Uma das mais longas novelas no mercado de fusões e aquisições está próxima de chegar ao fim. Após quase um ano de intensas negociações, a venda do banco holandês ABN Amro deverá finalmente ser concluída no início de outubro. Entre os dias 4 e 5, os acionistas vão decidir se vendem suas participações ao britânico Barclays, terceiro maior banco da Inglaterra, ou ao consórcio formado pelos bancos Royal Bank of Scotland, Fortis e Santander. Cada vez mais, a balança vem pendendo para o lado do Santander. O consórcio do qual o banco espanhol faz parte ofereceu a melhor proposta -- 98 bilhões de dólares, ante 93 bilhões do Barclays -- e tudo indica que seja mesmo o vencedor. No último dia 15 de setembro, o presidente mundial do Santander, Emilio Botín, comunicou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que a compra do ABN só não sairá "em caso de tsunami". A afirmação foi corroborada, logo depois, pelo próprio presidente executivo do ABN, Rijkman Groenink. Em entrevista à rede de TV holandesa NOS, Groenink confirmou o favoritismo do consórcio liderado pelo banco espanhol -- mas afirmou que o ABN continua neutro em relação às ofertas.
Qualquer que seja o resultado das negociações, a disputa já começa a ter conseqüências no Brasil, especialmente no ABN. Com medo de que o banco acabe, de fato, nas mãos do Santander, centenas de funcionários do ABN Real já deixaram a instituição, a maioria migrando para outros bancos. Trata-se de um problema comum aos processos de fusão -- sobretudo entre empresas de culturas tão diferentes. De acordo com dados do sindicato dos bancários, desde que, em março, começaram os rumores de que o Santander poderia ser o comprador, mais de 500 empregados se desligaram do banco -- dois terços deles alegando temer as conseqüências de uma provável compra por parte do banco espanhol. O número é o dobro da média histórica do ABN Real, um dos destaques deste ano do Guia Você S/A-EXAME -- As 150 Melhores Empresas para Você Trabalhar. Segundo dados oficiais do ABN Real, cerca de 360 funcionários deixaram o banco desde março -- aumento de 50% em relação à média anterior. Independentemente do número exato, a recente migração de profissionais já fez soar o sinal de alerta na alta diretoria do banco. Diante da situação, Fábio Barbosa, presidente do ABN Real, determinou que o departamento de recursos humanos suspendesse as demissões que haviam sido programadas para o mês de agosto -- e deu sinal verde para ações que estanquem a saída em massa de funcionários. "Na semana em que o Santander oficializou sua oferta, o banco parecia um velório. Não havia piadas nem conversas de corredor", afirma um executivo recém-saído do ABN.
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A briga fica boa
Juntos, ABN e Santander formariam o terceiro maior banco privado do país, logo atrás de Bradesco e Itaú (ativos em bilhões de reais)
- Bradesco 290,6
- ITAÚ 255,4
- ABN + Santander(1) 250,5
- Unibanco 126,2
(1) Estimativa
Fonte: Banco Central
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O clima de tensão na operação brasileira é gerado pelo temor de que, com a vitória cada vez mais certa do consórcio, haja demissões em massa, provocadas pela duplicidade de cargos entre os bancos. Estima-se que, se o Santander for de fato o comprador, cerca de 1 500 pessoas, na previsão mais otimista, poderão ser demitidas. "Numa fusão como essa, os ganhos de sinergia decorrem principalmente do corte de pessoal", diz Sachin Mehta, da consultoria EuroPraxis. O outro motivo está ligado à cultura reinante no banco espanhol. Os modelos de gestão adotados pelos dois bancos são quase opostos. No ABN, prevalece uma cultura de consenso. Cada projeto é votado por um conjunto de diretores -- em reuniões que chegam a durar 3 horas. Além disso, as metas coletivas sobrepõem-se às individuais. No Santander, quem não atinge os objetivos por três meses consecutivos entra na mira da demissão.
