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Por que as crises se repetem?

As imagens da Operação Satiagraha, da Polícia Federal, com personalidades como o especulador Naji Nahas, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o banqueiro Daniel Dantas a caminho da cadeia, sugere a seguinte questão: por que casos como estes vêm se repetindo com tanta freqüência? A resposta parece ser muito simples, muito prática. O Brasil mudou, poucos estão percebendo. E continuam a agir num universo paralelo ao universo legal.

Sim, o Brasil mudou. Existe algo ilícito sob o sol que não seja descoberto, que não ganhe a mídia, que não deságüe no leito da opinião pública? Houve um tempo que se repetiam em alto e bom tom que aqui as leis são feitas para não serem cumpridas. Ou que a lei existiam apenas para os pobres, os excluídos. Isto se encontra no inconsciente das elites - burguesas, políticas e, inclusive sindicais - , se encontra no inconsciente daqueles que se acostumaram ao jogo pesado da corrupção, do tráfico de influência, daqueles que se alimentam de um odioso darwinismo em que os fins estão sempre a justificar os meios.

A mudança não é radical, mas avança passo a passo. Quando já se viu no Brasil um banqueiro ser preso? A mídia tradicional dedicou vastos espaços à espetaculosidade das prisões. É um debate que promete sair de cena com rapidez, se o noticiário se esgotar. Mas é sempre assim: pobre pode ser algemado, torturado e mesmo morto; ricos, se são algemados, imediatamente as reações se multiplicam em cadeia. O centro da questão, portanto, é outro: é a igualdade de direitos. Perante a lei, todos são iguais. Quando há guerra entre policiais e traficantes nos morros, batidas, choques frontais, as reações são tímidas. Quando ricos que acusados de fraudes, crimes financeiros, corrupção e suborno são presos, é a democracia que se encontra ameaçada.

Dois pesos, duas medidas.
Na realidade, a PF tem agido dentro da lei. Se as operações têm uma roupagem mediática é uma questão a discutir. Se ocorrem erros, devem ser discutidos. A polícia não está acima da lei. Na Holanda do século XVI, as pessoas eram presas à noite, sob o véu de total discrição para não serem submetidas a constrangimentos. Um avanço excepcional para uma época em que as pessoas na Europa eram presas e processadas sem saber a razão. Nem tinham, sequer, acesso aos autos dos inquéritos. Era assim que os monarcas exibiam simbolicamente o poder.

Hoje, no Brasil são freqüentes as batidas policiais nas ruas e as pessoas são obrigadas a se identificar num rito absolutamente primitivo. Policiais despreparados usam armas de fogo e atiram antes para perguntar depois. Foi o caso do garoto metralhado na semana passada por policiais militares no Rio de Janeiro. Tudo isso é tratado pela mídia, geralmente, com espetaculosidade. Nas televisões, sobretudo, as noticias são editadas como se fossem seriados, como se tudo não passasse de pura ficção.

Então fica uma segunda pergunta: onde começa e onde termina o jogo da espetaculosidade? Na essência, para discutir o tema, é imperativo que os espíritos se desarmem. Que os diferentes atores sociais - mídia, policia, governos, etc... - se pergunte onde estamos errando? Onde, de fato, existe o deserto da ética a espera de semeadura?

As crises se sucedem no Brasil porque a lei, embora ainda seja um escudo protetor do mais forte, começa a ser democratizada. O edifício da impunidade está ruindo. E tem custado caro. Na edição de 6ª. feira, dia 11, o Estadão informa que foram realizados saques de R$ 1 bilhão de investimentos no Banco Opportunity em apenas três dias. Dantas é sócio fundador do Opportunity. Todo banqueiro sabe: crises são inimigas de lucros. Dinheiro odeia crises. Nos EUA dos anos 20, uma das receitas para ficar rico com sinal verde em meio aos empresários era: mantenha-se distante de confusões.

Entre nós, essa lei não escrita é confundida com uma receita mais ou menos assim: mantenha-se nas sombras. Dá certo se não houver práticas ilícitas. Se houver, não vai dar certo. Se a Polícia Federal age de forma espetaculosa, cabe ao poder judiciário e o próprio Ministério da Justiça encontrar o caminho certo. Cabe à sociedade discutir e não cair em armadilhas anti-democráticas. Daí a dizer que o Estado de Direito corre riscos é uma atitude meramente defensiva de quem se acomodou à impunidade. Existe, e funciona, o habeas-corpus no país. É uma realidade translúcida.

Deixando de lado a questão do gosto pelo espetacular, o fato é que a simples acusação de atividade criminosa por parte da Polícia abala imediatamente a credibilidade de quem lida com negócios, principalmente negócios financeiros. A fumaça em torno desse tipo de situação não se dissipa facilmente. E a opinião pública cobra a conta, os parceiros e associados cobram a conta junto aos envolvidos. A realidade cobra. Não é uma situação fácil que possa ser reduzida à espetaculosidade ou não das prisões.

Lacan, num dos seus escritos, anotou que quando o simbólico é desprezado, volta no real. O governo Lula parece que inverteu a tese: quando o simbólico é assinalado, tende a se distanciar do real. Explicando melhor: espetaculosa ou não, as prisões de personalidades da elite envolvidos em ações criminosas contém o simbolismo de que a impunidade de antes não é mais a mesma. Pensar diferente é agarrar-se a um desejo passadista irracional que está perdendo a força simbólica. É candidatar-se a protagonizar a próxima crise.


Fonte: Por Francisco Viana, in terramagazine.terra.com.br

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