Há quase dois anos, o jornal Valor Econômico publicou uma matéria que começava assim: “Hoje em dia, toda loja quer ser butique, toda marca quer ser grife e toda grife quer ser premium” (06/11/2006). Nada mais correto: a ascensão do mercado de bens de luxo no mundo todo criou uma corrida pelo consumidor de alto padrão. A promessa de margens elevadas e demanda inelástica seduziu inúmeras empresas, muitas delas historicamente pertencentes a negócios essencialmente de massa, e não exclusivos.
De minha parte, sempre que consultado a respeito, disse que o melhor que os empresários poderiam fazer em relação ao crescimento do mercado de luxo era aprender. Deviam observar técnicas de marketing e vendas que lhes poderiam ser úteis em quaisquer setores, mesmo os mais populares, mas não necessariamente tentar ingressar no mercado de luxo, ramo que exige expertise e altos investimentos. Dois exemplos de produtos da indústria automobilística internacional ilustram bem o porquê dessa recomendação.
Em 2003, a Volkswagen aventurou-se no mercado de carros de luxo. Lançou nos Estados Unidos e na Europa o Phaeton (lê-se “Fíton”), modelo top de linha que custava aproximadamente US$ 70 mil. A intenção declarada era concorrer com automóveis como o Mercedes Classe S ou o Audi A8, da mesma faixa de preço. A propaganda enfatizava a qualidade e o design do carro, comparando-o a modelos da BMW, Mercedes e Lexus. Depois de três anos, o Phaeton saiu de linha, com um saldo de menos de 10 mil automóveis vendidos.
O erro da VW foi tentar ingressar em um mercado no qual, mais do que um produto de excelência, é necessário possuir uma marca de prestígio. A VW tinha apenas o primeiro elemento dessa equação. Como já se sabe, consumidores de produtos de luxo se importam muito com a marca do produto que adquirem, pois é ela que oferece prestígio social e funciona como garantia de qualidade. No momento em que a VW posicionou seu carro como um concorrente direto de modelos da BMW, Mercedes, Audi e Lexus, pareceu fácil para o consumidor decidir: entre produtos que têm tradição de excelência e marca associada ao segmento de luxo e outro com histórico de modelos populares e nenhum apelo de prestígio, optou por descartar o carro da VW. Conforme disse um revendedor da própria Volks nos EUA, “ninguém quer chegar no clube de golfe dirigindo um VW”.
Caminho diferente adotou a Hyundai na campanha publicitária de seu modelo Azera, lançado no Brasil no início deste ano. As peças de propaganda também fazem comparações entre o modelo à venda e produtos tradicionais do segmento de luxo, como Mercedes, BMW e Jaguar. E são bem explícitas quanto a isso:
“Mais espaço interno que uma BMW Série 7. Mais potente que uma Mercedes Classe C. Mais equipado que um Jaguar XJ”.
Lembra a estratégia de divulgação do Phaeton? Quase, não fosse por um detalhe que os anúncios do Azera esclarecem logo em seguida:
“E o mais impressionante: o preço”
De fato, o Azera custa (bem) menos que todos os carros aos quais ele foi comparado no anúncio. Enquanto o veículo coreano sai por cerca de R$ 105 mil, o Mercedes Classe C não custa menos de R$ 200 mil, o BMW Série 7 é vendido por quase R$ 500 mil e o Jaguar XJ fica entre R$ 390 mil e R$ 460 mil. O recado da Hyundai é claro: compre um carro tão bom quanto os melhores do mundo por um preço diminuto (para os padrões da categoria, claro).
Ao invés de tentar competir diretamente com as maiores marcas de automóveis de luxo do mundo, a Hyundai se serve delas para posicionar o seu produto. Faz isso de maneira inteligente, usando um apelo híbrido que contempla o posicionamento em relação a uma classe inteira de produtos (no caso, a de automóveis de luxo, através da comparação com ícones do setor) e o de preço-qualidade (ou custo-benefício).
Na prática, no entanto, a intenção da Hyundai não é disputar potenciais compradores dos automóveis com os quais ela compara o Azera. Ao contrário. É atrair atenção para o seu produto enquanto disputa clientes de modelos de uma faixa de preço equivalente a sua, como o Ford Fusion, o Chevrolet Omega e o VW Passat. Como bem afirmou a revista Quatro Rodas, “A Hyundai mira nas estrelas para acertar os aviões”. Perfeita definição.
Os resultados, segundo a própria Hyundai, são animadores: 675 unidades vendidas no 1º trimestre, contra 256 do Omega, 254 do Passat e 219 do Toyota Camry, também da mesma faixa de preço. Já o episódio do Phaeton entrou para a história recente da VW como um fracasso previsível e perfeitamente evitável. Se a VW queria mesmo ingressar no mercado de luxo, deveria criar uma marca própria para isso (a qual, aliás, já possuía: Audi). Descartada essa opção, jamais deveria posicionar seu produto como um carro de luxo, segmento no qual sua marca nada significa para o consumidor.
