Em tempos de culto à idéia da sustentabilidade, não basta a uma empresa ser social e ambientalmente responsável apenas em relação aos modelos de produção ou na gestão do seu negócio. É preciso também ter responsabilidade na hora de comunicar produtos e serviços, assegurando, por um lado, o direito do consumidor a informações precisas e, por outro, que os valores transmitidos pelas mensagens de propaganda não firam direitos humanos ou desrespeitem a diversidade nem reforcem preconceitos para com determinados tipos de público. Imagens negativas, como as de mulheres tratadas como objetos e afro-descendentes como subalternos, ou mesmo a emulação de padrões de beleza e de vida fora do comum, podem até gerar alguma empatia, mas, na verdade, mais afastam do que aproximam as empresas de seus consumidores, na medida em que podem gerar uma relação de desconfiança.
O poder que a propaganda tem de formar impressões e influenciar comportamentos na sociedade implica uma nova noção de responsabilidades para empresas e também quem trabalha com publicidade. Na opinião de Adriana Cury, chairwoman e diretora executiva de criação da agência McCann Erickson, "nada desequilibrado é adequado e eficiente". "Acredito - diz ela - que, hoje em dia, as empresas tendem a não fazer abordagens muito preconceituosas em relação a públicos específicos, pois elas prejudicam a sua própria imagem".
Segundo o consultor australiano Ken O''Donnell, presidente do Instituto Vivendo Valores e da Organização Brahma Kumaris para a América do Sul, está em curso uma mudança de paradigmas na sociedade. E ela acontece porque os consumidores começaram a buscar crescentemente informações sobre seus direitos e a saber exigir dos fornecedores respeito, confiança e fidelidade. "Se a imagem que a empresa mostra pela propaganda difere do produto ou serviço que vende, as pessoas não demoram para perceber a discrepância. E, uma vez lesado, o público não perdoa", analisa.
Luiz Lara, sócio-diretor da agência publicitária Lew''Lara, concorda com O''Donnell e complementa que a propaganda deve comunicar o que realmente acontece dentro da empresa, caso contrário o consumidor não vai acreditar na mensagem transmitida. "A publicidade deve passar a alma da marca, já que os consumidores optam por aquilo que tem valores com os quais eles se identificam. Por isso, cada vez mais, marcas são como pessoas", explica. De acordo com Lara, os clientes não deixaram de se interessar pela qualidade ou variedade de atributos dos produtos e serviços que compram, apenas passaram a reivindicar mais das empresas.
Atenta a este movimento de crescente conscientização dos consumidores, a rede de lanchonetes McDonald''s, que nos últimos anos passou a enfrentar em alguns lugares do mundo fortes críticas aos alimentos que comercializa - acusados de serem pouco saudáveis - começou a veicular campanhas publicitárias, de caráter informativo, que procuram explicar aos clientes do que são compostos seus sanduíches, que quantidade de calorias possuem e quais as alternativas menos calóricas para aqueles preocupados em ter uma dieta com menos gorduras. A intenção é associar a marca - vista especialmente nos EUA como importante aliada do aumento de obesidade entre crianças - às questões de qualidade de vida e saúde.
Como medidas práticas, há cerca de um ano, a empresa também retirou dos lanches a gordura trans, considerada nociva. As mudanças, de acordo com Mauro Multedo, vice-presidente de Comunicação e Marketing do McDonald''s Brasil, não foram uma iniciativa para melhorar a imagem da rede, mas sim uma maneira de eliminar desentendimentos com os clientes, visando informá-los exatamente sobre o que estão comendo quando solicitam um sanduíche em uma das lojas da rede. "Fazemos um esforço contínuo para mostrar as características do nosso produto e assim refletir transparência ao consumidor", explica.
O executivo afirma que, no Brasil, as lojas atendem a 1,6 milhão de clientes por dia. O número sobe para 40 milhões no mundo. "É muita responsabilidade que temos que assumir. Os consumidores podem gostar ou não do McDonald''s, mas queremos que eles saibam que fazemos o melhor trabalho possível", diz ele. Aumenta a responsabilidade - enfatiza Multedo - a tendência das pessoas fazerem mais refeições fora de casa, seja por falta de tempo ou por praticidade. Por causa disso, os restaurantes passaram a ampliar a variedade de alimentos e diversificar o conteúdo nutritivo dos produtos.
"Faz parte do negócio pensar nessas oportunidades, por isso as empresas brasileiras, mesmo que não integralmente, trilham o caminho da transmissão de valores mais positivos na publicidade", afirma Adriana da McCann. Se a importância de comunicar com responsabilidade está clara, fica ainda a dúvida de como realizar uma peça de propaganda que, ao mesmo tempo, aborde a marca e o produto (ou serviço), usando uma mensagem positiva que não soe um discurso apenas politicamente correto, mas sem sentido.
