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Os defensores da sustentabilidade

O Banco Real, recém-comprado pelo Santander, é bicampeão do Prêmio ECO e líder na incorporação de princípios socioambientais aos negócios. Seu trunfo: um esforço interno de educação que transformou o conceito da sustentabilidade em algo tangível para os funcionários, com resultados que extrapolam as fronteiras do próprio banco

Quando a seleção brasileira de futebol entrou em campo contra o Uruguai na noite de 21 de novembro, num dos jogos das eliminatórias da Copa do Mundo de 2010, um grupo de cerca de 3 mil torcedores cobria de verde uma parte da arquibancada do estádio do Morumbi, em São Paulo. Eram funcionários do Banco Real. Vestidos com camisetas da cor oficial da empresa, vindos de diversos cantos do país, eles foram convidados a assistir à partida como parte de um grande evento interno. Nos dois dias seguintes - com a presença de personalidades convidadas, como o ex-jogador Falcão, e do presidente do banco, Fabio Barbosa - participariam de palestras e debates com o objetivo de resgatar a trajetória da instituição e jogar luzes sobre seu futuro. Pouco mais de dois meses depois do anúncio da venda do holandês ABN Amro para um consórcio internacional, na qual a operação brasileira ficou com o espanhol Santander, "o ontem, o hoje e o amanhã" foi o tema escolhido pela cúpula do Real para um dos maiores encontros gerenciais de sua história.

Nas semanas que antecederam o evento, nos corredores da sede do Real, em São Paulo, era difícil encontrar quem arriscasse dar palpites sobre o amanhã do banco. Como é comum em processos de aquisições envolvendo grandes companhias, há muitas interrogações e pouca clareza sobre o que acontecerá quando tiver início a integração com o Santander. Com a negociação, o banco do espanhol Emilio Botín atingiu o posto de oitavo maior do mundo e terceiro do Brasil (leia a reportagem sobre o Santander na edição de novembro de Época NEGÓCIOS, disponível no site). As dúvidas sobre o futuro do Real dizem respeito a diversos aspectos, da permanência do presidente e dos principais executivos, que vêm sendo assediados por concorrentes, à manutenção da marca ou à sobreposição de áreas de negócios. Nesse cenário, há questionamentos também sobre até que ponto o Santander buscará absorver um dos principais diferenciais competitivos do Real: seu conhecimento sobre sustentabilidade.

Desde que abraçou esse tema, no início da década, muito antes que ele se tornasse popular nas empresas, o Real avançou de forma consistente na integração de princípios socioambientais à sua estratégia de negócios. Criou uma área dedicada à avaliação de riscos socioambientais, linhas de financiamento para empresas interessadas em melhorar seus padrões de atuação e produtos "verdes" para pessoas físicas. Criou também um programa de microcrédito e o primeiro fundo de investimentos socialmente responsável do país. Iniciativas como essas foram possíveis graças a um enorme esforço interno de educação. No setor financeiro e em outras indústrias, no Brasil e lá fora, poucas companhias até agora foram tão longe na busca de tornar a sustentabilidade uma idéia tangível para os funcionários, a ponto de influenciar a maneira como eles exercem suas funções no dia-a-dia. O Real emprega 30 mil pessoas no Brasil. Até agora, cerca de 19 mil já passaram por treinamentos sobre desenvolvimento sustentável. Algumas tornam-se líderes da causa, responsáveis por disseminá-la em seus departamentos. O banco foi o primeiro a inserir o tema em programas de educação voltados para quem trabalha na ponta da operação, nas agências.


