A reunião da SBPC, que acaba de se realizar em Campinas contribuiu, novamente como ocorre todos os anos, para ampliar o debate sobre o papel da ciência e da tecnologia no mundo contemporâneo e para chamar a atenção ( o que nos diz diretamente respeito), sobre a importância da divulgação científica e do jornalismo científico em particular.
Infelizmente, temos ainda um caminho imenso e árduo a trilhar por vários motivos, mesmo admitindo que a situação é hoje melhor do que a que vigorava há uma década ou mais.
Em primeiro lugar, como ficou evidente em um dos simpósios promovidos pela ABJC (Associação Brasileira de Jornalismo Científico) na SBPC, a formação dos jornalistas e divulgadores ainda é deficiente, sobretudo porque a maioria dos cursos de Jornalismo não incorpora ao menos uma disciplina ou espaço regular para o estudo, a pesquisa e a reflexão que contemplem o processo de divulgação científica. Isso significa que, além da deficiência do ensino formal de ciências no Brasil (temos uma carência imensa de professores em Biologia, Química e Física, por exemplo), os futuros jornalistas, mesmo em universidades públicas, não dispõem de conteúdos e discussões em áreas fundamentais para a formação científica, como a Sociologia, a Filosofia e a História da Ciência. Isso quer dizer que encontrarão dificuldade para contextualizar os grandes temas científicos e, sobretudo, para enxergá-los a partir de uma perspectiva crítica.
Em segundo lugar, os nossos centros produtores de conhecimento e pesquisa (institutos e universidades), com raras exceções ( a Embrapa e a Fiocruz são certamente os melhores exemplos), exibem uma cultura de comunicação, ou seja não estão definitivamente comprometidos com a democratização do conhecimento e, portanto, não dispõem uma estrutura profissional em comunicação/jornalismo para compartilhar resultados de pesquisa e alimentar o debate sobre a ciência e a tecnologia e seu impacto na sociedade.
Em terceiro lugar, há um preconceito (que já foi maior, reconhecemos) da comunidade acadêmica e científica com o Jornalismo Científico em particular e com a divulgação científica de maneira geral. Muitos pesquisadores, diretores de Institutos e mesmo autoridades que avaliam os nossos programas de Pós-Graduação (inclusive os da área da Comunicação Social), julgam que a tarefa de prestar contas à sociedade não é necessário ou relevante e que, portanto, o trabalho de divulgar deve ser relegado a um segundo plano ou descartado, porque não conseguem enxergar além dos limites do cientificismo e da chamada produtividade científica. Em geral, avaliam muito positivamente o pesquisador que publica um artigo numa revista Qualis A internacional, mas torcem o nariz quando se defrontam com um colega que contribui regularmente com um veículo de imprensa. Acreditam piamente que os livros técnico-científicos, a literatura especializada, têm valor e que os de divulgação científica, não. Não estão dispostos a dialogar com a sociedade e vêem a mídia como adversária, embora, em muitos casos, ela efetivamente tenha dado (e continua dando) razão a eles em virtude de um trabalho não competente de divulgação, marcado pela imprecisão no trato dos conceitos e por um sensacionalismo indevido. Não podemos, inclusive, deixar de mencionar o fato de que o próprio Comitê de Divulgação Científica do CNPq não incorpora um representante da área de Jornalismo Científico e que, mesmo nos altos escalões da ciência e da tecnologia brasileiras, se vislumbre o jornalismo científico com preconceito, ainda que o discurso oficial proclame o contrário.
Pesquisadores e jornalistas/divulgadores precisam estabelecer definitivamente uma relação de parceria porque ela é vital para a sociedade, porque pode contribuir para reduzir a exclusão social, promover a alfabetização científica e para incluir segmentos da sociedade no debate sobre a ciência e a tecnologia.
Numa sociedade democrática, não é razoável que a decisão sobre investimentos em ciência e tecnologia (investir em nanotecnologia, células-tronco, transgênicos, fármacos, biocombustível, por exemplo) exclua outros setores que não a comunidade científica, mesmo porque, num País onde o Estado, o Governo é o maior patrocinador da ciência e da tecnologia, somos todos nós, afinal de contas, que pagamos esta conta.