O segredo, segundo Lara, é construir a comunicação de dentro para fora, ou seja, "a partir dos valores praticados pela empresa". Na visão do profissional, a publicidade é, portanto, um reflexo dos princípios que compõem a identidade da organização e do modo como ela deseja percebida pelos seus públicos de interesse. Se eles forem socialmente responsáveis, é natural que a comunicação também seja.
Exemplo disso é o Banco Real/ABN AMRO, que fundamenta todas suas campanhas publicitárias na identidade da empresa. "É uma visão de negócio. Não fazemos isso para passar uma imagem positiva. A imagem reflete o que somos e o que praticamos, porque é real e natural. Somos um banco e achamos que podemos fazer mais", argumenta Fernando Martins, diretor executivo de Estratégia de Marca.
Por isso, a empresa desenvolveu um livro com a linguagem da marca, que serve como inspiração e base para as peças publicitárias. Dessa forma, toda a comunicação é produzida a partir dos valores em que acredita a organização. Uma das iniciativas inovadoras do Real na propaganda foi a decisão de usar apenas funcionários das agências - nunca modelos ou atores. "O banco é formado por pessoas. Se elas forem embora, desaparecemos", constata.
Outra marca que decidiu utilizar apenas "pessoas reais" - e não profissionais contratados - na publicidade foi a Dove, da Unilever, desde 1992, com testemunhais de diferentes mulheres, todas potenciais consumidoras dos produtos. Em 94, uma pesquisa realizada pela empresa constatou que apenas 2% das mulheres se consideravam bonitas. "Com esses resultados, percebemos que havia estereótipos inatingíveis que as pessoas seguiam, e partimos para tentar entender mais como as mulheres se envolviam com a beleza", afirma Daniela Cachich, gerente de Marketing de Dove.
Dez anos depois, a marca deu um passo além e lançou a Campanha pela Real Beleza, com o objetivo de promover a discussão sobre os padrões de beleza atuais. Segundo Daniela, além da vitalidade, valor da Unilever que Dove incorpora, a missão da publicidade é transmitir a mensagem de que é possível sentir-se bem consigo mesma todos os dias.
Cada um com seu papel
Para O''Donnell, existem três categorias de empresas. Aquelas que "realmente não se importam", e usam tudo o que podem na propaganda visando atrair o consumidor para o produto ou serviço, a exemplo de estereótipos e discriminação; aquelas que procuram fazer sua comunicação com muita cautela, e por isso "não criam problemas, porém não geram soluções"; e as que "fazem uma decisão consciente de promover e relacionar suas marcas a certas causas". O mesmo ocorre - segundo ele - com as agências de propaganda.
"O papel das agências hoje ganha uma enorme relevância, porque elas devem, cada vez mais, criar conteúdos criativos numa linguagem que traduza os valores da marca e conecte milhares de consumidores", observa Lara, da Lew''Lara. Segundo o publicitário, as agências são "consultorias de comunicação", na medida em que sua função é mapear todos os pontos que definem as marcas, incluindo, evidentemente, os valores nos quais acreditam e com os quais desejam ser identificadas pelos consumidores.
Se a preocupação com novas abordagens cresce entre empresas e agências, porque ainda muitas campanhas escorregam usando abordagens preconceituosas ou valores antiquados e claramente inadequados para os tempos atuais? Adriana, da McCann, diz que "para comunicar para um consumidor que tem preconceitos, a comunicação tem que captar sua essência". A publicitária acredita que a propaganda não é um agente que promove mudanças, mas sim um meio de mostrar as transformações da sociedade. "Nós apenas ajudamos a potencializar essas mudanças", pondera Adriana.
Ao pensar justamente nesse tipo de consumidor pouco preocupado e consciente, O''Donnell afirma que, infelizmente, "o público, em geral, não pensa". "O ambiente está tão contaminado com a publicidade, com tantas imagens e mensagens diferentes, que não é possível raciocinar direito. Por isso a maioria das pessoas se desliga, não faz associações, não condena", opina o publicitário. Segundo o especialista, que já atuou em diversos países, o consumidor brasileiro ainda demonstra imaturidade e não exerce o seu papel de protagonista. Por isso não consegue discernir, muitas vezes, quando as empresas usam mensagens e valores negativos para persuadí-lo a comprar.
