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Longevidade das empresas

Ao longo dos últimos 35 anos, o ranking de MELHORES E MAIORES transformou-se num retrato do apogeu de algumas das maiores empresas brasileiras — e da decrepitude e do ocaso de outras. Permanecer na lista é um poderoso atestado de perenidade. O movimento de entrada e saída é também o reflexo das profundas mudanças pelas quais o capitalismo brasileiro passou nas últimas décadas. Um exemplo? Na primeira edição do anuário, elaborada com base nos balanços de 1973, o grupo de negócios que formavam a Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo ocupava a honrosa 22a posição. Em valores atualizados, o faturamento do conglomerado industrial, já em fase de declínio, foi de 1,7 bilhão de dólares. Naquele mesmo ano, alguns novos nomes começavam a demonstrar sua força. Um dos destaques entre os emergentes era a Votorantim, a 72a colocada no ranking, com receita de 750 milhões de dólares (metade, portanto, do faturamento da Matarazzo). Nas décadas seguintes, ficaria evidente o funcionamento da teoria darwinista aplicada ao mundo dos negócios. A Votorantim, da família Ermírio de Moraes, diversificaria a atuação — hoje, os oito grupos de negócios da companhia produzem de cimento a software — e se transformaria num dos maiores conglomerados brasileiros. No mesmo período, a obra do conde italiano Francesco Matarazzo se resumiria a escombros. Em 1982, o que restou da IRFM apareceria pela última vez na lista das 500 maiores do país.

Os rankings elaborados durante a história de MELHORES E MAIORES são a materialização daquilo que, na década de 40, o economista austríaco Joseph Schumpeter batizou de “destruição criativa”. Segundo sua já clássica tese, o capitalismo evolui por meio da seleção natural entre as empresas. No caso brasileiro, a movimentação foi especialmente intensa ao longo das últimas décadas. Essa foi a conclusão de um grupo de especialistas da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais, depois de analisar a trajetória das companhias listadas nas edições de MELHORES E MAIORES. O estudo comparou os nomes que aparecem nas relações de 1973 com os da de 2005. Das 500 empresas que constam na primeira edição, apenas 117 continuavam no ranking.

Os dados atualizados não mudam muito o fenômeno flagrado pela Dom Cabral. Considerando os números mais recentes, o total de sobreviventes no ranking é 114, o que resulta numa taxa de mortalidade de 77% num período de 35 anos no universo das 500 maiores do país. “Imaginávamos um índice alto, considerando o tumultuado ambiente econômico do país nas últimas décadas, com diferentes moedas, vários planos econômicos e uma inflação por muito tempo indomada”, diz Haroldo Brasil, um dos coordenadores da pesquisa. “Mas, mesmo levando-se em conta o ambiente inóspito, a taxa de mortalidade foi acima do previsto.” Isso explica o pequeno número de corporações centenárias existentes no país. Apenas 2% das 500 maiores empresas de 2007 têm mais de um século. Nos Estados Unidos, a taxa é muito maior — 39%, segundo um levantamento dos anos 90 com base na lista da revista Fortune 500.

- Embraer
- CSN
- Camargo Corrêa
- Natura
- Antarctica / Brahma / Ambev
- Alpargatas
- Semp / Semp Toshiba
- Fiat
- Metal Leve


Derrocada
Há vários motivos que geraram a eliminação de muitos nomes da lista das maiores brasileiras nas últimas décadas. Problemas relacionados à gestão dos negócios estão por trás da derrocada de grupos como a Mesbla. A rede varejista, que chegou a faturar mais de 1 bilhão de dólares em 1973, começou a fazer água a partir dos anos 90, quando os preços de seus principais produtos deixaram de ser competitivos e o modelo dos grandes magazines perdeu força no Brasil e no mundo. O movimento de fusões e aquisições, intensificado nos últimos 15 anos, é outro fator determinante na mobilidade da lista. Foi o caso da Metal Leve, Empresa do Ano na primeira edição de MELHORES E MAIORES e modelo de eficiência na década de 80. A empresa, criada por José Mindlin, hoje com 93 anos, não resistiria sozinha ao processo de abertura do mercado brasileiro nos anos 90. Sem poder concorrer com os estrangeiros em pé de igualdade, Mindlin vendeu o negócio, em 1996, à multinacional alemã Mahle. “Eu não capitulei”, disse ele na época, consciente de que a globalização era inexorável e que, para a empresa e seus empregados, o melhor caminho era o da sobrevivência — ainda que sem a presença de seu fundador.

Embora representem uma minoria na lista das 500 maiores empresas do país, as companhias que perduraram mereceram atenção especial dos especialistas da Dom Cabral. Na relação das campeãs de permanência estão nomes como a construtora Camargo Corrêa, a montadora Fiat, a siderúrgica CSN e a companhia de cosméticos Natura. Dentro desse universo das mais longevas, os pesquisadores tentaram identificar traços comuns que garantiram a perenidade dos negócios. “Crescimento constante e capacidade de lidar com situações adversas estão entre os principais motivos que explicam a permanência”, afirma Carlos Arruda, outro dos coordenadores da pesquisa.