As lições desses dois episódios:
1. Marcas não se tornam marcas de luxo de uma hora para outra. Devem nascer voltadas para o mercado de luxo. Não por acaso a VW é dona da Audi, a Toyota tem a Lexus e a Nissan, a Infiniti: todas essas montadoras reconheceram que, para atuar nos níveis mais elevados do mercado, é necessário uma marca especialmente voltada para ele – e, por conseqüência, uma estrutura organizacional própria. Aparentemente a VW esqueceu uma lição que ela mesmo havia aprendido décadas antes, quando comprou a Audi.
2. O mercado de luxo de qualquer tipo de produto é atraente, mas restrito. A imprensa é pródiga em noticiar casos de sucesso, mas os fracassos são tão ou mais numerosos: a Ford vendeu a Jaguar para a indiana Tata após acumular mais US$ 1,5 bilhão em prejuízos, por exemplo. O exaltado grupo LVMH, dono de quase 30 marcas de luxo, é ultradependente da Louis Vuitton, responsável por mais de um terço de sua receita. Alguns dos negócios de seu portfólio são historicamente deficitários (Givenchy, Kenzo e Fendi) e, assim como já realizou diversas aquisições ao longo de sua história recente, o conglomerado desfez-se de algumas marcas também. Situação semelhante vive o Grupo Prada, que já vendeu duas marcas de seu portfólio (Jil Sander e Helmut Lang) e depende essencialmete da cash cow Prada, dona de 80% de seu faturamento, para sobreviver. Em resumo: o mercado de luxo não é uma mina de ouro capaz de acolher todo e qualquer empreendimento. É um negócio de longo-prazo, com boas margens de lucro, mas pequeno em termos de volume – ao menos se comparado ao mercado de produtos massificados.
3. Se o luxo não acolhe a todos, ao menos pode ensinar a todos. A Hyundai foi além: mais do que aprender com ele, usou-o. Sem cerimônia, tomou emprestado produtos-ícones de fabricantes do setor para posicionar seu novo carro. Foi uma estratégia engenhosa, uma verdadeira lição das oportunidades disponíveis para inúmeras marcas em outros setores: comparar-se aos melhores para vencer os iguais.
Para finalizar, pode-se dizer que a Hyundai parodiou a frase que abre este artigo ao vislumbrar que as melhores oportunidades muitas vezes não estão em transformar uma loja em butique, e sim em aprender com as butiques para se diferenciar de outras lojas.
Fonte: Por André Cauduro D’Angelo, in www.mundodomarketing.com.br
De minha parte, sempre que consultado a respeito, disse que o melhor que os empresários poderiam fazer em relação ao crescimento do mercado de luxo era aprender. Deviam observar técnicas de marketing e vendas que lhes poderiam ser úteis em quaisquer setores, mesmo os mais populares, mas não necessariamente tentar ingressar no mercado de luxo, ramo que exige expertise e altos investimentos. Dois exemplos de produtos da indústria automobilística internacional ilustram bem o porquê dessa recomendação.
Em 2003, a Volkswagen aventurou-se no mercado de carros de luxo. Lançou nos Estados Unidos e na Europa o Phaeton (lê-se “Fíton”), modelo top de linha que custava aproximadamente US$ 70 mil. A intenção declarada era concorrer com automóveis como o Mercedes Classe S ou o Audi A8, da mesma faixa de preço. A propaganda enfatizava a qualidade e o design do carro, comparando-o a modelos da BMW, Mercedes e Lexus. Depois de três anos, o Phaeton saiu de linha, com um saldo de menos de 10 mil automóveis vendidos.
O erro da VW foi tentar ingressar em um mercado no qual, mais do que um produto de excelência, é necessário possuir uma marca de prestígio. A VW tinha apenas o primeiro elemento dessa equação. Como já se sabe, consumidores de produtos de luxo se importam muito com a marca do produto que adquirem, pois é ela que oferece prestígio social e funciona como garantia de qualidade. No momento em que a VW posicionou seu carro como um concorrente direto de modelos da BMW, Mercedes, Audi e Lexus, pareceu fácil para o consumidor decidir: entre produtos que têm tradição de excelência e marca associada ao segmento de luxo e outro com histórico de modelos populares e nenhum apelo de prestígio, optou por descartar o carro da VW. Conforme disse um revendedor da própria Volks nos EUA, “ninguém quer chegar no clube de golfe dirigindo um VW”.
Caminho diferente adotou a Hyundai na campanha publicitária de seu modelo Azera, lançado no Brasil no início deste ano. As peças de propaganda também fazem comparações entre o modelo à venda e produtos tradicionais do segmento de luxo, como Mercedes, BMW e Jaguar. E são bem explícitas quanto a isso:
“Mais espaço interno que uma BMW Série 7. Mais potente que uma Mercedes Classe C. Mais equipado que um Jaguar XJ”.