EVANGELIZADORES
Quando aceitou o convite para criar a área de desenvolvimento sustentável do Real, Maria Luiza Pinto acreditava que o departamento seria extinto tão logo cumprisse a missão de disseminar o conceito pela organização. Seis anos depois, a área não só continua lá como cresceu - tem hoje 65 pessoas. O escopo do trabalho, porém, mudou. "Outros departamentos já andam sozinhos e agora são os responsáveis por estratégias que já estiveram sob nossa responsabilidade, como ecoeficiência ou microcrédito", afirma. "Hoje estamos envolvidos com outros desafios, relacionados ao público externo." Maria Luiza é a articuladora do esforço de educação para a sustentabilidade feito no Real. Seu trabalho teve resultado porque líderes de outras áreas abraçaram a causa. Gente como o diretor Wagner Ferrari. "Quando comecei a ouvir sobre o assunto, ficou claro que não poderíamos ficar só no discurso", diz ele. Agora a diretoria de desenvolvimento sustentável prepara-se para levar a expertise em gestão socioambiental a clientes e fornecedores. "Não tínhamos idéia do capital de conhecimento que seria acumulado aqui", diz Maria Luiza.

Ainda que seja difícil estabelecer uma relação direta entre uma coisa e outra, o fato é que, na medida em que seguiu nesse movimento, o banco cresceu e conquistou excelentes resultados financeiros. Nos nove primeiros meses de 2007, o volume de ativos alcançou R$ 156,3 bilhões (73% superior ao do mesmo período do ano passado) e o lucro líquido chegou a R$ 2,2 bilhões (77% maior que o dos primeiros nove meses de 2006). A criação de uma cultura de negócios voltada para a sustentabilidade - consolidada com a contribuição de executivos como os que ilustram esta reportagem - já rendeu ao Real diversos reconhecimentos nacionais e internacionais. Foi também o que garantiu ao banco, pelo segundo ano consecutivo, o Prêmio ECO de Gestão Empresarial para a Sustentabilidade, categoria grande empresa.


TEORIA E PRÁTICA
Hugo Penteado é, segundo suas próprias palavras, um "economista ecológico em formação". Ele critica a teoria econômica tradicional por considerar que ela exclui duas variáveis: as pessoas e a natureza. Discípulo de Nicholas Georgescu-Roegen, criador da bioeconomia, Penteado é do tipo militante. Escreveu o livro Ecoeconomia - Uma Nova Abordagem e participa de fóruns sobre sustentabilidade. "Imagine um economista de banco dizendo por aí que o PIB não é uma métrica correta, com o apoio do próprio banco", diz. Em seu dia-a-dia como economista-chefe da área de fundos de investimentos, porém, ele ainda não consegue colocar em prática essa visão. "A análise macroeconômica é feita com base numa perspectiva ultrapassada. Não posso mudar a música, mas posso fazer críticas." Em outras áreas do Real, alguns profissionais têm mais chances de colocar a mão na massa. É o caso de Alexandre José da Silva, gerente de operações no Rio de Janeiro. Há nove meses no banco, ele já participou de um projeto para incentivar funcionários e clientes da Baixada Fluminense a levar óleo de cozinha usado para as agências. O óleo é recolhido por cooperativas que o transformam em biodiesel. Soa estranho para um banco? "É mais uma maneira que encontramos para incentivar as pessoas a agir com responsabilidade", diz.

A venda para o Santander aconteceu num momento em que o discurso do compromisso com o desenvolvimento sustentável se transformou em quesito de competição entre os bancos no Brasil. Este foi o ano em que as maiores instituições financeiras do país - muitas das quais se dedicam há anos a investimentos sociais fora de seus muros - buscaram avançar no terreno ambiental. O assunto tomou conta das campanhas publicitárias, e algumas passaram a se auto-intitular "banco da sustentabilidade" ou "banco do planeta". "As estratégias socioambientais estão evoluindo no setor financeiro, mas de forma mais lenta do que prega o marketing dos bancos", afirma o economista Gustavo Pimentel, gerente de ecofinanças da ONG Amigos da Terra - Amazônia Brasileira. Segundo afirma, o principal impacto socioambiental de uma instituição financeira está em sua carteira - ela pode investir em atividades poluentes ou não, socialmente responsáveis ou não. (Em meados de novembro, milhares de ativistas organizados pela ONG Rainforest Action Network protestavam nos Estados Unidos contra os investimentos do Citi e do Bank of America em usinas de energia movidas a carvão. As duas organizações são acusadas de incoerência, uma vez que já declararam publicamente estar comprometidas com o combate às mudanças climáticas.) "Alguns bancos que se dizem preocupados com o meio ambiente no Brasil ainda não se perguntam: o que eu estou financiando?", diz Pimentel. "Nesse contexto, a estratégia do Real é mais consistente."