Lara diz que, na publicidade, anunciantes como esses "mostram o que está por dentro da sua estrutura", ou seja, refletem uma gestão irresponsável. Em outras palavras, se uma organização veicula mensagens pouco responsáveis em sua comunicação, isso significa que a sustentabilidade não faz parte de seu cotidiano ou da relação de prioridades. "Uma empresa que não respeita a diversidade e que não transmite sustentabilidade nos seus elementos, por mais criativa que seja na propaganda, não vai ter eficácia", completa.
Fonte: Por Carmen Guerreiro, in Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 14
O poder que a propaganda tem de formar impressões e influenciar comportamentos na sociedade implica uma nova noção de responsabilidades para empresas e também quem trabalha com publicidade. Na opinião de Adriana Cury, chairwoman e diretora executiva de criação da agência McCann Erickson, "nada desequilibrado é adequado e eficiente". "Acredito - diz ela - que, hoje em dia, as empresas tendem a não fazer abordagens muito preconceituosas em relação a públicos específicos, pois elas prejudicam a sua própria imagem".
Segundo o consultor australiano Ken O''Donnell, presidente do Instituto Vivendo Valores e da Organização Brahma Kumaris para a América do Sul, está em curso uma mudança de paradigmas na sociedade. E ela acontece porque os consumidores começaram a buscar crescentemente informações sobre seus direitos e a saber exigir dos fornecedores respeito, confiança e fidelidade. "Se a imagem que a empresa mostra pela propaganda difere do produto ou serviço que vende, as pessoas não demoram para perceber a discrepância. E, uma vez lesado, o público não perdoa", analisa.
Luiz Lara, sócio-diretor da agência publicitária Lew''Lara, concorda com O''Donnell e complementa que a propaganda deve comunicar o que realmente acontece dentro da empresa, caso contrário o consumidor não vai acreditar na mensagem transmitida. "A publicidade deve passar a alma da marca, já que os consumidores optam por aquilo que tem valores com os quais eles se identificam. Por isso, cada vez mais, marcas são como pessoas", explica. De acordo com Lara, os clientes não deixaram de se interessar pela qualidade ou variedade de atributos dos produtos e serviços que compram, apenas passaram a reivindicar mais das empresas.
Atenta a este movimento de crescente conscientização dos consumidores, a rede de lanchonetes McDonald''s, que nos últimos anos passou a enfrentar em alguns lugares do mundo fortes críticas aos alimentos que comercializa - acusados de serem pouco saudáveis - começou a veicular campanhas publicitárias, de caráter informativo, que procuram explicar aos clientes do que são compostos seus sanduíches, que quantidade de calorias possuem e quais as alternativas menos calóricas para aqueles preocupados em ter uma dieta com menos gorduras. A intenção é associar a marca - vista especialmente nos EUA como importante aliada do aumento de obesidade entre crianças - às questões de qualidade de vida e saúde.
Como medidas práticas, há cerca de um ano, a empresa também retirou dos lanches a gordura trans, considerada nociva. As mudanças, de acordo com Mauro Multedo, vice-presidente de Comunicação e Marketing do McDonald''s Brasil, não foram uma iniciativa para melhorar a imagem da rede, mas sim uma maneira de eliminar desentendimentos com os clientes, visando informá-los exatamente sobre o que estão comendo quando solicitam um sanduíche em uma das lojas da rede. "Fazemos um esforço contínuo para mostrar as características do nosso produto e assim refletir transparência ao consumidor", explica.
O executivo afirma que, no Brasil, as lojas atendem a 1,6 milhão de clientes por dia. O número sobe para 40 milhões no mundo. "É muita responsabilidade que temos que assumir. Os consumidores podem gostar ou não do McDonald''s, mas queremos que eles saibam que fazemos o melhor trabalho possível", diz ele. Aumenta a responsabilidade - enfatiza Multedo - a tendência das pessoas fazerem mais refeições fora de casa, seja por falta de tempo ou por praticidade. Por causa disso, os restaurantes passaram a ampliar a variedade de alimentos e diversificar o conteúdo nutritivo dos produtos.
"Faz parte do negócio pensar nessas oportunidades, por isso as empresas brasileiras, mesmo que não integralmente, trilham o caminho da transmissão de valores mais positivos na publicidade", afirma Adriana da McCann. Se a importância de comunicar com responsabilidade está clara, fica ainda a dúvida de como realizar uma peça de propaganda que, ao mesmo tempo, aborde a marca e o produto (ou serviço), usando uma mensagem positiva que não soe um discurso apenas politicamente correto, mas sem sentido.
O segredo, segundo Lara, é construir a comunicação de dentro para fora, ou seja, "a partir dos valores praticados pela empresa". Na visão do profissional, a publicidade é, portanto, um reflexo dos princípios que compõem a identidade da organização e do modo como ela deseja percebida pelos seus públicos de interesse. Se eles forem socialmente responsáveis, é natural que a comunicação também seja.
