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O papel da cultura organizacional na implantação de sistemas integrados de gestão: uma abordagem sobre resistência a mudanças

Esse texto é de autoria de Renata Seldin e foi extraído de www.e-creare.com.br


Em tempos de globalização e internet, a comunicação e competição entre as empresas passam a ter caráter mundial. Avanços tecnológicos devem ser incorporados pelas organizações de forma imediata, não só para garantir a sua competitividade, mas principalmente para garantir sua sobrevivência no mercado. A realidade organizacional traz consigo atualmente a necessidade de adaptação constante. Mesmo as líderes do mercado precisam mudar, melhorar e inovar.

Uma das ferramentas utilizadas com cada vez mais freqüência pelas organizações, característica do avanço tecnológico e das comunicações, é o ERP, um Sistema Integrado de Gestão (SIG), que se caracteriza como um sistema gerencial que permitem uma visão integrada das áreas da empresa.

A implementação deste tipo de sistema requer uma reformulação da organização empresarial e do modelo de trabalho, com a mudança de foco da organização indo da estrutura funcional para o modelo orientado por processos. Essas mudanças mexem com a cultura das empresas, que deve enfatizar novas características e comportamentos para sua sobrevivência.

O intenso uso da tecnologia da informação transforma o modus operandi das empresas, tendo influência nos métodos, processos e relações de trabalho, uma vez que esta prática altera as estratégias empresarias, as estruturas organizacionais, etc.

Neste contexto, os SIGs, tais como o Enterprise Resource Planning (ERP), vêm fornecer condições de apoio à busca dessas oportunidades futuras. Um dos principais objetivos da compra e implantação de um SIG é possibilitar um maior conhecimento e monitoração do desempenho da organização e o planejamento dos recursos empresariais de informação, facilitando a identificação de oportunidades de negócio e adquirindo, assim, vantagem competitiva com relação aos seus concorrentes. A adoção de um sistema integrado facilita o acompanhamento dos indicadores de desempenho da empresa, agiliza as estruturas de suporte para clientes e membros da organização, auxilia na identificação de problemas com produtos e sistemas de produção e na percepção de oportunidades e ameaças.

Os SIGs podem ser usados em qualquer segmento de indústria ou mercado, pois possuem características comuns e existentes em todos os sistemas, ao mesmo tempo apresentando funcionalidades específicas que devem ser parametrizadas de acordo com o cliente. Esta característica permite uma flexibilização de seu uso para diversas indústrias e organizações com características e portes diferentes. No entanto, a implantação de um SIG requer planejamento e grande investimento, sem contar uma equipe treinada, com equipamentos e tempo hábil para a execução do projeto.

O processo de implantação de um sistema integrado de gestão não se dá de uma única e constante maneira, variando de acordo com cada pacote selecionado para a implantação, com a complexidade da organização e com a metodologia adotada.

Para que o sucesso de uma implantação deste porte seja alcançado não basta apenas seguir os passos constantes de uma metodologia. Além do processo de introdução da ferramenta, deve-se preparar o background da organização para receber o ERP, garantindo que ela tenha processos, tecnologia e pessoas alinhadas à sua estratégia de negócio.

Considerando-se a implantação de um sistema integrado de gestão como uma mudança estratégica dentro de uma organização, cabe ressaltar que o gerenciamento deste processo implica na alteração da estratégia realizada até o momento e dos recursos disponíveis para torná-la próxima à estratégia pretendida.

A orientação por processos evidencia as oportunidades de melhoria, torna mais claro o posicionamento de cada unidade organizacional dentro de uma cadeia de valor integrada e reduz drasticamente os custos operacionais das empresas como um todo.

A adaptação tecnológica é o próximo passo natural na análise dos recursos da organização. É necessário que a arquitetura tecnológica esteja alinhada com os processos existentes na empresa e que todos os sistemas e ferramentas previamente existentes sejam substituídos (com migração de dados) ou compatíveis com a tecnologia sendo implantada.