EXECUTORES
Carlos Nomoto acabara de chegar de uma expedição humanitária em Angola, durante suas férias em 2002, quando recebeu o convite para integrar a diretoria de desenvolvimento sustentável do Real. Sua tarefa seria ajudar outras áreas do banco a incorporar a visão da sustentabilidade. Nos anos seguintes, o trabalho ganhou sofisticação. Mais do que discutir a criação de produtos e serviços socioambientais, os executivos do banco passaram a tratar de temas complexos. Por exemplo: o modelo de remuneração dos funcionários estimula ou inibe a prática da sustentabilidade? Ou: faz sentido gastar 30% mais para construir uma agência ecologicamente correta? "As perguntas ficaram mais difíceis, o que mostra que as pessoas não estão apenas sensibilizadas, como também mais preparadas", diz Nomoto. Ele se orgulha do fato de que, em 2007, todas as diretorias do banco formalizaram planos de sustentabilidade. "Na nossa área, o assunto já é parte do trabalho há pelo menos três anos", diz Altair Assumpção, responsável pelo segmento de companhias com faturamento entre R$ 50 milhões e R$ 150 milhões. "Poder ajudar os clientes a melhorar sua governança ou suas práticas socioambientais é um diferencial competitivo que nos aproxima dessas empresas."

O esforço em criar políticas voltadas para a sustentabilidade é mais recente no Santander. A matriz participa de índices de responsabilidade empresarial, como o Dow Jones Sustainability e o FTSE4Good. Seu discurso sobre uma "atividade sustentável" está mais relacionado a temas como governança corporativa e investimento social. No Brasil, o banco é um dos membros do Global Leadership Network, uma iniciativa criada pelo Boston College e pela organização inglesa Accountability, coordenada localmente pela Rever Consulting, que tem como objetivo ajudar as empresas a traduzir a idéia da sustentabilidade em novos modelos de negócios. "Por enquanto, somos mais voltados para as comunidades do entorno, e ainda estamos iniciando ações relacionadas ao meio ambiente", diz Ligia Dall Acqua, gerente de responsabilidade social do Santander no Brasil. "A experiência em sustentabilidade do Real sem dúvida é vista como um ativo, mas não sabemos como isso será trabalhado." Especialistas afirmam que a tecnologia em gestão socioambiental desenvolvida pelo Real poderia colocar o banco espanhol na liderança desse tema. "A preocupação com a sustentabilidade é irreversível no setor financeiro, e esse aspecto deve ser observado com interesse pelo Santander", diz Renata Brito, coordenadora do programa Finanças Sustentáveis do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-SP. "O Real criou a capacidade de, sistematicamente, identificar oportunidades socioambientais nos negócios de seus clientes e de desenvolver produtos e serviços com base nisso", diz Leo Johnson, fundador da consultoria Sustainable Finance, com sede em Paris. "Se eu fosse um competidor, não gostaria de ver o Santander usando sua excelência em execução para dar escala internacional a essa estratégia."