Para ajudar a reduzir a ansiedade durante o processo de negociação e manter a normalidade nas operações, Fábio Barbosa tem feito reuniões quinzenais com as equipes. Até agora, a saída de funcionários tem se concentrado em áreas como tecnologia, marketing, contabilidade, jurídico e rede de atendimento. Mas existe a preocupação de que ela atinja escalões mais altos. Para tentar remediar a situação, Barbosa aumentou a bonificação dos principais diretores da instituição. Embora oficialmente o banco não admita, seus executivos mais importantes receberam garantias como a manutenção, pelos próximos três anos, do bônus pago em 2006, quando o ABN registrou recorde de resultados. Além disso, em julho, funcionários em posições tidas como estratégicas receberam aumento de salário de até 30%. Segundo especialistas, essas medidas podem retardar o processo, mas dificilmente irão contê-lo. "Muitos diretores já avisaram que vão deixar o banco se o Santander sair vitorioso", diz um headhunter especializado no sistema financeiro. O ABN nega que tenha tomado medidas para conter a fuga de executivos. "A política de aumentos salariais e de promoções permanece a mesma de anos anteriores", afirma um porta-voz do banco.
NUM PROCESSO DE FUSÃO e aquisição, a questão envolvendo a retenção de funcionários é uma das mais delicadas. Passadas as fases de avaliação de ativos, acerto de preços e due dilligence, é preciso administrar expectativas, egos e, principalmente, o choque de culturas entre as empresas. Uma recente pesquisa realizada pela consultoria KPMG com 700 operações de fusão e aquisição mostrou que, em mais da metade dos casos, o resultado do negócio era a destruição de valor da empresa. O principal motivo está relacionado ao embate de culturas entre as companhias envolvidas e a evasão de executivos talentosos. "É muito comum que exista uma fuga de funcionários no início do processo", afirma Carlos Alberto Miranda, especialista em fusões e aquisições da consultoria Ernst & Young. "O problema é quando ela se perpetua após concluída a operação." O caso envolvendo a compra do BankBoston pelo Itaú em 2006 é um exemplo disso. Apenas três meses após a operação, o banco havia perdido quase metade dos funcionários. Estima-se que cerca de 500 ex-BankBoston tenham migrado para concorrentes como Citi, Safra e o próprio ABN. Dos 41 diretores absorvidos pelo Itaú, seis já deixaram o banco -- a maioria sob alegação de incompatibilidade com a cultura da instituição. "Num processo de aquisição, o importante não é quantos saem, mas quem sai", diz Miranda. "Quanto mais alta a hierarquia, mais estratégico é o profissional."
Na operação brasileira do Santander, o clima é mais de otimismo que de temor. Seus executivos já dão como certa a criação de um colosso com ativos de aproximadamente 250 bilhões de reais, uma rede com 2 000 agências e uma carteira de crédito em torno de 80 bilhões de reais. O discurso de Botín no dia 15 inflamou ainda mais os ânimos. A compra do ABN permitirá que o Santander vá, numa só tacada, da quinta para a terceira posição entre os maiores bancos privados do país, atrás de Bradesco e Itaú e à frente do Unibanco, o quarto colocado. Não fosse o desconto de cerca de 10% nos ativos devido ao ganho de sinergias, o banco resultante seria maior que o Itaú. Além de ganhar musculatura no varejo, o Santander ainda somaria o conhecimento de um banco tido como um dos mais bem administrados do país. "O ABN conta com uma financeira líder de mercado, um setor de private muito bem-sucedido e uma área de atacado bastante eficiente, segmentos em que o Santander ainda enfrenta dificuldades", afirma Alberto Matias, da ABM Consulting, especializada em mercado financeiro.