Estamos necessitando cada vez mais de divulgadores científicos, de jornalistas científicos, de pesquisadores e cientistas (como Marcelo Gleiser, Roberto Lent e muitos outros) que sigam o exemplo magnífico de José Reis, cientista de prestígio e que dedicou sua vida ao Jornalismo Científico, colaborando por mais de 50 anos regularmente com a Folha de S. Paulo (ah, que saudades da coluna Periscópio e de sua visão comprometida com a democratização do conhecimento). Precisamos formar jornalistas com o perfil de Marcelo Leite e Washington Novaes (para só citar dois casos) que se debruçam com competência sobre temas complexos e que (isso é essencial) os contemplem criticamente, identificando a verdadeira contribuição da ciência e da tecnologia e os interesses que delas se cercam para obtenção de vantagens para pessoas, empresas e governos (alguém duvida que interesses empresariais, políticos e militares contaminam recorrentemente a produção e a divulgação da ciência e da tecnologia?).
Precisamos de fontes dispostas e competentes para subsidiar o processo de divulgação científica e o Jornalismo Científico em particular e, em especial de fontes independentes (infelizmente, mas faz parte do negócio, há bocas alugadas de empresas , governos e grupos por aí, travestidas de cientistas e pesquisadores e isso ocorre em todo o mundo).
O que você imagina quando vê campanhas de propaganda de medicamentos exibidas na TV com a assinatura de sociedades científicas ou profissionais? O que você pode deduzir quando percebe cientistas e pesquisadores militando em favor de interesses empresariais ou sendo por eles cooptados em troca de prestígio ou grana mesmo? Você ainda acha que diretores de pesquisa e desenvolvimento de algumas corporações (da indústria do fumo, da saúde, agroquímica etc) são fontes isentas? Você acha que eles falam em nome da ciência ou apenas têm compromisso com a verdade e os lucros de seus patrões? Você ainda acredita na neutralidade da ciência e já se questionou a respeito dos interesses de quem financia ou patrocina a produção da ciência? Afinal de contas, você acredita que existe mesmo "almoço grátis"?
A parceria entre jornalistas/divulgadores e pesquisadores/cientistas é vital para a democracia. Para isso, precisamos estimular o diálogo, multiplicar as convivências como assistimos na reunião da SBPC. Juntos, podemos construir uma sociedade melhor, mais justa, menos dependente dos monopólios (como o da mídia e das sementes!) , promover um debate diverso ( portanto não transgênico, não agrotóxico, não militarista, como propõem algumas empresas e governos, respaldados em lobbies ilegítimos que tentam impor de maneira predadora os seus interesses espúrios).
A ciência e a tecnologia são importantes, mas devem estar comprometidas com o interesse público e não podem, no processo de divulgação, ser falseadas, para atender objetivos que se situam em outras vertentes.
Os jornalistas críticos e os pesquisadores/cientistas independentes precisam dar as mãos para enfrentar esses lobbies formidáveis que penalizam a sociedade em favor dos lucros das empresas e governos que os patrocinam.
Logo, algumas dicas úteis, para você que trabalha, prioritariamente, ou não com a divulgação de informações especializadas. Olho vivo com releases oriundos de determinadas organizações e, antes de divulgá-los, faça o caminho natural: veja quem está por trás deles, quem irá lucrar com a sua divulgação, "follow the money" (siga o dinheiro), como dizem os americanos (e eles entendem muito disso). Não seja seduzido pelo canto de sereia das novas tecnologias, mas a contemple criticamente. Busque cientistas independentes, antes de ser utilizado como "laranja" ou mula para determinados interesses. Confronte idéias,ouça o outro lado. Caso contrário, acabará acreditando que os transgênicos vão mesmo matar a fome do mundo, a indústria da saúde existe para salvar a vida dos cidadãos, os agrotóxicos são remedinho de planta (são veneno e dos bravos!) e é mesmo necessário invadir países a torto e a direito (sobretudo os que têm petróleo) para combater o terrorismo. Não acredite que, para parar de fumar, é preciso tomar remédio (caríssimo) promovido amplamente por uma indústria farmacêutica (mudar os seus hábitos, funciona muito mais!) e que a indústria de fast-food está interessada na alimentação saudável dos seus filhos. Não acredite que a auto-regulação seja a solução para coibir abusos na propaganda de bebidas, alimentos para crianças, medicamentos etc e que as restrições a essa propaganda tenham a ver mesmo com a afronta à liberdade de expressão (mas tem tudo a ver, pode acreditar, com os lucros de veículos, agências e anunciantes!).