OS ESPECIALISTAS
A equipe de Christopher Wells é responsável pela análise de risco socioambiental de cerca de 3 mil empresas a cada ano. É formada por quatro profissionais - duas biólogas e duas geólogas com experiência na análise de projetos ambientais privados e públicos. Juntamente com analistas financeiros da área de risco, elas precisam emitir pareceres sobre as políticas socioambientais de candidatos a financiamento. "Quando são encontradas inconsistências, o cliente é questionado e precisa se adequar", diz Wells. Além de coordenar o trabalho, ele participa, pelo Real, de dois importantes fóruns. É coordenador na América Latina do UNEP-FI, grupo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente dedicado ao setor financeiro, e preside o conselho da Mesa Redonda da Soja Responsável, formada por empresas e ONGs interessadas em aprimorar a cadeia de negócios da soja. Assim como Wells, outros executivos começam a ter uma agenda externa intensa. José Berenguer, vice-presidente de tesouraria, deu uma palestra sobre sustentabilidade meses atrás em Londres, num evento do mercado financeiro. "Muitos presentes se surpreenderam com um VP da tesouraria falando com propriedade sobre o assunto", diz um funcionário do Real. Segundo Berenguer, o tema faz parte de sua rotina: "Já contratamos corretoras de valores, por exemplo, considerando critérios de sustentabilidade".

Em novembro, os executivos do Real preparavam-se para o lançamento de uma iniciativa inovadora: o Espaço Real de Práticas em Sustentabilidade, uma espécie de escola em sustentabilidade para empresas. "Acumulamos uma experiência muito rica sobre como levar a sustentabilidade para o negócio", diz Fabio Barbosa, presidente do Real. "Decidimos compartilhar esse aprendizado formalmente com os outros." Com base num processo de gestão do conhecimento, as práticas que deram certo no Real estão sendo transformadas em produtos educacionais que serão oferecidos gratuitamente a companhias clientes e fornecedores do banco. Os cursos e workshops sobre temas como ecoeficiência, estratégia ou diversidade serão dados em módulos presenciais ou a distância, e um conselho consultivo com participação de especialistas externos opinará sobre o conteúdo. O primeiro curso foi agendado para a primeira semana de dezembro. "Nosso objetivo é ajudar o setor privado a caminhar mais rapidamente nesse tema", diz Maria Luiza Pinto, diretora-executiva de desenvolvimento sustentável do Real. Nos próximos meses, os executivos do banco saberão se têm ou não o apoio do novo dono para continuar nessa direção.


Os finalistas na categoria gestão para a Sustentabilidade
GRANDE PORTE>>>CPFL Energia
Exige que a madeira utilizada nas estruturas da distribuição de energia seja procedente de projetos ambientalmente corretos. Tem programas de repovoamento de rios e reservatórios, reflorestamento e educação ambiental. Nos grandes empreendimentos da geração de energia, procura preservar a fauna e a flora. Na área social, tem estratégias de promoção da diversidade.

GRANDE PORTE>>>Bunge Fertilizantes
Possui, desde 1955, uma fundação de apoio aos moradores do entorno de suas operações. Por meio dela, pessoas da comunidade podem opinar sobre as decisões da companhia. Na área ambiental, apóia a "moratória da soja", um compromisso storial de não comprar, durante dois anos, o grão proveniente de novas áreas desmatadas no bioma amazônico

MÉDIO PORTE>>>Setin Empreendimentos Imobiliários
Mantém um comitê formado por pessoas de diferentes áreas que transmite a preocupação com a sustentabilidade a parceirose funcionários. Os empreendimentos prevêem cuidados ambientais, como a preservação de áreas nativas. Nos canteiros de obras, os empregados contam com um curso reconhecido pelo Ministério da Educação

PEQUENO PORTE>>>Viacentro
O centro de formação de condutores utiliza a água da chuva na limpeza de pátios e calçadas e procura conscientizar os funcionários para o uso racional de energia. Os pneus e o óleo lubrificante usados são encaminhados para reciclagem. Os veículos utilizados passam por avaliações anuais, que detectam problemas de ruído e fumaça excessiva.

PEQUENO PORTE>>>Laboratório Oswaldo Cruz
Um sistema de gestão monitora aspectos ambientais de acordo com a certificação ISO14001. No campo social, o laboratório inclui entre seus princípios nunca contratar mão-de-obra infantil e garantir remuneração idêntica a funcionários de diferentes raças e gêneros


Fonte: epocanegocios.globo.com

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