meio de sua página na Internet.

Especialmente no convergente setor de telecomunicações, quando um cliente pode estar lidando com um leque de diferentes empresas que compartilham uma mesma marca, linha fixa, celular e Internet banda larga, por exemplo – esse cliente espera que a empresa pro-ativamente administre toda sua experiência para aperfeiçoar cada relacionamento. Amplamente definida, a experiência do consumidor inclui toda a interatividade com a marca de um produto, as pessoas e processos através do tempo. Seu mais importante e não replicável ativo são seus clientes, então, cuidar desse ativo requer uma administração criteriosa, exatamente como uma empresa gerencia seus investimentos em capital. Não fazer isso coloca seus relacionamentos e sua receita em risco e no longo prazo pode levar à destruição do valor para o acionista.

Em seu setor, isso precisa ser real. Defina alguém como responsável pela experiência do cliente. Ou melhor, defina várias pessoas como responsáveis pela gestão da experiência do cliente em diferentes tipos de cliente – jovens casais, apaixonados por tecnologia, famílias com filhos, pequenas empresas, etc. Dê a estes gestores o máximo de responsabilidade possível para estabelecerem e determinarem quais serviços e ofertas serão disponibilizadas aos “seus” clientes, dentre todos os seus produtos. Esse é um bom começo.

José Afonso Mazzon, professor da FEA/USP e coordenador de projetos da FIA - Fundação Instituto de Administração
O CRM analítico tem poderosas ferramentas de análise de dados com o objetivo de atrair e manter os clientes mais rentáveis. Por que você acha que essas ferramentas não são usadas com freqüência?

Don Peppers: Em minha honesta opinião é que na maior parte das empresas o emprego de ninguém depende da análise! Pense nisso. Temos ferramentas capazes de calcular o valor do ciclo de vida para diferentes tipos de clientes. Agora, o trabalho de quem na empresa depende de preservar e aumentar esse valor? Há alguém encarregado disso? Na maior parte das empresas não há. Nós temos ferramentas que em alguns setores podem predizer a evasão dos clientes. Quem tem a responsabilidade por tentar fazer tais previsões? Na maioria das empresas, não há realmente ninguém responsável por isso. A razão para isso é que a grande maioria das empresas é organizada em torno dos produtos, serviços e canais – e não em torno dos clientes. Mas as mais sofisticadas e com resultados de análises interessantes são relativos aos clientes, e não aos produtos ou serviços.

José Afonso Mazzon
Um sistema de CRM em tempo real, com integração de dados coletados a partir de diferentes fontes e ferramentas da inteligência artificial capazes de identificar, no momento da compra, clientes rentáveis dispostos a serem fidelidados. Será isto uma utopia ou uma realidade?

Don Peppers: Seria um sistema utópico, mas tecnologicamente inevitável. Existirá provavelmente no Brasil ainda na sua geração e seguramente na geração de seus filhos.


Fonte: Por Bruno Mello, in www.mundodomarketing.com.br

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