A pesquisa etnográfica nunca esteve tão em alta. Nela, o pesquisador se insere no ambiente do consumidor, buscando por meio da observação próxima e precisa, informações sobre seu comportamento de uso. O pesquisador, com o consentimento do consumidor, vai até sua casa, o acompanha durante uma manhã ou tarde enquanto consome o produto – os mais comuns são alimentos e artigos de higiene pessoal e limpeza da casa, participando do processo sem interferir. Sua origem remonta das experiências de antropólogos que conviviam com tribos indígenas para observar o comportamento daquela comunidade e interpretar seus medos, rituais e hábitos.
Ao ultrapassar a porta da casa de um consumidor, o pesquisador passa a ter acesso a um mundo totalmente real, aquele que ele não consegue enxergar detrás de uma montanha de formulários de papel. É hora de comprovar se ele faz realmente o que diz fazer. É hora, também, de captar tudo aquilo que nem sempre é verbalizado. Ele entra num campo altamente rico, o tácito, aquele difícil de explicar mas fácil de absorver com atitudes simples. Vestir-se de forma parecida e usar um vocabulário adequado a ele é uma técnica que pode aproximar o pesquisador de seu objeto de pesquisa. Existem muitas outras, todas com a mesma intenção: fazer com que o consumidor se sinta o mais confortável possível com a presença do intruso e agir de forma natural, como se ele fosse um conhecido. “O pesquisador é treinado para realizar uma observação participativa em que mais observa e questiona do que comanda”, comenta Renata Aisen, consultora de desenvolvimento de mercado da Integration. O trabalho de Renata começa quando o do pesquisador termina. Ela é responsável por trabalhar os dados coletados, traduzí-los para o mercado corporativo e analisar a aplicação prática.
É muito comum Renata convidar o próprio executivo da empresa contratante, para acompanhar a visita e vivenciar essa experiência única de ver seu consumidor usando o produto que vende. “Já tive casos em que, após a visita e de ver a relação que o consumidor mantinha com o produto, o executivo mudou radicalmente seu modo de trabalhar”, conta.
Antes de tocar a campainha, entretanto, eles passam por um workshop em que aprendem todas as técnicas para não cometerem dois erros extremos: tornarem-se um vulto dentro do ambiente ou questionar demais os hábitos do consumidor. Ambas atitudes intimidam, ou pior, estimulam o consumidor a fazer tudo diferente do que normalmente faz, para impressionar seu observador.
“Os pesquisadores são pessoas com uma boa base em psicologia, antropologia e sociologia. Sabem questionar o hábito de uso sem julgar”, complementa. Essa formação lapidada do pesquisador explica porque a pesquisa é tão cara e ainda pouco usada no Brasil. Porém, os resultados compensam. Foi visitando a casa de consumidores que a Unilever Bestfoods se viu diante de algo que nem imaginava em relação à sua linha de margarinas Becel. As equipes de pesquisa observavam o consumidor enquanto consumia o produto, passava no pão e - opa - usava para cozinhar, o que não era seu propósito. A interpretação era de que os benefícios nutricionais eram tão significativos que aquelas pessoas não abriam mão deles nem para cozinhar. Meses depois chegava às prateleiras a versão Culinária com uma fórmula específica para esse fim.
Geralmente, estas pesquisas se restringem à casa do consumidor, mas numa determina ocasião, José Domingues, diretor da empresa de pesquisa e consultoria Sense Envirosell, extrapolou esta fronteira. A idéia era descobrir porque o Brasil, sendo um país tropical e com uma enorme população de crianças e jovens consumia pouquíssimo sorvete – bem menos que muitos países frios. “Levamos mães e filhos para passar uma manhã no parque do Ibirapuera, em São Paulo. Eles não sabiam do que se tratava a pesquisa”, conta Domingues. Numa determinada hora, próximos do sorveteiro, algumas mães compraram sorvetes para os filhos e outras não. Entre as que compraram, muitas faziam questão de escolher o sorvete que seu filho iria comer. Os pesquisadores perguntaram as razões da escolha: “com leite é mais nutritivo para as crianças”, dizia uma; “prefiro de frutas, é mais saudável”, outra. Os pesquisadores também conseguiram algumas respostas das que negaram o pedido dos filhos: “se meu filho tomar, vai ficar gripado”, “dá dor de garganta”. “Descobrimos que no Brasil ainda há uma forte cultura, enraizada no tempo de nossas avós, de que sorvete, por si só, estaria ligado a gripe e problemas de garganta”, conta Domingues. Foi o suficiente para clarear o caminho da empresa contratante da pesquisa, que entrou no mercado melhor munida para abocanhar a simpatia das mães.