A definição sobre o futuro do ABN deve acontecer já nas próximas semanas. No dia 20 de setembro, os acionistas do ABN Amro na Holanda pretendem se reunir em assembléia extraordinária para estudar detalhadamente cada uma das propostas. Apesar da certeza cada vez maior de que o comprador seja o Santander, a decisão final só deverá ser tomada no início de outubro, quando vencem os prazos das ofertas feitas pelo Barclays e pelo consórcio do qual faz parte o banco espanhol. Ainda assim, há a possibilidade de que a disputa ganhe um novo round. Isso porque a venda para qualquer um dos bancos requer a aprovação de 80% dos acionistas. Se o quórum mínimo não for atingido, a disputa poderá se estender por mais alguns meses, até que sejam estabelecidos novos prazos e regras. Enquanto o resultado oficial não sai, muitos dos funcionários do ABN continuam, silenciosamente, na torcida por uma vitória do Barclays -- ainda que ela lhes pareça cada vez mais distante.
Fonte: Por Carolina Meyer, in portalexame.abril.com.br
Qualquer que seja o resultado das negociações, a disputa já começa a ter conseqüências no Brasil, especialmente no ABN. Com medo de que o banco acabe, de fato, nas mãos do Santander, centenas de funcionários do ABN Real já deixaram a instituição, a maioria migrando para outros bancos. Trata-se de um problema comum aos processos de fusão -- sobretudo entre empresas de culturas tão diferentes. De acordo com dados do sindicato dos bancários, desde que, em março, começaram os rumores de que o Santander poderia ser o comprador, mais de 500 empregados se desligaram do banco -- dois terços deles alegando temer as conseqüências de uma provável compra por parte do banco espanhol. O número é o dobro da média histórica do ABN Real, um dos destaques deste ano do Guia Você S/A-EXAME -- As 150 Melhores Empresas para Você Trabalhar. Segundo dados oficiais do ABN Real, cerca de 360 funcionários deixaram o banco desde março -- aumento de 50% em relação à média anterior. Independentemente do número exato, a recente migração de profissionais já fez soar o sinal de alerta na alta diretoria do banco. Diante da situação, Fábio Barbosa, presidente do ABN Real, determinou que o departamento de recursos humanos suspendesse as demissões que haviam sido programadas para o mês de agosto -- e deu sinal verde para ações que estanquem a saída em massa de funcionários. "Na semana em que o Santander oficializou sua oferta, o banco parecia um velório. Não havia piadas nem conversas de corredor", afirma um executivo recém-saído do ABN.
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A briga fica boa
Juntos, ABN e Santander formariam o terceiro maior banco privado do país, logo atrás de Bradesco e Itaú (ativos em bilhões de reais)
- Bradesco 290,6
- ITAÚ 255,4
- ABN + Santander(1) 250,5
- Unibanco 126,2
(1) Estimativa
Fonte: Banco Central
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O clima de tensão na operação brasileira é gerado pelo temor de que, com a vitória cada vez mais certa do consórcio, haja demissões em massa, provocadas pela duplicidade de cargos entre os bancos. Estima-se que, se o Santander for de fato o comprador, cerca de 1 500 pessoas, na previsão mais otimista, poderão ser demitidas. "Numa fusão como essa, os ganhos de sinergia decorrem principalmente do corte de pessoal", diz Sachin Mehta, da consultoria EuroPraxis. O outro motivo está ligado à cultura reinante no banco espanhol. Os modelos de gestão adotados pelos dois bancos são quase opostos. No ABN, prevalece uma cultura de consenso. Cada projeto é votado por um conjunto de diretores -- em reuniões que chegam a durar 3 horas. Além disso, as metas coletivas sobrepõem-se às individuais. No Santander, quem não atinge os objetivos por três meses consecutivos entra na mira da demissão.
Para ajudar a reduzir a ansiedade durante o processo de negociação e manter a normalidade nas operações, Fábio Barbosa tem feito reuniões quinzenais com as equipes. Até agora, a saída de funcionários tem se concentrado em áreas como tecnologia, marketing, contabilidade, jurídico e rede de atendimento. Mas existe a preocupação de que ela atinja escalões mais altos. Para tentar remediar a situação, Barbosa aumentou a bonificação dos principais diretores da instituição. Embora oficialmente o banco não admita, seus executivos mais importantes receberam garantias como a manutenção, pelos próximos três anos, do bônus pago em 2006, quando o ABN registrou recorde de resultados. Além disso, em julho, funcionários em posições tidas como estratégicas receberam aumento de salário de até 30%. Segundo especialistas, essas medidas podem retardar o processo, mas dificilmente irão contê-lo. "Muitos diretores já avisaram que vão deixar o banco se o Santander sair vitorioso", diz um headhunter especializado no sistema financeiro. O ABN nega que tenha tomado medidas para conter a fuga de executivos. "A política de aumentos salariais e de promoções permanece a mesma de anos anteriores", afirma um porta-voz do banco.
