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Os novos líderes da sustentabilidade no Brasil

Em seu mais recente livro, "Os Desafios da Sustentabilidade", Fernando Almeida, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), faz uma provocação sobre quem seria hoje o "Nelson Mandela" da sustentabilidade, referindo-se à figura de um líder mundialmente conhecido pela defesa do futuro do planeta. Sua conclusão é de que o posto segue vago. Entre outras razões porque a noção de sustentabilidade, complexa por natureza, está "enclausurada numa elite intelectual" e não se disseminou o suficiente para produzir lideranças importantes.

O mundo, segundo ele, anda carente de líderes sustentáveis ou, como prefere chamar, "estadistas corporativos", pessoas "com a visão e a energia necessárias para catalisar as mudanças para a sustentabilidade e as características de liderança necessárias para conduzi-las."

Inspirada nessa reflexão de Almeida, a revista Idéia Socioambiental ouviu 19 pessoas, entre presidentes de empresa e executivos de responsabilidade social empresarial, com o objetivo de traçar um quadro sobre quem é esse líder, qual seu perfil, como se forma e que desafios encontra hoje à frente das organizações. Alguns dos resultados desse painel estão a seguir - e seguem nas duas próximas edições desta página de Responsabilidade Social, às terças-feiras.

Crença firme e coerência nas atitudes
Para Fábio Barbosa, presidente do ABN Amro Real no Brasil, a crença firme e a adoção de comportamentos coerentes são dois atributos importantes do perfil de um líder em sustentabilidade. "O estilo de liderança pode variar. Há quem se apóie no carisma ou em processos. Há ainda quem coloque um perfil fortemente racional a serviço do engajamento dos outros. O que não pode faltar é crença. É preciso acreditar para mobilizar e buscar a adesão de pessoas. Mais importante ainda é viver essa crença no dia-a-dia por meio de atitudes que reforcem nos outros a percepção de que se é aquilo em que se acredita", diz o também presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Na opinião de Barbosa, as crenças são produto de uma época. Assim como já se acreditou que a escravidão era um bom negócio ou, mais recentemente, que poluir representava um sinal de progresso, hoje cada vez mais pessoas acham importante uma empresa cuidar do meio ambiente, agir com ética e transparência e respeitar as pessoas. O líder em sustentabilidade deve crer profundamente na possibilidade de "dar certo, fazendo as coisas certas do jeito certo", e enfrentar, com firmeza, os eventuais dilemas que podem decorrer dessa crença. "No Brasil, prevalece uma idéia de que para dar certo é preciso transigir. Nunca acreditei nisso. Nosso primeiro dilema foi emprestar dinheiro a empresas que cortam madeira indevidamente. Decidimos não fazê-lo por várias razões. Primeiro, porque achamos que elas agem errado. Segundo, porque não acreditamos que serão sustentáveis para pagar o empréstimo. E terceiro porque as que agem certo, são mais lucrativas e melhores parceiras."

De acordo com Barbosa, decisões como esta, inicialmente vistas como restritivas, ajudaram a criar uma cultura de valores e um novo modelo de gerir a empresa. Contribuíram, sobretudo, para estabelecer um referencial ético aos funcionários e "conectar", em torno dele, novos líderes que também passaram a acreditar na sustentabilidade como um bom negócio, não por conveniência, mas por convicção.

Prazer em educar e servir
O bom líder deve ser sobretudo um educador, capaz de decidir, contagiar, motivar e entusiasmar. Assim Norberto Odebrecht, hoje presidente do Conselho de Curadores da Fundação Odebrecht, define uma boa liderança. "Mais importante de tudo, ele precisa ter prazer na tarefa de educar, dando de si em benefício dos indivíduos sob sua responsabilidade. E principalmente, deve ter prazer em servir. Servir ao próximo, ao cliente e à sociedade é a única garantia de perpetuidade para uma organização", ressalta o empresário. Criador da chamada TEO - Tecnologia Empresarial Odebrecht-, e um estudioso do tema, definiu dez capacidades que considera imprescindíveis para um líder preocupado com as questões sociais e ambientais. As cinco primeiras dizem respeito a identificar oportunidades de mudança e se antecipar a elas, compreender as aspirações da sociedade local, aproveitar todas as formas de diversidade, saber reunir os fatores de transformação de modo a conferir visibilidade às inovações e exercer respeito por meio da conduta ética de suas ações. "As outras são distinguir o desejo da necessidade, elaborar e gerenciar projetos com resultados efetivos, pautar-se pelas noções de eficiência e eficácia, imaginar um sonho coletivo e partilhá-lo e amar a comunidade e a causa escolhidas, buscando fazer o que é certo para o todo e para todos", conclui.