Por último, mas não menos importante, está o fator “humano” da organização e sua cultura. Em casos de mudança estratégica cabe aos gerentes identificar os processos que respondem pelo desenvolvimento da estratégia incipiente. Para tanto, é preciso conhecer os aspectos culturais da organização, pois as decisões estratégicas tomadas são produtos dos pressupostos e valores da empresa, partes integrantes da sua cultura organizacional.

A pouca importância dada a este último aspecto pela literatura acadêmica, pelos consultores e pelos responsáveis pela implantação de sistemas integrados acaba se tornando um dos principais pontos de insucesso da mesma. Para seguir adiante é necessário esclarecer os conceitos de cultura organizacional e como ela atua durante mudanças organizacionais.

Dentre as diversas conceituações populares, cultura é o ato ou modo de cultivar e, ainda, o complexo dos padrões de comportamento de crenças, das manifestações culturais, intelectuais, etc, transmitidos coletivamente, e típicos de uma sociedade. Uma abordagem mais moderna divide seus componentes em dois grupos: formais e informais.

Os componentes formais da cultura organizacional são, muitas vezes, difíceis de entender devido à importância que estes elementos têm em definir o que é ou não aceitável dentro da organização. Os principais elementos deste conjunto são: missão, visão, políticas, procedimentos, regras e normas.

O conjunto daquilo que a força de trabalho julga positivo ou negativo numa organização constitui o sistema de valores da organização. Normas e valores interrelacionam-se, existindo, conseqüentemente, uma interdependência entre eles; os valores podem estar refletidos nas normas, mas pressupõem se a norma é boa ou ruim, uma vez que há avaliação. Reflete esses valores a sociedade onde se insere a organização.

Os componentes informais da cultura organizacional são aqueles normalmente mais focados nas definições de cultura organizacional. São manifestações tangíveis ou intangíveis de valores compartilhados pelos membros da organização e variam de valores muito específicos para aqueles envolvidos até os que são guias gerais de comportamento. Dentre estes componentes pode-se citar artefatos, símbolos, cerimônias, histórias e mitos.

Cabe ressaltar que culturas muito fortes com sistemas de valores coesos podem apresentar uma maior resistência às mudanças, principalmente àquelas que vão de encontro ao ponto de vista vigente na organização.

Até meados da década de 70, a idéia de mudança estava centrada no conceito de alteração de organogramas, na criação, modificação ou extinção de cargos e funções. É somente nos anos 80 que a nova abordagem vai ganhar forma. Grande parte do interesse pelo tema deve-se ao fato de que, após operar todo tipo de mudança em suas empresas, muitos administradores perceberam que ainda era necessário mudar os valores comuns e as crenças dos grupos para que os resultados surgissem.

Em um novo momento, as mudanças organizacionais passaram a ser vistas como processos de melhoria contínua, influenciados pelo boom das teorias de qualidade total e os processos de produtividade. O tema ganhou importância principalmente pela velocidade das mudanças, aumentando o grau de preocupação e das organizações com este processo.

Qualquer que seja a definição adotada para o verbo “mudar”, uma organização está sempre sujeita a situações mutáveis, tanto no contexto externo como no contexto interno, de acordo com o processo natural de mudança. Esse processo de mudança é dito “natural”, pois admite que toda e qualquer organização está sujeita a forças desestabilizadoras para o status quo (estado atual).

Identificar e compreender as forças de pressão para mudança são passos fundamentais para garantir seu sucesso. Mas as pressões e os processos de mudança não são sentidos apenas nas organizações. As pessoas, também enfrentam tais desafios, entendendo-os e respondendo-lhes ativamente. Novas competências e motivações individuais e de grupo, aumentam o nível de exigência sobre o desenvolvimento estratégico e organizacional, funcionando como fator de pressão.

Em conseqüência de várias condições, envolventes ou individuais, certas organizações antecipam a mudança e o desenvolvimento através de uma liderança com uma visão estratégica que vai além do contexto em que atuam. Esta visão estratégica pode se tornar a base de revoluções tecnológicas, de segmentação de clientelas e concorrentes, do surgimento de novos níveis de competência e motivação internas e, ainda, como fonte influenciadora das orientações de governos e organizações multinacionais.

