De tempos em tempos, observamos o seguinte fenômeno: alguns termos e algumas expressões que contêm e representam conceitos e ideias forjadas por grupos historicamente tidos como formadores de opinião por excelência, residam estes no meio acadêmico, nas instituições supracionais, na dita sociedade civil organizada, entre os que conduzem o poder público ou entre o empresariado mais “reflexivo”, digamos assim, passam a ser maciçamente veiculados pela internet, pela TV e por outros veículos de comunicação, conquistando espaço e ressonância na agenda pública.
De certo modo, temos observado isso acontecer com a dita “responsabilidade social corporativa”, responsabilidade socioambiental e demais termos correlatos. Poderíamos aqui discorrer sobre o fenômeno da (re)valorização da responsabilidade das empresas como atributo de valor e, daí, a necessidade das empresas e organizações explicitarem, no âmbito discursivo, esta “promessa de entrega” à sociedade. Mas isso é tema de outra conversa...
O convite aqui é para refletirmos, senão, só estamos começando a falar “mais do mesmo”, principalmente, se a “promessa” da gestão responsável tão bem comunicada tem se configurado em iniciativas de igual envergadura. E mais: ao observador mais atento, desconfio que tem restado, ainda, a percepção de que as iniciativas em questão nem sempre têm gerado as transformações desejadas e necessárias na proporção dos recursos investidos. E como recursos, entenda-se não somente os financeiros, mas sobretudo o humano, o político-institucional e, cada vez mais precioso, o investimento do tempo dos atores sociais em questão e a expectativa nele encerrada.
É precisamente essa oportuna reflexão que nos traz o imperdível artigo ‘Estratégia e sociedade: o elo entre vantagem competitiva e responsabilidade social empresarial’, dos especialistas em estratégia empresarial da Harvard Business School Michael Porter e Mark Kramer. Publicado na Harvard Business Review já há uns dois anos, o texto não só é absolutamente atual e aplicável a nossa realidade brasileira, como é ousado ao questionar algumas premissas já consagradas entre os que operam cotidianamente a gestão da sustentabilidade nas organizações.
Segundo os autores, embora muitas empresas já tenham avançado na minimização das consequências sociais e ambientais de suas atividades, essas medidas não têm se mostrado tão produtivas quanto poderiam ser, por dois motivos: seja porque tem se flagrado uma tendência em se contrapor a empresa à sociedade, quando ambas são claramente interdependentes, seja em função de muitas organizações ainda encararem a responsabilidade social empresarial de modo genérico e não do jeito mais adequado a sua estratégia.
Como pano de fundo, os autores apontam fragilidades nas abordagens usuais que, segundo eles, têm sustentado e circunscrito o discurso da responsabilidade social corporativa. Como, por exemplo, ancorar a responsabilidade da empresa no dito dever moral quando as decisões da empresa envolvem, muitas vezes, o equilíbrio entre custos, valores e interesses conflitantes? Temos observado, até mesmo aqui no Brasil, esse dilema emergir, por exemplo, nas decisões de compra de grandes corporações, quando claramente estão contrapostas a lógica das compras descentralizadas e locais – que levam à alavancagem do desenvolvimento dos territórios onde as empresas atuam por meio do fomento à produção local – e a lógica das compras centralizadas, com vistas à diminuição dos custos unitários decorrente da produção em série, dos ditos ganhos em escala e de fatores como custo de mão-de-obra. Trata-se do mesmo princípio que tem levado empresas de call center a se basearem na Índia e grifes, como GAP, Nike e Ralph Lauren, a operarem na Indonésia, em Bangladesh e no Peru.
Outra abordagem recorrente que, segundo os autores, cabe avaliar mais criticamente, se baseia no argumento da licença para operar, consagrada em meio à discussão em torno das práticas de Engajamento de Partes Interessadas. Eles sinalizam alguns riscos, à medida que, na tentativa de atender, a todo custo, às expectativas dos stakeholders e aplacar, muitas vezes, a pressão externa, as empresas acabam, na prática, delegando integralmente sua pauta social a terceiros. Embora essas ressalvas possam gerar em alguns de nós o incômodo sentimento de retrocesso, é inquestionável que temos, sim, assistido a muitas empresas líderes de mercado desperdiçando a oportunidade de fazer investimento social estratégico e estruturante, com resultados a médio e longos prazos, ao optarem pelo atalho das ações pontuais de curto prazo em atendimento a demandas trazidas por grupos cuja representatividade e reputação são, muitas vezes, questionáveis. E como bem sinalizam Porter e Kramer: “A veemência de um grupo interessado não indica, necessariamente, a relevância da questão – seja para a empresa, seja para o mundo”.