NUM PROCESSO DE FUSÃO e aquisição, a questão envolvendo a retenção de funcionários é uma das mais delicadas. Passadas as fases de avaliação de ativos, acerto de preços e due dilligence, é preciso administrar expectativas, egos e, principalmente, o choque de culturas entre as empresas. Uma recente pesquisa realizada pela consultoria KPMG com 700 operações de fusão e aquisição mostrou que, em mais da metade dos casos, o resultado do negócio era a destruição de valor da empresa. O principal motivo está relacionado ao embate de culturas entre as companhias envolvidas e a evasão de executivos talentosos. "É muito comum que exista uma fuga de funcionários no início do processo", afirma Carlos Alberto Miranda, especialista em fusões e aquisições da consultoria Ernst & Young. "O problema é quando ela se perpetua após concluída a operação." O caso envolvendo a compra do BankBoston pelo Itaú em 2006 é um exemplo disso. Apenas três meses após a operação, o banco havia perdido quase metade dos funcionários. Estima-se que cerca de 500 ex-BankBoston tenham migrado para concorrentes como Citi, Safra e o próprio ABN. Dos 41 diretores absorvidos pelo Itaú, seis já deixaram o banco -- a maioria sob alegação de incompatibilidade com a cultura da instituição. "Num processo de aquisição, o importante não é quantos saem, mas quem sai", diz Miranda. "Quanto mais alta a hierarquia, mais estratégico é o profissional."
Na operação brasileira do Santander, o clima é mais de otimismo que de temor. Seus executivos já dão como certa a criação de um colosso com ativos de aproximadamente 250 bilhões de reais, uma rede com 2 000 agências e uma carteira de crédito em torno de 80 bilhões de reais. O discurso de Botín no dia 15 inflamou ainda mais os ânimos. A compra do ABN permitirá que o Santander vá, numa só tacada, da quinta para a terceira posição entre os maiores bancos privados do país, atrás de Bradesco e Itaú e à frente do Unibanco, o quarto colocado. Não fosse o desconto de cerca de 10% nos ativos devido ao ganho de sinergias, o banco resultante seria maior que o Itaú. Além de ganhar musculatura no varejo, o Santander ainda somaria o conhecimento de um banco tido como um dos mais bem administrados do país. "O ABN conta com uma financeira líder de mercado, um setor de private muito bem-sucedido e uma área de atacado bastante eficiente, segmentos em que o Santander ainda enfrenta dificuldades", afirma Alberto Matias, da ABM Consulting, especializada em mercado financeiro.
A definição sobre o futuro do ABN deve acontecer já nas próximas semanas. No dia 20 de setembro, os acionistas do ABN Amro na Holanda pretendem se reunir em assembléia extraordinária para estudar detalhadamente cada uma das propostas. Apesar da certeza cada vez maior de que o comprador seja o Santander, a decisão final só deverá ser tomada no início de outubro, quando vencem os prazos das ofertas feitas pelo Barclays e pelo consórcio do qual faz parte o banco espanhol. Ainda assim, há a possibilidade de que a disputa ganhe um novo round. Isso porque a venda para qualquer um dos bancos requer a aprovação de 80% dos acionistas. Se o quórum mínimo não for atingido, a disputa poderá se estender por mais alguns meses, até que sejam estabelecidos novos prazos e regras. Enquanto o resultado oficial não sai, muitos dos funcionários do ABN continuam, silenciosamente, na torcida por uma vitória do Barclays -- ainda que ela lhes pareça cada vez mais distante.
Fonte: Por Carolina Meyer, in portalexame.abril.com.br
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