Como instinto natural de sobrevivência, essas organizações buscam mecanismos para responder a essas pressões, seja ao pressenti-las ou em resposta a elas. De acordo com esse modelo, o processo “natural” se inicia pela existência de forças desestabilizadoras de mudanças, que podem ser originárias tanto do contexto como de dentro da organização.

Se o ajuste proposto conseguir lidar com as forças desestabilizadoras, então a organização será mantida. Qualquer que seja a forma de ajuste proposto, o resultado é uma organização mudada. Se não houver o sucesso esperado, o processo terá de ser reiniciado, levando-se em conta novos ajustes .

A introdução de um sistema integrado de gestão como um ERP é considerada, em muitos casos, como uma mudança de caráter revolucionário, uma vez que altera os processos da organização onde está sendo inserido, transformando a relação entre os empregados e até mesmo a maneira de se conduzir e fazer negócios. Nestes casos, é natural se deparar com movimentos de resistência às mudanças impostas, principalmente motivados pela apreensão com relação à nova tecnologia.

KAUFMAN (1971) afirma que a mudança organizacional não é invariavelmente boa ou ruim, progressista ou conservadora, benéfica ou prejudicial. Ela pode tomar qualquer das direções em qualquer situação dada. Mas ela é sempre confrontada com forças intensas que a colocam em xeque e que restringem agudamente a capacidade de as organizações reagirem a novas condições - algumas vezes com graves resultados.

KATZ e KAHN (1978) abordaram a resistência à mudança a partir da perspectiva de que as organizações são "sobre determinadas". Isso significa que há múltiplos mecanismos para assegurar a estabilidade. A seleção de pessoal, o treinamento e o sistema de recompensas destinam-se a conduzir à estabilidade.

A mudança organizacional pode ameaçar grupos dentro das organizações, além de ameaçar àqueles que beneficiam da atribuição atual de recompensas e recursos. Isto tanto pode ocorrer horizontalmente, entre as unidades organizacionais, quanto no eixo vertical.

Existem fatores adicionais que contribuem para a resistência à mudança. KAUFMAN (1971) denomina-os "obstáculos sistêmicos" à mudança. Trata-se de obstáculos dentro do sistema global em que as organizações operam. Incluem fatores como os capitais imputados, ou investimentos no status quo; a acumulação de restrições oficiais ao comportamento, como as leis e regulamentos; restrições ao comportamento não-oficiais e não-planejadas, sob a forma de costumes informais; acordos interorganizacionais, tais como os contratos entre operários e administração.

Outros obstáculos sistêmicos à mudança dizem respeito aos recursos. As organizações podem não ter capacidade financeira ou de pessoal para se empenharem em esforços no sentido da mudança, mesmo que seja identificada a necessidade de mudar. Apesar de todos esses obstáculos, é claro, as organizações efetivamente mudam.

Todas as mudanças provocam sentimentos mais ou menos fortes. Algumas das necessidades mais fortes dos seres humanos são as necessidades de segurança e estabilidade, auto-estima, e manter uma imagem coerente do mundo. Ao considerar as necessidades psicológicas tais como as necessidades que estão sempre subjacentes às ações dos indivíduos e das instituições, torna-se mais fácil compreender a razão porque as pessoas reagem de determinada forma. E quais as atividades/ações que podem ser utilizadas para lidar com os receios de mudança.

No processo de mudança pode-se destacar alguns estereótipos mais freqüentes identificados nas organizações afetadas: indiferença; rejeição passiva; rejeição ativa; sabotagem; colaboração; entusiasmo não comprometido; e entusiasmo comprometido. Essa variação no comportamento resultante de mudanças se dá pelo fator humano. Os dois principais diferenciais são a conscientização e a intensidade de resposta às mudanças. Entende-se como nível de conscientização a capacidade das pessoas compreenderem os processos de mudança. Já a intensidade de resposta é vista como a capacidade de produzirem soluções adequadas.

Entender e saber como trabalhar para evitar e/ou neutralizar as resistências às mudanças, em seus diversos estágios, acarretadas pela implantação de um sistema integrado de gestão, em especial de um ERP, é um requisito imprescindível para atingir o sucesso da mesma.