O jornalista científico bem formado não tem pacto com a ingenuidade e não se deixa iludir com esse discurso manipulador que vigora por aí que proclama responsabilidade social (como faz a indústria tabagista que mata milhões em todo mundo) ou sustentabilidade (quem fabrica e vende veneno ou defende e pratica a monocultura, qualquer que ela seja, é sustentável de araque!). Investigue, busque fontes fidedignas, respeite os pesquisadores verdadeiramente independentes. Não acredite em quem está querendo apenas ganhar dinheiro com uma divulgação pretensamente científica e, necessariamente, não acredite em alguém apenas porque exibe o título de doutor ou titular de universidade alguma ou tem um generoso currículo Lattes. Há gente boa e gente mal intencionada em todos os lugares e produção grande não quer dizer produção comprometida com o interesse público. O importante será sempre separar o joio do trigo. Valorize apenas as fontes que não são bocas alugadas e desconfie daquelas que para salvar a própria pele (ganhar prestígio, dinheiro com palestras e consultorias) cerram fileiras em torno de grandes interesses políticos e empresariais.
O bom jornalista científico não é apenas aquele domina a técnica jornalística, mas o que principalmente quer e sabe enxergar além da notícia. Leia mais, pesquise mais, desconfie mais das fontes que empurram notícias para os jornalistas, mesmo na área de ciência e tecnologia. Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Polemize, discuta, confronte fontes, denuncie tentativas de manipulação, desmascare quem está usando a ciência para vender produtos e processos. Lembre-se sempre: quando se poupa o lobo, coloca-se a vida da ovelha em risco.
Em tempo: uma dica última e que funciona muito bem. Ao receber um release de uma empresa ou organização, tente descobrir também o seu "currículo" para ver se elas têm ou não problemas no passado (pressão sobre jornalistas e pesquisadores, prática de suborno, prejuízo a comunidades, crimes ambientais ou financeiros etc). Para isso, dê uma navegada no Google, colocando como assunto o nome da empresa (no caso de organizações, busque sempre as empresas que as patrocinam porque as organizações são criadas exatamente para disfarçar esses interesses) mais a palavra problemas (os resultados são maiores quando se coloca o nome da empresa e "problems", se forem empresas globais, porque muita coisa não sai em Português, mas o Inglês é implacável com organizações predadoras). Ponha "agente laranja no Vietnã", por exemplo, e verá o que pode resgatar (vai ver tem até empresas que ainda estão por aqui envolvidas nesse genocídio) ou Projeto BioAmazônia, ou ainda "suborno na Indonésia" (só um exemplo, pode ser em outro lugar), morte com agrotóxicos (quem sabe as empresas que prometem matar a fome no mundo também não produzem agrotóxicos, sabe-se lá! Seria uma contradição, se isso acontecesse, porque elas dizem que a campanha contra os transgênicos é financiada por empresas de agrotóxicos!), mortes por amianto (mata mesmo, não tenha dúvida). Poderá ter grandes surpresas nessas buscas e em outras que, eventualmente, puder fazer. Se não gostar do que encontrou, talvez seja melhor não publicar o release. O que acha? Ou você, mesmo assim, sendo responsável como é, irá continuar fazendo o jogo errado? Valerá a pena divulgar a empresas que têm esse passivo? E olha lá: não fui eu quem escrevi esses links de notícias que poderá encontrar no Google. Logo, sou insuspeito nesses casos. Boa busca na Web, meu amigo, minha amiga.