Nos Estados Unidos, duas pesquisadoras, a pedido da cervejaria Miller, foram mais longe. Queriam identificar o perfil do bebedor de cerveja americano de “vinte e poucos anos”. Não aquele de como as pesquisas de rua diziam que ele era. Mas sim, como ele era na realidade, com uma caneca em punho. Assim, duas pesquisadoras freqüentaram bares na noite de San Diego e Filadélfia, se infiltraram entre os bebedores e anotaram tudo o que seus sentidos puderam captar. Desde a forma de cumprimento entre eles – nada de tapinhas “high five”, mas sim leves socos mão com mão -, como pediam a cerveja ao garçom, conversavam e até que marca pediam. E aqui residiu a maior descoberta. Elas observaram – e depois os vídeos de observação comprovaram – que os bebedores de Miller Lite geralmente estão acompanhados por um grupo de amigos, enquanto sua concorrente Bud Lite é preferida por aqueles que estão sozinhos. O insight virou o tema central da nova campanha publicitária da Miller, que arrebatou seus consumidores de forma certeira.
O que as empresas de pesquisa já descobriram sobre o comportamento do consumidor observando-o em sua casa:
- "O consumidor mantém com as marcas uma relação mais emocional do que se poderia imaginar. Em relação a alguns alimentos, com um molho de tomate por exemplo, o consumidor o associa ao sucesso de uma refeição que está prestes a oferecer à famíli-a.
- "Quando se fala em produtos para bebês, esse envolvimento ganha patamares espetaculares. Remete aos valores que a mãe quer passar a seu filho, então a consumidora faz questão de comprar o melhor produto e passa a ter com ele uma relação próxima, quase que de “amizade”.
- "Para as mulheres principalmente, os produtos são encarados como “resolvedores de problemas”. Ela tende, invariavelmente, a consumidor soluções. Entenda-se por solução, um produto que vai trazer praticidade para sua rotina corrida.
"Na moderna sociedade de consumo, as marcas passam a fazer parte de um composto cultural de um povo. Para um consumidor, uma simples marca de detergente pode carregar consigo noções de status, estima, reconhecimento e estilo. A marca, para ele, torna-se uma solução de aceitação na sociedade.
- "As embalagens com a tampa na base – que deram fim à necessidade de sacudir até tirar a última gota de seu conteúdo -, nasceram da observação dos consumidores no momento do uso. Pesquisadores notaram a importância que o consumidor dá em usar o produto até o fim, sem nenhum desperdício.
Fonte: Por Ticiana Werneck, in www.consumidormoderno.com.br
Ao ultrapassar a porta da casa de um consumidor, o pesquisador passa a ter acesso a um mundo totalmente real, aquele que ele não consegue enxergar detrás de uma montanha de formulários de papel. É hora de comprovar se ele faz realmente o que diz fazer. É hora, também, de captar tudo aquilo que nem sempre é verbalizado. Ele entra num campo altamente rico, o tácito, aquele difícil de explicar mas fácil de absorver com atitudes simples. Vestir-se de forma parecida e usar um vocabulário adequado a ele é uma técnica que pode aproximar o pesquisador de seu objeto de pesquisa. Existem muitas outras, todas com a mesma intenção: fazer com que o consumidor se sinta o mais confortável possível com a presença do intruso e agir de forma natural, como se ele fosse um conhecido. “O pesquisador é treinado para realizar uma observação participativa em que mais observa e questiona do que comanda”, comenta Renata Aisen, consultora de desenvolvimento de mercado da Integration. O trabalho de Renata começa quando o do pesquisador termina. Ela é responsável por trabalhar os dados coletados, traduzí-los para o mercado corporativo e analisar a aplicação prática.
É muito comum Renata convidar o próprio executivo da empresa contratante, para acompanhar a visita e vivenciar essa experiência única de ver seu consumidor usando o produto que vende. “Já tive casos em que, após a visita e de ver a relação que o consumidor mantinha com o produto, o executivo mudou radicalmente seu modo de trabalhar”, conta.
Antes de tocar a campainha, entretanto, eles passam por um workshop em que aprendem todas as técnicas para não cometerem dois erros extremos: tornarem-se um vulto dentro do ambiente ou questionar demais os hábitos do consumidor. Ambas atitudes intimidam, ou pior, estimulam o consumidor a fazer tudo diferente do que normalmente faz, para impressionar seu observador.