Valores fortes e capacidade de lidar com a complexidade
Na opinião de Elcio Anibal de Lucca, presidente da Serasa, são os valores consistentes que definem um líder em sustentabilidade. "O líder é uma transposição do conceito de empresa sustentável para o conceito de pessoa sustentável. Os valores que traz de casa, de sua formação e natureza, e do ambiente em que se formou impactam a empresa. Portanto, precisam ser bons para serem compartilhados. Além de ter valores positivos para a sociedade e empresa, o líder deve estar seguro deles para transmiti-los e atrair os que se afinam com seus princípios", diz de Lucca. Compartilhar valores, explica, por um lado fortalece a posição do líder e, por outro, proporciona condições internas para que ele consiga fazer uma gestão sustentável.

Visão ampla para compreender os novos papéis atribuídos às empresas, capacidade de comunicar estratégias e obstinação para comandar um processo gradual de mudança de atitudes. Um líder com respon-sabilidade socioambiental, segundo Rolf Dieter Acker, presidente da Basf para a América Latina, precisa ter essas três qualidades. "Ele deve saber dialogar, envolver os colaboradores, identificar sinergias, antecipar soluções, apontar perspectivas e potencializar diferenças culturais", diz. É fun-damental também, enfatiza, que saiba lidar com a complexidade do tema e suas diferentes conexões com o negócio. "O desenvolvimento sustentável não pode ser um departamento. É uma atitude que precisa ser assumida por todos os funcionários no cotidiano da empresa". Para Dieter, uma estratégia de sustentabilidade que não pode ser explicada está longe de ser uma boa estratégia. A falta de habilidade para comunicar cria um clima de incerteza e desconfiança sobre o real valor do tema para o sucesso dos negócios. "Sustentabilidade é inovação. E toda inovação enfrenta resistência no curto prazo. O líder precisa ser competente para convencer os liderados de que o custo de inovar será compensado no longo prazo com a perenidade da empresa", completa.

Enxergar oportunidades onde se vêem crises
Segundo Gilherme Peirão Leal, presidente executivo da Natura, o exercício da liderança sustentável requer paixão. Tão importante quanto acreditar na mudança que a tarefa impõe é percebê-la como algo que confere sentido novo à vida profissional. "Nunca foi tão evidente a necessidade de mudança. O jeito como vivemos, produzimos e consumimos precisa passar por uma revisão ou não teremos mais vida, empresas e produtos. Isso representa uma oportunidade fantástica. O líder deve estar envolvido, apaixonadamente, no esforço de transformar dificuldades em possibilidades", acredita.

Essa é também a opinião de Julio Moura, presidente e CEO do Grupo Nueva, dona da Masisa, de produtos para móveis, e da The Plycem Company, de produtos para construção civil. O verdadeiro líder, em sua análise, é aquele que enxerga oportunidades onde a maioria das pessoas encontra problemas. "O aquecimento global, a crise energética, a futura crise da água e a pobreza são grandes temas nos quais os líderes devem ver desafios e possibilidades. Para tanto, precisam compreendê-los em todas as suas variáveis. Além de cultura geral, valores consistentes e conduta ética sólida, é importante que sejam inovadores, tenham visão de longo prazo e perseverança", diz Moura.

Para Leal, da Natura, os novos líderes precisam incorporar às suas decisões cotidianas o conceito da interdependência, fazendo prevalecer uma nova noção de resultados que convença os céticos e os acomodados. "Ainda existe gente que acredita na ética de que todos os meios são válidos para construir um negócio. Quando entramos com o discurso, inclusive com os acionistas, de que é possível atingir bons resultados investindo na qualidade das ações que privilegiam o coletivo, enfrentamos dois opositores. Os céticos, com os quais se pode dialogar e contra-argumentar. E uma maioria de acomodados que aplaude, mas na verdade não faz nada para mudar."


Fonte: Por Ricardo Voltolini, in Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 12

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