Lembra a estratégia de divulgação do Phaeton? Quase, não fosse por um detalhe que os anúncios do Azera esclarecem logo em seguida:
“E o mais impressionante: o preço”
De fato, o Azera custa (bem) menos que todos os carros aos quais ele foi comparado no anúncio. Enquanto o veículo coreano sai por cerca de R$ 105 mil, o Mercedes Classe C não custa menos de R$ 200 mil, o BMW Série 7 é vendido por quase R$ 500 mil e o Jaguar XJ fica entre R$ 390 mil e R$ 460 mil. O recado da Hyundai é claro: compre um carro tão bom quanto os melhores do mundo por um preço diminuto (para os padrões da categoria, claro).
Ao invés de tentar competir diretamente com as maiores marcas de automóveis de luxo do mundo, a Hyundai se serve delas para posicionar o seu produto. Faz isso de maneira inteligente, usando um apelo híbrido que contempla o posicionamento em relação a uma classe inteira de produtos (no caso, a de automóveis de luxo, através da comparação com ícones do setor) e o de preço-qualidade (ou custo-benefício).
Na prática, no entanto, a intenção da Hyundai não é disputar potenciais compradores dos automóveis com os quais ela compara o Azera. Ao contrário. É atrair atenção para o seu produto enquanto disputa clientes de modelos de uma faixa de preço equivalente a sua, como o Ford Fusion, o Chevrolet Omega e o VW Passat. Como bem afirmou a revista Quatro Rodas, “A Hyundai mira nas estrelas para acertar os aviões”. Perfeita definição.
Os resultados, segundo a própria Hyundai, são animadores: 675 unidades vendidas no 1º trimestre, contra 256 do Omega, 254 do Passat e 219 do Toyota Camry, também da mesma faixa de preço. Já o episódio do Phaeton entrou para a história recente da VW como um fracasso previsível e perfeitamente evitável. Se a VW queria mesmo ingressar no mercado de luxo, deveria criar uma marca própria para isso (a qual, aliás, já possuía: Audi). Descartada essa opção, jamais deveria posicionar seu produto como um carro de luxo, segmento no qual sua marca nada significa para o consumidor.
As lições desses dois episódios:
1. Marcas não se tornam marcas de luxo de uma hora para outra. Devem nascer voltadas para o mercado de luxo. Não por acaso a VW é dona da Audi, a Toyota tem a Lexus e a Nissan, a Infiniti: todas essas montadoras reconheceram que, para atuar nos níveis mais elevados do mercado, é necessário uma marca especialmente voltada para ele – e, por conseqüência, uma estrutura organizacional própria. Aparentemente a VW esqueceu uma lição que ela mesmo havia aprendido décadas antes, quando comprou a Audi.
2. O mercado de luxo de qualquer tipo de produto é atraente, mas restrito. A imprensa é pródiga em noticiar casos de sucesso, mas os fracassos são tão ou mais numerosos: a Ford vendeu a Jaguar para a indiana Tata após acumular mais US$ 1,5 bilhão em prejuízos, por exemplo. O exaltado grupo LVMH, dono de quase 30 marcas de luxo, é ultradependente da Louis Vuitton, responsável por mais de um terço de sua receita. Alguns dos negócios de seu portfólio são historicamente deficitários (Givenchy, Kenzo e Fendi) e, assim como já realizou diversas aquisições ao longo de sua história recente, o conglomerado desfez-se de algumas marcas também. Situação semelhante vive o Grupo Prada, que já vendeu duas marcas de seu portfólio (Jil Sander e Helmut Lang) e depende essencialmete da cash cow Prada, dona de 80% de seu faturamento, para sobreviver. Em resumo: o mercado de luxo não é uma mina de ouro capaz de acolher todo e qualquer empreendimento. É um negócio de longo-prazo, com boas margens de lucro, mas pequeno em termos de volume – ao menos se comparado ao mercado de produtos massificados.
3. Se o luxo não acolhe a todos, ao menos pode ensinar a todos. A Hyundai foi além: mais do que aprender com ele, usou-o. Sem cerimônia, tomou emprestado produtos-ícones de fabricantes do setor para posicionar seu novo carro. Foi uma estratégia engenhosa, uma verdadeira lição das oportunidades disponíveis para inúmeras marcas em outros setores: comparar-se aos melhores para vencer os iguais.
Para finalizar, pode-se dizer que a Hyundai parodiou a frase que abre este artigo ao vislumbrar que as melhores oportunidades muitas vezes não estão em transformar uma loja em butique, e sim em aprender com as butiques para se diferenciar de outras lojas.
Fonte: Por André Cauduro D’Angelo, in www.mundodomarketing.com.br
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