Fonte: Por Wilson da Costa Bueno, in portalimprensa.uol.com.br
Infelizmente, temos ainda um caminho imenso e árduo a trilhar por vários motivos, mesmo admitindo que a situação é hoje melhor do que a que vigorava há uma década ou mais.
Em primeiro lugar, como ficou evidente em um dos simpósios promovidos pela ABJC (Associação Brasileira de Jornalismo Científico) na SBPC, a formação dos jornalistas e divulgadores ainda é deficiente, sobretudo porque a maioria dos cursos de Jornalismo não incorpora ao menos uma disciplina ou espaço regular para o estudo, a pesquisa e a reflexão que contemplem o processo de divulgação científica. Isso significa que, além da deficiência do ensino formal de ciências no Brasil (temos uma carência imensa de professores em Biologia, Química e Física, por exemplo), os futuros jornalistas, mesmo em universidades públicas, não dispõem de conteúdos e discussões em áreas fundamentais para a formação científica, como a Sociologia, a Filosofia e a História da Ciência. Isso quer dizer que encontrarão dificuldade para contextualizar os grandes temas científicos e, sobretudo, para enxergá-los a partir de uma perspectiva crítica.
Em segundo lugar, os nossos centros produtores de conhecimento e pesquisa (institutos e universidades), com raras exceções ( a Embrapa e a Fiocruz são certamente os melhores exemplos), exibem uma cultura de comunicação, ou seja não estão definitivamente comprometidos com a democratização do conhecimento e, portanto, não dispõem uma estrutura profissional em comunicação/jornalismo para compartilhar resultados de pesquisa e alimentar o debate sobre a ciência e a tecnologia e seu impacto na sociedade.
Em terceiro lugar, há um preconceito (que já foi maior, reconhecemos) da comunidade acadêmica e científica com o Jornalismo Científico em particular e com a divulgação científica de maneira geral. Muitos pesquisadores, diretores de Institutos e mesmo autoridades que avaliam os nossos programas de Pós-Graduação (inclusive os da área da Comunicação Social), julgam que a tarefa de prestar contas à sociedade não é necessário ou relevante e que, portanto, o trabalho de divulgar deve ser relegado a um segundo plano ou descartado, porque não conseguem enxergar além dos limites do cientificismo e da chamada produtividade científica. Em geral, avaliam muito positivamente o pesquisador que publica um artigo numa revista Qualis A internacional, mas torcem o nariz quando se defrontam com um colega que contribui regularmente com um veículo de imprensa. Acreditam piamente que os livros técnico-científicos, a literatura especializada, têm valor e que os de divulgação científica, não. Não estão dispostos a dialogar com a sociedade e vêem a mídia como adversária, embora, em muitos casos, ela efetivamente tenha dado (e continua dando) razão a eles em virtude de um trabalho não competente de divulgação, marcado pela imprecisão no trato dos conceitos e por um sensacionalismo indevido. Não podemos, inclusive, deixar de mencionar o fato de que o próprio Comitê de Divulgação Científica do CNPq não incorpora um representante da área de Jornalismo Científico e que, mesmo nos altos escalões da ciência e da tecnologia brasileiras, se vislumbre o jornalismo científico com preconceito, ainda que o discurso oficial proclame o contrário.
Pesquisadores e jornalistas/divulgadores precisam estabelecer definitivamente uma relação de parceria porque ela é vital para a sociedade, porque pode contribuir para reduzir a exclusão social, promover a alfabetização científica e para incluir segmentos da sociedade no debate sobre a ciência e a tecnologia.
Numa sociedade democrática, não é razoável que a decisão sobre investimentos em ciência e tecnologia (investir em nanotecnologia, células-tronco, transgênicos, fármacos, biocombustível, por exemplo) exclua outros setores que não a comunidade científica, mesmo porque, num País onde o Estado, o Governo é o maior patrocinador da ciência e da tecnologia, somos todos nós, afinal de contas, que pagamos esta conta.
