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MST: Ataque ao capitalismo

Tradicionalmente, a cada mês de abril o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) dedica-se a uma sucessão de invasões de fazendas e prédios públicos. É uma estratégia que tem se repetido nos últimos 11 anos, no chamado "Abril Vermelho", como forma de relembrar o assassinato de 19 militantes em Eldorado dos Carajás, município do sul do Pará, em um confronto com policiais militares em 1996. Neste ano, os sem-terra apostaram em um novo formato de manifestação para insuflar ânimo e garantir mais impacto ao "Abril Vermelho". O palco escolhido foi a Estrada de Ferro Carajás, no município de Parauapebas, próximo da região onde os militantes foram mortos. O resultado da nova estratégia é a foto que ilustra a abertura desta reportagem: um grupo de sem-terra à frente de uma locomotiva da Vale, imobilizada em meio a um protesto contra o capitalismo, a iniciativa privada e companhias que representam o "neoliberalismo e a globalização". A reação do governo ao golpe de imagem do MST é nula. Mas as empresas, cada vez mais acuadas por ameaças desse tipo, começaram a reagir. Na invasão da Estrada de Ferro Carajás, a Vale acompanhou cada detalhe da mobilização dos sem-terra e deslocou até mesmo um helicóptero com um fotógrafo e um cinegrafista a bordo para registrar o protesto minuto a minuto, com o objetivo de identificar abusos cometidos pelos manifestantes.

A reação da Vale mostra uma nova conduta por parte das empresas com relação ao MST: elas decidiram sair da posição de alvo e contra-atacar. Para isso, têm contratado desde espiões infiltrados no movimento até advogados, sociólogos e analistas políticos que conheçam o modus operandi do movimento. A Vale é a empresa que está mais avançada nesse processo. A mineradora sofreu nove invasões nos últimos oito meses, e todas degeneraram em conflitos entre os sem-terra e funcionários. Numa dessas ações, na Estrada de Ferro Vitória­Minas, um operador de locomotiva de 63 anos foi tomado como refém por 12 horas. Noutra, os sem-terra interditaram a Estrada de Ferro Carajás e interromperam o fornecimento de minério por um dia. O prejuízo com as ações do MST foi estimado em 20 milhões de reais. O movimento, frente ao esgotamento de sua causa em prol da reforma agrária, partiu para uma campanha aberta contra a empresa e para defender sua reestatização. "A Vale é campeã em multas e agressões ao meio ambiente. Isso não é um problema só de reforma agrária, mas da humanidade e do povo brasileiro", diz Gilmar Mauro, um dos coordenadores do movimento. A reação da Vale tem sido dura. Seu presidente, Roger Agnelli, afirmou publicamente que as ações do MST eram "atos criminosos praticados por bandidos, que não respeitam a lei nem a democracia". Ciente dos riscos que corria durante o "Abril Vermelho", a Vale conseguiu, na Justiça do Pará, uma decisão inédita, obrigando a União e o governo estadual a agir imediatamente para impedir a ocupação da Estrada de Ferro Carajás em caso de invasão. Só no Pará, seis advogados ficaram de prontidão para acionar a Justiça contra o MST. Mas, escaldada com o freqüente descumprimento dessas ordens judiciais, a companhia acionou também seu grupo de crise, sediado no Rio de Janeiro, e mobilizou mais de 100 funcionários em todo o país para reagir aos sem-terra.


Na mira do MST
As empresas que se transformaram em alvo constante das ações dos sem-terra:

VALE
A mineradora é alvo de uma feroz campanha do MST. Foram três ações só neste ano. O movimento quer a reestatização da empresa

AMBEV
No início de abril, 600 famílias invadiram uma área ao lado da fábrica de Agudos, no interior de São Paulo, mas saíram por determinação da Justiça

ARACRUZ
Uma fazenda de reflorestamento da empresa na Bahia foi ocupada no início de abril por 700 sem-terra. Foi a terceira invasão em áreas da Aracruz desde 2005

MONSANTO
A unidade de Santa Cruz das Palmeiras, em São Paulo, foi invadida e destruída em março. Desde 2001, a Monsanto já sofreu cinco invasões

CUTRALE
A fazenda da empresa no município de Araraquara, em São Paulo, está ocupada por 600 famílias de sem-terra, que resistem à ordem de reintegração de posse

SYNGENTA
A estação de pesquisa de Cascavel, no Paraná, está ocupada desde novembro. Um sem-terra e um segurança morreram em confronto durante a invasão