A Alpargatas está na relação de companhias que escaparam do pior graças à reinvenção de seus negócios. Em 1997, o conglomerado de indústria têxtil e calçados teve um prejuízo de quase 90 milhões de reais, em valores da época. A companhia passou por um processo de ajustes, desfazendo-se de operações que davam prejuízo e reduzindo sua força de trabalho, de 23 000 para 10 000 empregados. Na área de sandálias, ficou apenas a marca Havaianas, que se transformaria num ícone da moda pop e num dos produtos brasileiros mais globalizados. “Para não ficar pelo caminho, as empresas têm de ter paixão por mudança, experimentação e inovação”, disse a EXAME MELHORES E MAIORES Jerry Porras, professor da Stanford Business School, nos Estados Unidos, e um dos autores do best-seller Feitas para Durar.

Privatizações
Inovar para valer não é exatamente uma tradição na maioria das empresas brasileiras — pelo menos, não até aqui. São poucos os casos memoráveis, mas seus efeitos nos negócios são evidentes. A inovação salvou a Embraer e a transformou numa das mais bem-sucedidas multinacionais brasileiras. Foi um longo caminho de aprendizado. Nos anos 80, a Embraer chegou a investir no projeto de um avião — o turboélice CBA 123 — que, ao ficar pronto, já havia se tornado obsoleto. Com isso, os cerca de 250 milhões de dólares investidos no projeto foram praticamente parar na lata de lixo. Na década de 90, chegaria a inovação que mudaria a história da Embraer, o jato ERJ-145, sucedido pela família do 170 e do 190. “Hoje, é difícil ocorrer um erro como o dos anos 80. Só lançamos um projeto quando temos certeza do mercado”, diz Frederico Curado, presidente da Embraer.

O processo de privatizações ocorrido na economia brasileira a partir da década de 90 também foi fundamental na vida de várias das campeãs de permanência — incluindo a Embraer, que deixou de ser estatal em 1994. Na época, a companhia de aviação havia deixado de figurar na lista das 300 maiores empresas do país. Com a mudança de gestão, retomou posições. No ranking deste ano, a Embraer ocupa o 37o lugar na lista das 500 maiores do país. Uma história semelhante ocorreu com a siderúrgica CSN, considerada uma espécie de “patinho feio” entre as estatais colocadas a leilão pelo governo, por causa de um prejuízo acumulado de 5 bilhões de dólares. Comprada em 1993 pelo grupo Vicunha e pelo Bamerindus (um dos que ficaram pelo caminho), a CSN é hoje uma das líderes de seu mercado, com faturamento de 6,6 bilhões de dólares em 2007.

O movimento de saída do Estado brasileiro de muitas áreas dos negócios aconteceu ao mesmo tempo que o mundo vivia uma de suas maiores revoluções econômicas — a globalização. O fenômeno impôs aos empresários e executivos brasileiros a necessidade de uma nova noção de escala. Vieram as aquisições e as fusões, movimentos determinantes para, num primeiro momento, defender o mercado interno e, num segundo, avançar fora das fronteiras brasileiras. A compra da Antarctica pela rival Brahma foi um momento simbólico dessa estratégia. Em 1999, elas dariam origem à AmBev, que, fortalecida pela expansão na América Latina, se uniria anos depois à belga Interbrew. O resultado, a InBev, é uma das maiores cervejarias do mundo e tenta, atualmente, a aquisição da Anheuser-Busch, ícone do mercado de consumo americano. Enquanto alguns setores ganharam competitividade internacional, outros foram subjulgados. Em 1973, no setor têxtil, havia 28 empresas listadas entre as 500 maiores do país. Hoje, só restam seis. A maior parte não agüentou a concorrência chinesa. Aquelas que não tiveram força e estratégia para crescer perderam a relevância, na melhor das hipóteses. “Estar apenas entre as melhores companhias, sem ritmo de crescimento, é uma ameaça”, afirma Brasil, da Fundação Dom Cabral. “A empresa vira mercadoria e pode sumir do mapa.”


A receita da longevidade
A estratégia para crescer pode ser a união de forças com aquele que parece ser o grande inimigo. A Semp faz parte desse grupo. Para não sucumbir à concorrência de multinacionais nos anos 70, a empresa aceitou mudar. Em 1977, fez uma parceria com a japonesa Toshiba, dando origem à atual Semp Toshiba. “Precisávamos de tecnologia para continuar na concorrência”, diz Affonso Brandão Hennel, de 79 anos, atual presidente do conselho consultivo da Semp Toshiba. Fundada em 1942, a Semp passou por várias evoluções tecnológicas. Nos anos 50, seu grande sucesso de vendas era um rádio valvulado apelidado de “capelinha”. Décadas depois, foi a primeira empresa a lançar no país uma TV em cores de 20 polegadas. Seguiram-se outras ondas de consumo, como a dos equipamentos de som três-em-um, a dos tocadores de CD e, mais recentemente, a dos monitores de plasma e notebooks. Nos últimos meses, a Semp Toshiba lançou uma espécie de mini-TV digital, que permite ao consumidor assistir a vídeos e tocar arquivos musicais no formato MP3. Com investimentos do tipo, a Semp Toshiba pretende continuar respirando o ar rarefeito no topo do capitalismo nacional.


Fonte: Por Denise Dweck, in portalexame.abril.com.br

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