Estamos necessitando cada vez mais de divulgadores científicos, de jornalistas científicos, de pesquisadores e cientistas (como Marcelo Gleiser, Roberto Lent e muitos outros) que sigam o exemplo magnífico de José Reis, cientista de prestígio e que dedicou sua vida ao Jornalismo Científico, colaborando por mais de 50 anos regularmente com a Folha de S. Paulo (ah, que saudades da coluna Periscópio e de sua visão comprometida com a democratização do conhecimento). Precisamos formar jornalistas com o perfil de Marcelo Leite e Washington Novaes (para só citar dois casos) que se debruçam com competência sobre temas complexos e que (isso é essencial) os contemplem criticamente, identificando a verdadeira contribuição da ciência e da tecnologia e os interesses que delas se cercam para obtenção de vantagens para pessoas, empresas e governos (alguém duvida que interesses empresariais, políticos e militares contaminam recorrentemente a produção e a divulgação da ciência e da tecnologia?).
Precisamos de fontes dispostas e competentes para subsidiar o processo de divulgação científica e o Jornalismo Científico em particular e, em especial de fontes independentes (infelizmente, mas faz parte do negócio, há bocas alugadas de empresas , governos e grupos por aí, travestidas de cientistas e pesquisadores e isso ocorre em todo o mundo).
O que você imagina quando vê campanhas de propaganda de medicamentos exibidas na TV com a assinatura de sociedades científicas ou profissionais? O que você pode deduzir quando percebe cientistas e pesquisadores militando em favor de interesses empresariais ou sendo por eles cooptados em troca de prestígio ou grana mesmo? Você ainda acha que diretores de pesquisa e desenvolvimento de algumas corporações (da indústria do fumo, da saúde, agroquímica etc) são fontes isentas? Você acha que eles falam em nome da ciência ou apenas têm compromisso com a verdade e os lucros de seus patrões? Você ainda acredita na neutralidade da ciência e já se questionou a respeito dos interesses de quem financia ou patrocina a produção da ciência? Afinal de contas, você acredita que existe mesmo "almoço grátis"?
A parceria entre jornalistas/divulgadores e pesquisadores/cientistas é vital para a democracia. Para isso, precisamos estimular o diálogo, multiplicar as convivências como assistimos na reunião da SBPC. Juntos, podemos construir uma sociedade melhor, mais justa, menos dependente dos monopólios (como o da mídia e das sementes!) , promover um debate diverso ( portanto não transgênico, não agrotóxico, não militarista, como propõem algumas empresas e governos, respaldados em lobbies ilegítimos que tentam impor de maneira predadora os seus interesses espúrios).
A ciência e a tecnologia são importantes, mas devem estar comprometidas com o interesse público e não podem, no processo de divulgação, ser falseadas, para atender objetivos que se situam em outras vertentes.
Os jornalistas críticos e os pesquisadores/cientistas independentes precisam dar as mãos para enfrentar esses lobbies formidáveis que penalizam a sociedade em favor dos lucros das empresas e governos que os patrocinam.
Logo, algumas dicas úteis, para você que trabalha, prioritariamente, ou não com a divulgação de informações especializadas. Olho vivo com releases oriundos de determinadas organizações e, antes de divulgá-los, faça o caminho natural: veja quem está por trás deles, quem irá lucrar com a sua divulgação, "follow the money" (siga o dinheiro), como dizem os americanos (e eles entendem muito disso). Não seja seduzido pelo canto de sereia das novas tecnologias, mas a contemple criticamente. Busque cientistas independentes, antes de ser utilizado como "laranja" ou mula para determinados interesses. Confronte idéias,ouça o outro lado. Caso contrário, acabará acreditando que os transgênicos vão mesmo matar a fome do mundo, a indústria da saúde existe para salvar a vida dos cidadãos, os agrotóxicos são remedinho de planta (são veneno e dos bravos!) e é mesmo necessário invadir países a torto e a direito (sobretudo os que têm petróleo) para combater o terrorismo. Não acredite que, para parar de fumar, é preciso tomar remédio (caríssimo) promovido amplamente por uma indústria farmacêutica (mudar os seus hábitos, funciona muito mais!) e que a indústria de fast-food está interessada na alimentação saudável dos seus filhos. Não acredite que a auto-regulação seja a solução para coibir abusos na propaganda de bebidas, alimentos para crianças, medicamentos etc e que as restrições a essa propaganda tenham a ver mesmo com a afronta à liberdade de expressão (mas tem tudo a ver, pode acreditar, com os lucros de veículos, agências e anunciantes!).