Não é possível listar ou generalizar todas as respostas observadas em processos de mudança. Como mencionado anteriormente, o comportamento de cada organização frente às mudanças impostas a ela está ligado à sua cultura e por isso variam de com a empresa.

É neste momento que se pode utilizar os conceitos desenvolvidos por KOTTER (2001) que observa que a quantidade de mudanças significativa e traumática nas organizações tem crescido substancialmente nas últimas duas décadas, e que os principais esforços de mudança ajudaram algumas organizações a se adaptarem de forma significativa às condições de transformação, aprimoraram a posição competitiva de outras e preparam algumas para o futuro, mas na maioria dos casos, as melhorias foram frustrantes e o quadro final aterrorizador, com recursos desperdiçados, funcionários demitidos e/ou frustrados.

As empresas, e as pessoas, que passam por esforços de mudança difíceis e não muito bem sucedidos passam a suspeitar dos motivos da necessidade de transformação, achando que ela trará conseqüências negativas, sendo esta uma das principais causas de resistência.

No entanto, algumas organizações têm descoberto como fazer novas estratégias, aquisições, reestruturação e até mesmo a adoção de novas tecnologias (como acontece quando na migração de informações gerenciais para um SIG) funcionarem bem. Elas se baseiam em dois padrões importantes: a mudança útil tende a ser associada a um processo de várias etapas que gera a força e motivação suficiente para anular todas as expressões de inércia.

Os métodos usados nas transformações bem-sucedidas baseiam-se em um critério especial: a mudança fundamental não acontecerá facilmente por várias razões mostrada no item anterior. Por mais que se possa observar que os custos são excessivamente altos e os produtos de baixa qualidade, a mudança não será fácil, pois existirão culturas centradas nas necessidades internas, processos burocráticos, baixo nível de confiança, falta de trabalho em equipe, atitudes arrogantes, falta de liderança e o medo que o ser humano tem do desconhecido. Segundo Kotter, para obter sucesso, essas barreiras devem ser bem neutralizadas com um programa de oito itens, aplicável em organizações de qualquer porte.

As quatro primeiras etapas do processo de transformação ajudam a descongelar o status quo inflexível. As fases cinco a sete apresentam muitas práticas novas e a última etapa estabelece as mudanças na cultura corporativa e auxilia a sua implementação.

As pessoas normalmente tentam implementar mudanças focando simplesmente nas etapas cinco, seis e sete, percorrem as etapas sem concluir as tarefas, não conseguem reforçar as etapas anteriores no decorrer do processo, o senso de urgência se dissipa ou a coalizão rompe. Ao negligenciar as atividades preparatórias não se estabelece uma base sólida o suficiente para dar continuidade ao processo e sem passar pela etapa oito nunca se atingirá a linha de chegada, ou seja, será impossível implementar a mudança.

SENGE (1999) salienta que os gerentes/ líderes não têm o papel de conduzir as pessoas para a mudança, mas sim de criar ambientes organizacionais que inspirem, suportem e alavanquem a imaginação e a iniciativa que existe em todos os níveis.

É importante traçar o perfil das organizações que utilizam com sucesso cada uma das técnicas de neutralização da resistência à mudança mostradas neste trabalho e criar novos mecanismos que não sejam apenas fórmulas básicas do que fazer ou não fazer, mas que se moldem às características individuais da cultura organizacional de cada empresa, respeitando suas singularidades e se adequando à sua realidade.


Fonte: Por Renata Seldin, in www.e-creare.com.br


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAVALCANTI, M., Gestão de Empresas na Sociedade do Conhecimento. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 2001.
KATZ, D., KAHN, R., Psicologia Social das Organizações, São Paulo: Atlas, 1978.
KAUFMAN, H., The Limits of Organizational Change, University of Alabama Press, 1971.
KOTTER, J.P., The New Rules: How to Succeed in Today’s Post-Corporate World, 2001.
SENGE, P., A Dança das Mudanças. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

Comentários

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