O GRUPO DE CRISE DA VALE, que funciona como uma espécie de central de inteligência da empresa, já atuou em outros episódios de conflitos e ameaças de invasões, como a dos índios xicrim, em outubro de 2006. Desde o ano passado, tem dedicado especial atenção à movimentação do MST. Em março, quando os líderes dos sem-terra anunciaram que se mobilizariam contra a Vale, o grupo passou a se reunir pelo menos duas vezes por dia, ocasiões em que analisaram possíveis alvos, fragilidades no esquema de segurança e principalmente estratégias para conter abusos dos manifestantes. Entre a segunda quinzena de março e a última semana de abril, período crítico das invasões, a sala de crise da empresa no Rio de Janeiro funcionou a todo o vapor. Cerca de 20 funcionários, entre advogados, chefes de segurança, assessores de imprensa e diretores da companhia, participavam de duas teleconferências diárias para rever a situação e tomar decisões sobre o que fazer. Enquanto isso, outro grupo de funcionários percorria as ferrovias e áreas da Vale para detectar ameaças de ataques. Também tem se tornado comum na empresa a troca de informações sobre a movimentação dos sem-terra com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). "O grupo de crise tem total autonomia para tomar decisões, que não precisam nem mesmo passar por outros níveis hierárquicos da empresa", diz Walter Cover, diretor de projetos institucionais e de sustentabilidade da Vale e responsável pela operação do grupo de crise. Cover, no entanto, não revela que decisões são essas, consideradas estratégicas pela empresa.

Apesar de não ser a única companhia sob a mira dos sem-terra, a Vale é uma exceção na forma como trata abertamente do assunto. Para esta reportagem, EXAME entrou em contato com dez empresas que já sofreram algum tipo de ação dos sem-terra. Apenas duas, além da Vale, concordaram em falar sobre o assunto, mas preferiram não ter seu nome divulgado para não provocar reação do MST. "Todas as vezes que falamos contra os sem-terra, uma unidade nossa é invadida", diz o diretor de uma dessas empresas, uma multinacional do setor agropecuário, com presença em todo o Brasil. Segundo ele, a companhia já contratou, no passado, consultorias privadas de inteligência para antecipar as ações do movimento. A princípio eram contratos esporádicos, firmados em momentos mais críticos. Mas as constantes invasões do MST fizeram com que a companhia decidisse implantar, há seis meses, um departamento interno de segurança patrimo nial voltado para o monitoramento de invasões. "Passamos a ter uma preocupação maior em antecipar as invasões e proteger os funcionários. Eles ficam muito assustados quando vêem os sem-terra brandindo foices e facões", diz o diretor. Embora a orientação de não reagir seja unânime, nem sempre isso acontece. Em outubro passado, em Santa Tereza do Oeste, no Paraná, um sem-terra e um segurança da multinacional de sementes Syngenta morreram durante um conflito na invasão de uma estação de pesquisas.

Para o filósofo Denis Rosenfield, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que estuda o MST há oito anos, a adoção de reações truculentas contra os sem-terra é um "equívoco estratégico" para as empresas. "Esse tipo de ação desastrada cria mártires para o MST e tem um efeito bombástico na opinião pública", diz. O confronto com o movimento, para o professor, deveria ser feito justamente da forma que a maioria das empresas tem procurado evitar, ou seja, com a maior transparência possível. "O MST não tem reivindicações que as empresas possam atender. O que eles querem é influenciar a opinião pública. Assim, é preciso brigar no mesmo nível", diz Rosenfield. "Além disso, muitos governantes e até mesmo juízes só agem sob pressão." Desde o início do ano, Rosenfield já foi chamado para dar palestras sobre o MST a uma dúzia de empresas e federações setoriais. "Os empresários querem entender o que é o movimento, como ele funciona, quem são seus líderes e qual a melhor maneira de reagir."

Rosenfield diz que a tendência é que as invasões de áreas de empresas privadas aumentem nos próximos anos. Agora, se alinham entre os inimigos dos sem-terra empresas sucroalcooleiras, de pesquisas agronômicas (como Monsanto e Syngenta), da área de papel e celulose (Aracruz) e de mineração (Vale) -- setores que de certa forma se enquadram dentro da lógica do movimento. No entanto, os sem-terra têm ido além e atacado empresas que nada têm a ver com sua bandeira. É o caso da Ambev, que teve uma área invadida pela primeira vez neste ano, ao lado de sua fábrica em Agudos, na região de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Os sem-terra usaram a estapafúrdia alegação de que a empresa polui o aqüífero Guarani, a colossal reserva subterrânea de água que se estende por boa parte das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste do Brasil. Oficialmente, a Ambev considerou o protesto um fato isolado sem maiores conseqüências. "Esse é um tipo de ação que só vai se radicalizar daqui para a frente", diz Rosenfield. "Ainda falta compreensão política às empresas para perceber que a melhor defesa, nesses casos, é a reação." É o que resta quando o Estado se exime de exercer sua função de assegurar direitos básicos de pessoas e de empresas.


Fonte: Por Malu Gaspar, in portalexame.abril.com.br

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