Como avançarmos, então, de modo que o setor produtivo, articulado com o poder público e demais atores sociais, possa, mais que se impor, aplicar seus recursos e sua capacidade de gestão em atividades que possam mais contundentemente beneficiar o conjunto da sociedade?
Uma proposição trazida pelos autores é a identificação, pelas empresas, dos pontos de interseção entre os vínculos que elas estabelecem “de dentro para fora” com os territórios em função de suas atividades intrínsecas, como contratação de mão-de-obra e uso de recursos naturais, por exemplo, e “de fora para dentro” – aquilo que elas “buscam” nos territórios –, como mão-de-obra qualificada, infraestrutura física e fornecedores locais. Quanto melhor as organizações integrarem esses vínculos de dentro para fora e de fora para dentro – ou seja, os impactos na cadeia de valor ao contexto competitivo onde elas operam –, mais estratégica, duradoura e relevante será sua contribuição social, pois a dimensão social passará a ser entendida como parte do cotidiano da empresa, permeando seu modelo de gestão de impactos e suas decisões (e escolhas) quanto ao investimento social, colocando em prática aquilo que Kramer e Porter nominam como o “princípio do valor compartilhado”.
Desse modo, a questão que se coloca é, sobretudo, da esfera das escolhas. Assim como quem conduz a administração pública, em tese, pauta sua atuação com base num projeto político e ideológico, a partir do qual codifica e interpreta as necessidades da coletividade, as instituições não governamentais também elegem causas e focos prioritários de atuação, e o mesmo deveria ocorrer com as empresas com relação ao investimento social. Há que se definir que questões sociais abordar, no mínimo, porque há sempre muito por se fazer em boa parte dos territórios e os recursos são finitos, mas sobretudo porque a atuação estratégica só o é porque envolve escolhas.
Nesse sentido, o que se tem observado é que as escolhas mais felizes ou, pelo menos, as que têm gerado maior progresso e transformação social, seja em escala ou ao longo do tempo, são, em grande parte, as que integram, em maior ou menor grau, as questões sociais que emanam do território com as atividades das corporações e seus escopos de atuação. É precisamente isso o que diferencia a filantropia do investimento social corporativo estratégico. E as iniciativas que derivem dessa visão devem, sim, ser bem comunicadas, gerando a (justa) percepção de valor de quem as promove, na mesma medida em que se convertem no bom exemplo a ser seguido, pois transformam realidades.
Fonte: Por Bernadete Almeida, in www.nosdacomunicacao.com
De certo modo, temos observado isso acontecer com a dita “responsabilidade social corporativa”, responsabilidade socioambiental e demais termos correlatos. Poderíamos aqui discorrer sobre o fenômeno da (re)valorização da responsabilidade das empresas como atributo de valor e, daí, a necessidade das empresas e organizações explicitarem, no âmbito discursivo, esta “promessa de entrega” à sociedade. Mas isso é tema de outra conversa...
O convite aqui é para refletirmos, senão, só estamos começando a falar “mais do mesmo”, principalmente, se a “promessa” da gestão responsável tão bem comunicada tem se configurado em iniciativas de igual envergadura. E mais: ao observador mais atento, desconfio que tem restado, ainda, a percepção de que as iniciativas em questão nem sempre têm gerado as transformações desejadas e necessárias na proporção dos recursos investidos. E como recursos, entenda-se não somente os financeiros, mas sobretudo o humano, o político-institucional e, cada vez mais precioso, o investimento do tempo dos atores sociais em questão e a expectativa nele encerrada.
É precisamente essa oportuna reflexão que nos traz o imperdível artigo ‘Estratégia e sociedade: o elo entre vantagem competitiva e responsabilidade social empresarial’, dos especialistas em estratégia empresarial da Harvard Business School Michael Porter e Mark Kramer. Publicado na Harvard Business Review já há uns dois anos, o texto não só é absolutamente atual e aplicável a nossa realidade brasileira, como é ousado ao questionar algumas premissas já consagradas entre os que operam cotidianamente a gestão da sustentabilidade nas organizações.
Segundo os autores, embora muitas empresas já tenham avançado na minimização das consequências sociais e ambientais de suas atividades, essas medidas não têm se mostrado tão produtivas quanto poderiam ser, por dois motivos: seja porque tem se flagrado uma tendência em se contrapor a empresa à sociedade, quando ambas são claramente interdependentes, seja em função de muitas organizações ainda encararem a responsabilidade social empresarial de modo genérico e não do jeito mais adequado a sua estratégia.
