O caso da Cisco é, numa palavra, arrepiante. No sentido de que alguns CEOs brasileiros, neste momento, devem estar arrepiados. A operação policial trouxe à luz um esquema que eu chamaria, tentando ser o mais neutro possível, de "esperteza tributária". Até que todos os fatos sejam revelados e digeridos, e um juiz decida o destino dos envolvidos, a imprensa especializada terá bastante tempo para especular como um escândalo de tais proporções pode acontecer. Paralelamente, fiquei sabendo que alguns CEOs se apressaram em convocar reuniões de emergência, para entender melhor no que podem estar metidos.
Qualquer CEO à frente de uma empresa com alta dependência de importação de insumos já participou de, no mínimo, um encontro com uma assessoria tributária. Eu participei de um. No Brasil, há excelentes assessorias tributárias, dessas que exalam ética pelos poros. E há outras nem tanto. Para um leigo em tributos, diferenciar uma da outra é como distinguir um cogumelo comestível de um venenoso.
Nesses encontros, primeiro o CEO é informado do que ele já sabe - a gulosa carga de impostos drena boa parte da rentabilidade. Em seguida, é informado do que ficará imensamente feliz em saber - existem maneiras perfeitamente legais de, digamos, "contornar essas dificuldades".
"Perfeitamente legais." Lembro-me da assertividade com que essas duas palavras saíram da boca do assessor tributário, ecoaram pela sala de reuniões e pousaram nos tímpanos atentos dos diretores. Leis, como todos sabemos, possuem áreas cinzentas, passíveis de interpretações - não raramente, contraditórias. Se um ilibado especialista nos diz que há uma maneira, adverbialmente perfeita, de atravessar o rio andando e sem molhar os pés, quem somos nós para discordar?
Os números estavam todos ali, espalhados pela planilha, mas dispostos de maneira a conduzir rapidamente o olho de quem os via a um quadrinho no pé da página. Nele, em vermelho vivo, refulgia uma cifra de seis dígitos. Isso significava, entre outras amenidades, um alentado bônus anual para todos os presentes. Acrescido dos cumprimentos efusivos da matriz, que certamente divulgaria o case brasileiro para todas as operações ultramarinas.
Anexo à planilha, ou vice-versa, estava o mapa da mina. Um tomo bem fornido que citava leis, decretos e resoluções. Nenhum de nós, mortais poucos versados nos meandros daquele labirinto tributário, seria capaz de chegar à página 8 sem se perder nos desvãos. Finda a reunião, meu pragmático diretor-financeiro me disse: "Você sabe que o mérito será seu, mas a responsabilidade também". Opa! De mérito eu entendo. Daria para me explicar melhor a parte da responsabilidade?
Conclusão. Decidi não levar o projeto adiante, por puro receio do desconhecido. Não estou julgando os gestores da Cisco. Estou apenas dizendo que, neste exato momento, muitos CEOs podem estar empenhados na travessia desse mesmo rio. Um caudaloso rio de cifras, cujas águas parecem perfeitamente legais.
Fonte: Por Max Gehringer, in epocanegocios.globo.com
Qualquer CEO à frente de uma empresa com alta dependência de importação de insumos já participou de, no mínimo, um encontro com uma assessoria tributária. Eu participei de um. No Brasil, há excelentes assessorias tributárias, dessas que exalam ética pelos poros. E há outras nem tanto. Para um leigo em tributos, diferenciar uma da outra é como distinguir um cogumelo comestível de um venenoso.
Nesses encontros, primeiro o CEO é informado do que ele já sabe - a gulosa carga de impostos drena boa parte da rentabilidade. Em seguida, é informado do que ficará imensamente feliz em saber - existem maneiras perfeitamente legais de, digamos, "contornar essas dificuldades".
"Perfeitamente legais." Lembro-me da assertividade com que essas duas palavras saíram da boca do assessor tributário, ecoaram pela sala de reuniões e pousaram nos tímpanos atentos dos diretores. Leis, como todos sabemos, possuem áreas cinzentas, passíveis de interpretações - não raramente, contraditórias. Se um ilibado especialista nos diz que há uma maneira, adverbialmente perfeita, de atravessar o rio andando e sem molhar os pés, quem somos nós para discordar?
Os números estavam todos ali, espalhados pela planilha, mas dispostos de maneira a conduzir rapidamente o olho de quem os via a um quadrinho no pé da página. Nele, em vermelho vivo, refulgia uma cifra de seis dígitos. Isso significava, entre outras amenidades, um alentado bônus anual para todos os presentes. Acrescido dos cumprimentos efusivos da matriz, que certamente divulgaria o case brasileiro para todas as operações ultramarinas.
Anexo à planilha, ou vice-versa, estava o mapa da mina. Um tomo bem fornido que citava leis, decretos e resoluções. Nenhum de nós, mortais poucos versados nos meandros daquele labirinto tributário, seria capaz de chegar à página 8 sem se perder nos desvãos. Finda a reunião, meu pragmático diretor-financeiro me disse: "Você sabe que o mérito será seu, mas a responsabilidade também". Opa! De mérito eu entendo. Daria para me explicar melhor a parte da responsabilidade?
Conclusão. Decidi não levar o projeto adiante, por puro receio do desconhecido. Não estou julgando os gestores da Cisco. Estou apenas dizendo que, neste exato momento, muitos CEOs podem estar empenhados na travessia desse mesmo rio. Um caudaloso rio de cifras, cujas águas parecem perfeitamente legais.
Fonte: Por Max Gehringer, in epocanegocios.globo.com
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