O jornalista científico bem formado não tem pacto com a ingenuidade e não se deixa iludir com esse discurso manipulador que vigora por aí que proclama responsabilidade social (como faz a indústria tabagista que mata milhões em todo mundo) ou sustentabilidade (quem fabrica e vende veneno ou defende e pratica a monocultura, qualquer que ela seja, é sustentável de araque!). Investigue, busque fontes fidedignas, respeite os pesquisadores verdadeiramente independentes. Não acredite em quem está querendo apenas ganhar dinheiro com uma divulgação pretensamente científica e, necessariamente, não acredite em alguém apenas porque exibe o título de doutor ou titular de universidade alguma ou tem um generoso currículo Lattes. Há gente boa e gente mal intencionada em todos os lugares e produção grande não quer dizer produção comprometida com o interesse público. O importante será sempre separar o joio do trigo. Valorize apenas as fontes que não são bocas alugadas e desconfie daquelas que para salvar a própria pele (ganhar prestígio, dinheiro com palestras e consultorias) cerram fileiras em torno de grandes interesses políticos e empresariais.
O bom jornalista científico não é apenas aquele domina a técnica jornalística, mas o que principalmente quer e sabe enxergar além da notícia. Leia mais, pesquise mais, desconfie mais das fontes que empurram notícias para os jornalistas, mesmo na área de ciência e tecnologia. Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Polemize, discuta, confronte fontes, denuncie tentativas de manipulação, desmascare quem está usando a ciência para vender produtos e processos. Lembre-se sempre: quando se poupa o lobo, coloca-se a vida da ovelha em risco.
Em tempo: uma dica última e que funciona muito bem. Ao receber um release de uma empresa ou organização, tente descobrir também o seu "currículo" para ver se elas têm ou não problemas no passado (pressão sobre jornalistas e pesquisadores, prática de suborno, prejuízo a comunidades, crimes ambientais ou financeiros etc). Para isso, dê uma navegada no Google, colocando como assunto o nome da empresa (no caso de organizações, busque sempre as empresas que as patrocinam porque as organizações são criadas exatamente para disfarçar esses interesses) mais a palavra problemas (os resultados são maiores quando se coloca o nome da empresa e "problems", se forem empresas globais, porque muita coisa não sai em Português, mas o Inglês é implacável com organizações predadoras). Ponha "agente laranja no Vietnã", por exemplo, e verá o que pode resgatar (vai ver tem até empresas que ainda estão por aqui envolvidas nesse genocídio) ou Projeto BioAmazônia, ou ainda "suborno na Indonésia" (só um exemplo, pode ser em outro lugar), morte com agrotóxicos (quem sabe as empresas que prometem matar a fome no mundo também não produzem agrotóxicos, sabe-se lá! Seria uma contradição, se isso acontecesse, porque elas dizem que a campanha contra os transgênicos é financiada por empresas de agrotóxicos!), mortes por amianto (mata mesmo, não tenha dúvida). Poderá ter grandes surpresas nessas buscas e em outras que, eventualmente, puder fazer. Se não gostar do que encontrou, talvez seja melhor não publicar o release. O que acha? Ou você, mesmo assim, sendo responsável como é, irá continuar fazendo o jogo errado? Valerá a pena divulgar a empresas que têm esse passivo? E olha lá: não fui eu quem escrevi esses links de notícias que poderá encontrar no Google. Logo, sou insuspeito nesses casos. Boa busca na Web, meu amigo, minha amiga.
Fonte: Por Wilson da Costa Bueno, in portalimprensa.uol.com.br
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