Como pano de fundo, os autores apontam fragilidades nas abordagens usuais que, segundo eles, têm sustentado e circunscrito o discurso da responsabilidade social corporativa. Como, por exemplo, ancorar a responsabilidade da empresa no dito dever moral quando as decisões da empresa envolvem, muitas vezes, o equilíbrio entre custos, valores e interesses conflitantes? Temos observado, até mesmo aqui no Brasil, esse dilema emergir, por exemplo, nas decisões de compra de grandes corporações, quando claramente estão contrapostas a lógica das compras descentralizadas e locais – que levam à alavancagem do desenvolvimento dos territórios onde as empresas atuam por meio do fomento à produção local – e a lógica das compras centralizadas, com vistas à diminuição dos custos unitários decorrente da produção em série, dos ditos ganhos em escala e de fatores como custo de mão-de-obra. Trata-se do mesmo princípio que tem levado empresas de call center a se basearem na Índia e grifes, como GAP, Nike e Ralph Lauren, a operarem na Indonésia, em Bangladesh e no Peru.
Outra abordagem recorrente que, segundo os autores, cabe avaliar mais criticamente, se baseia no argumento da licença para operar, consagrada em meio à discussão em torno das práticas de Engajamento de Partes Interessadas. Eles sinalizam alguns riscos, à medida que, na tentativa de atender, a todo custo, às expectativas dos stakeholders e aplacar, muitas vezes, a pressão externa, as empresas acabam, na prática, delegando integralmente sua pauta social a terceiros. Embora essas ressalvas possam gerar em alguns de nós o incômodo sentimento de retrocesso, é inquestionável que temos, sim, assistido a muitas empresas líderes de mercado desperdiçando a oportunidade de fazer investimento social estratégico e estruturante, com resultados a médio e longos prazos, ao optarem pelo atalho das ações pontuais de curto prazo em atendimento a demandas trazidas por grupos cuja representatividade e reputação são, muitas vezes, questionáveis. E como bem sinalizam Porter e Kramer: “A veemência de um grupo interessado não indica, necessariamente, a relevância da questão – seja para a empresa, seja para o mundo”.
Como avançarmos, então, de modo que o setor produtivo, articulado com o poder público e demais atores sociais, possa, mais que se impor, aplicar seus recursos e sua capacidade de gestão em atividades que possam mais contundentemente beneficiar o conjunto da sociedade?
Uma proposição trazida pelos autores é a identificação, pelas empresas, dos pontos de interseção entre os vínculos que elas estabelecem “de dentro para fora” com os territórios em função de suas atividades intrínsecas, como contratação de mão-de-obra e uso de recursos naturais, por exemplo, e “de fora para dentro” – aquilo que elas “buscam” nos territórios –, como mão-de-obra qualificada, infraestrutura física e fornecedores locais. Quanto melhor as organizações integrarem esses vínculos de dentro para fora e de fora para dentro – ou seja, os impactos na cadeia de valor ao contexto competitivo onde elas operam –, mais estratégica, duradoura e relevante será sua contribuição social, pois a dimensão social passará a ser entendida como parte do cotidiano da empresa, permeando seu modelo de gestão de impactos e suas decisões (e escolhas) quanto ao investimento social, colocando em prática aquilo que Kramer e Porter nominam como o “princípio do valor compartilhado”.
Desse modo, a questão que se coloca é, sobretudo, da esfera das escolhas. Assim como quem conduz a administração pública, em tese, pauta sua atuação com base num projeto político e ideológico, a partir do qual codifica e interpreta as necessidades da coletividade, as instituições não governamentais também elegem causas e focos prioritários de atuação, e o mesmo deveria ocorrer com as empresas com relação ao investimento social. Há que se definir que questões sociais abordar, no mínimo, porque há sempre muito por se fazer em boa parte dos territórios e os recursos são finitos, mas sobretudo porque a atuação estratégica só o é porque envolve escolhas.
Nesse sentido, o que se tem observado é que as escolhas mais felizes ou, pelo menos, as que têm gerado maior progresso e transformação social, seja em escala ou ao longo do tempo, são, em grande parte, as que integram, em maior ou menor grau, as questões sociais que emanam do território com as atividades das corporações e seus escopos de atuação. É precisamente isso o que diferencia a filantropia do investimento social corporativo estratégico. E as iniciativas que derivem dessa visão devem, sim, ser bem comunicadas, gerando a (justa) percepção de valor de quem as promove, na mesma medida em que se convertem no bom exemplo a ser seguido, pois transformam realidades.
Fonte: Por Bernadete Almeida, in www.nosdacomunicacao.com
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