“Os pesquisadores são pessoas com uma boa base em psicologia, antropologia e sociologia. Sabem questionar o hábito de uso sem julgar”, complementa. Essa formação lapidada do pesquisador explica porque a pesquisa é tão cara e ainda pouco usada no Brasil. Porém, os resultados compensam. Foi visitando a casa de consumidores que a Unilever Bestfoods se viu diante de algo que nem imaginava em relação à sua linha de margarinas Becel. As equipes de pesquisa observavam o consumidor enquanto consumia o produto, passava no pão e - opa - usava para cozinhar, o que não era seu propósito. A interpretação era de que os benefícios nutricionais eram tão significativos que aquelas pessoas não abriam mão deles nem para cozinhar. Meses depois chegava às prateleiras a versão Culinária com uma fórmula específica para esse fim.
Geralmente, estas pesquisas se restringem à casa do consumidor, mas numa determina ocasião, José Domingues, diretor da empresa de pesquisa e consultoria Sense Envirosell, extrapolou esta fronteira. A idéia era descobrir porque o Brasil, sendo um país tropical e com uma enorme população de crianças e jovens consumia pouquíssimo sorvete – bem menos que muitos países frios. “Levamos mães e filhos para passar uma manhã no parque do Ibirapuera, em São Paulo. Eles não sabiam do que se tratava a pesquisa”, conta Domingues. Numa determinada hora, próximos do sorveteiro, algumas mães compraram sorvetes para os filhos e outras não. Entre as que compraram, muitas faziam questão de escolher o sorvete que seu filho iria comer. Os pesquisadores perguntaram as razões da escolha: “com leite é mais nutritivo para as crianças”, dizia uma; “prefiro de frutas, é mais saudável”, outra. Os pesquisadores também conseguiram algumas respostas das que negaram o pedido dos filhos: “se meu filho tomar, vai ficar gripado”, “dá dor de garganta”. “Descobrimos que no Brasil ainda há uma forte cultura, enraizada no tempo de nossas avós, de que sorvete, por si só, estaria ligado a gripe e problemas de garganta”, conta Domingues. Foi o suficiente para clarear o caminho da empresa contratante da pesquisa, que entrou no mercado melhor munida para abocanhar a simpatia das mães.
Nos Estados Unidos, duas pesquisadoras, a pedido da cervejaria Miller, foram mais longe. Queriam identificar o perfil do bebedor de cerveja americano de “vinte e poucos anos”. Não aquele de como as pesquisas de rua diziam que ele era. Mas sim, como ele era na realidade, com uma caneca em punho. Assim, duas pesquisadoras freqüentaram bares na noite de San Diego e Filadélfia, se infiltraram entre os bebedores e anotaram tudo o que seus sentidos puderam captar. Desde a forma de cumprimento entre eles – nada de tapinhas “high five”, mas sim leves socos mão com mão -, como pediam a cerveja ao garçom, conversavam e até que marca pediam. E aqui residiu a maior descoberta. Elas observaram – e depois os vídeos de observação comprovaram – que os bebedores de Miller Lite geralmente estão acompanhados por um grupo de amigos, enquanto sua concorrente Bud Lite é preferida por aqueles que estão sozinhos. O insight virou o tema central da nova campanha publicitária da Miller, que arrebatou seus consumidores de forma certeira.
O que as empresas de pesquisa já descobriram sobre o comportamento do consumidor observando-o em sua casa:
- "O consumidor mantém com as marcas uma relação mais emocional do que se poderia imaginar. Em relação a alguns alimentos, com um molho de tomate por exemplo, o consumidor o associa ao sucesso de uma refeição que está prestes a oferecer à famíli-a.
- "Quando se fala em produtos para bebês, esse envolvimento ganha patamares espetaculares. Remete aos valores que a mãe quer passar a seu filho, então a consumidora faz questão de comprar o melhor produto e passa a ter com ele uma relação próxima, quase que de “amizade”.
- "Para as mulheres principalmente, os produtos são encarados como “resolvedores de problemas”. Ela tende, invariavelmente, a consumidor soluções. Entenda-se por solução, um produto que vai trazer praticidade para sua rotina corrida.
"Na moderna sociedade de consumo, as marcas passam a fazer parte de um composto cultural de um povo. Para um consumidor, uma simples marca de detergente pode carregar consigo noções de status, estima, reconhecimento e estilo. A marca, para ele, torna-se uma solução de aceitação na sociedade.
- "As embalagens com a tampa na base – que deram fim à necessidade de sacudir até tirar a última gota de seu conteúdo -, nasceram da observação dos consumidores no momento do uso. Pesquisadores notaram a importância que o consumidor dá em usar o produto até o fim, sem nenhum desperdício.
Fonte: Por Ticiana Werneck, in www.consumidormoderno.com.br
Comentários