Exemplo disso é o Banco Real/ABN AMRO, que fundamenta todas suas campanhas publicitárias na identidade da empresa. "É uma visão de negócio. Não fazemos isso para passar uma imagem positiva. A imagem reflete o que somos e o que praticamos, porque é real e natural. Somos um banco e achamos que podemos fazer mais", argumenta Fernando Martins, diretor executivo de Estratégia de Marca.
Por isso, a empresa desenvolveu um livro com a linguagem da marca, que serve como inspiração e base para as peças publicitárias. Dessa forma, toda a comunicação é produzida a partir dos valores em que acredita a organização. Uma das iniciativas inovadoras do Real na propaganda foi a decisão de usar apenas funcionários das agências - nunca modelos ou atores. "O banco é formado por pessoas. Se elas forem embora, desaparecemos", constata.
Outra marca que decidiu utilizar apenas "pessoas reais" - e não profissionais contratados - na publicidade foi a Dove, da Unilever, desde 1992, com testemunhais de diferentes mulheres, todas potenciais consumidoras dos produtos. Em 94, uma pesquisa realizada pela empresa constatou que apenas 2% das mulheres se consideravam bonitas. "Com esses resultados, percebemos que havia estereótipos inatingíveis que as pessoas seguiam, e partimos para tentar entender mais como as mulheres se envolviam com a beleza", afirma Daniela Cachich, gerente de Marketing de Dove.
Dez anos depois, a marca deu um passo além e lançou a Campanha pela Real Beleza, com o objetivo de promover a discussão sobre os padrões de beleza atuais. Segundo Daniela, além da vitalidade, valor da Unilever que Dove incorpora, a missão da publicidade é transmitir a mensagem de que é possível sentir-se bem consigo mesma todos os dias.
Cada um com seu papel
Para O''Donnell, existem três categorias de empresas. Aquelas que "realmente não se importam", e usam tudo o que podem na propaganda visando atrair o consumidor para o produto ou serviço, a exemplo de estereótipos e discriminação; aquelas que procuram fazer sua comunicação com muita cautela, e por isso "não criam problemas, porém não geram soluções"; e as que "fazem uma decisão consciente de promover e relacionar suas marcas a certas causas". O mesmo ocorre - segundo ele - com as agências de propaganda.
"O papel das agências hoje ganha uma enorme relevância, porque elas devem, cada vez mais, criar conteúdos criativos numa linguagem que traduza os valores da marca e conecte milhares de consumidores", observa Lara, da Lew''Lara. Segundo o publicitário, as agências são "consultorias de comunicação", na medida em que sua função é mapear todos os pontos que definem as marcas, incluindo, evidentemente, os valores nos quais acreditam e com os quais desejam ser identificadas pelos consumidores.
Se a preocupação com novas abordagens cresce entre empresas e agências, porque ainda muitas campanhas escorregam usando abordagens preconceituosas ou valores antiquados e claramente inadequados para os tempos atuais? Adriana, da McCann, diz que "para comunicar para um consumidor que tem preconceitos, a comunicação tem que captar sua essência". A publicitária acredita que a propaganda não é um agente que promove mudanças, mas sim um meio de mostrar as transformações da sociedade. "Nós apenas ajudamos a potencializar essas mudanças", pondera Adriana.
Ao pensar justamente nesse tipo de consumidor pouco preocupado e consciente, O''Donnell afirma que, infelizmente, "o público, em geral, não pensa". "O ambiente está tão contaminado com a publicidade, com tantas imagens e mensagens diferentes, que não é possível raciocinar direito. Por isso a maioria das pessoas se desliga, não faz associações, não condena", opina o publicitário. Segundo o especialista, que já atuou em diversos países, o consumidor brasileiro ainda demonstra imaturidade e não exerce o seu papel de protagonista. Por isso não consegue discernir, muitas vezes, quando as empresas usam mensagens e valores negativos para persuadí-lo a comprar.
Lara diz que, na publicidade, anunciantes como esses "mostram o que está por dentro da sua estrutura", ou seja, refletem uma gestão irresponsável. Em outras palavras, se uma organização veicula mensagens pouco responsáveis em sua comunicação, isso significa que a sustentabilidade não faz parte de seu cotidiano ou da relação de prioridades. "Uma empresa que não respeita a diversidade e que não transmite sustentabilidade nos seus elementos, por mais criativa que seja na propaganda, não vai ter eficácia", completa.
Fonte: Por Carmen Guerreiro, in Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 14
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