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A Rainha, por Roberto de Castro Neves

Na madrugada do dia 31 de agosto de 1997, cheguei em casa voltando de uma festa. Naquela agitação que um pilequinho proporciona, cadê o sono? Como, para mim, televisão é mais eficaz que injeção de Valium na veia, apelei para a droga. Passeando rapidamente pelos canais, o da CNN me chamou atenção: Paris, Pont de l’Alma, as câmeras mostravam o local onde acabara de ocorrer um grave acidente de carro. Acidente de carro? CNN interessada em cobri-lo para o mundo todo? Huum, aí tem coisa – pensei. E tinha. A coisa que estava dentro do veículo acidentado era nada mais, nada menos que Lady Di. Lady Di e seu namorado à época, Dodi Al-Fayed. Aí, se já estava com dificuldade de dormir, mais aceso, fiquei. Alguns minutos depois, veio a informação: Lady Di tinha morrido. Tiete que era de Diana, fiquei chocado. Peguei um copo, entornei uma dose cavalar de whisky. Em seguida, liguei para uns amigos (obviamente para aqueles que tinham estado na festa, e que, portanto, certamente ainda estariam acordados). Até hoje me são agradecidos por aquela ligação.

Isto posto, sempre acreditei ter sabido da morte de Lady Di antes da rainha Elisabeth II. Por que? Porque (calculei) o processo que permite interromper o sono da soberana numa madrugada deveria ser complicado. Complicado e, por conseqüência, demorado. Que motivos seriam considerados razoáveis para tanto? Guerra nuclear? Invasão do território inglês pelos franceses? Príncipe Charles saiu do armário? A notícia de outra travessura da menina má bem que poderia esperar o sol nascer para ser dada. Por outro lado, quem teria autoridade para fazer esse julgamento? Quem empacotaria a notícia, ou seja, de que forma ela seria dada? Quem, por fim, bateria à porta de seu quarto e, caso a rainha não ouvisse as batidas, quem estaria autorizado a ir até o leito real para cutucar o ombro da soberana e sussurrar aos seus ouvidos: “Alteza... sujou”? Pelas minhas contas, o processo todo, descrito em detalhes no Manual de Operações em seu capítulo “Quando e como acordar a rainha às altas horas”, entre o momento que o telefone bateu no Castelo de Balmoral dando a notícia do acidente e o despertar de Elizabeth, levaria no barato um par de horas.

Nove anos depois daquela noite, entrou em cartaz “A Rainha” [The Queen] do diretor Stephen Frears cujo enredo especula sobre os desdobramentos da tragédia.

Na versão de Peter Morgan, autor do roteiro do filme, a soberana teria sido acordada e informada do acidente antes de ser anunciada a morte da princesa. Assim Elisabeth teria acompanhado pela televisão, junto do marido, da rainha-mãe, comigo e com a torcida do Flamengo, os últimos momentos da ex-nora. Sei não. Pelas razões que expus acima, continuo achando que Sua Majestade só foi acordada depois da notícia da morte da ex-princesa. Quando forem abertos os arquivos da rainha, vocês verão que estou com a razão. Dou a minha cara à tapa se estiver errado.

Mas isso é absolutamente irrelevante. O importante é discutir o que o filme nos ensina sobre administração de crises empresariais ainda que Peter Morgan possa ter romanceado sobre o que aconteceu nos bastidores naquela noite e nos dias subseqüentes ao acidente.

Três dados considerados no filme são tidos como certos e, portanto, não derivam da imaginação do roteirista. Primeiro, com toda certeza, de há muito, a Família Real estava puta da vida com a ex-princesa. Porque se, para o povo, Lady Di popularizou a Família e, de certa forma, humanizou-a, na visão dessa família, o comportamento de Diana, enquanto princesa, vulgarizou a imagem da realeza. E depois do divórcio, quando Lady Di soltou a franga de vez, aí então é que a vaca dessa imagem foi pro brejo também de vez.

O segundo dado concreto é que houve uma constrangedora demora no posicionamento da rainha em relação à morte da ex-nora. Pode-se especular quanto à razão dessa demora. Tudo leva a crer que a soberana não queria de fato participar do evento. No filme, a rainha se escora em razões protocolares: a ex-nora não pertencia mais à família uma vez que já estava separada do príncipe Charles. E não se fala mais no assunto.

O terceiro dado é que a rainha acabou participando das exéquias. Desceu do pedestal e foi até a rua entrar em contato com o povo; permitiu que uma bandeira a meio pau em sinal de luto fosse hasteada no palácio; enfrentou as câmeras de televisão lendo um pronunciamento oficial, - chocho, na verdade, mas melhor que nada – no qual lamentou a morte da ex-nora; por fim, assistiu, cara emburrada, sapo atravessado na garganta, a cerimônia de encomenda do corpo. Enfim, houve uma reviravolta na postura da soberana. Sua Alteza ajoelhou no milho. O que teria motivado essa mudança, na especulação do roteirista, foi uma pesquisa de opinião, trazida ao conhecimento de Elizabeth pelo recém-empossado primeiro-ministro, Tony Blair. Por essa pesquisa, o silêncio da família real teria aumentado a rejeição popular ao sistema monárquico. Noutras palavras, coroa em perigo. Por acaso, Elizabeth II recentemente tinha lido sobre a vida de “Maria Antonieta”. Melhor por as barbas de molho.

O que aprendemos ou deduzimos dessa crise.

(1) Preconceitos e ressentimentos são sempre maus conselheiros na administração de crises. A Família Real estava na bronca com a ex-princesa. Com razão ou sem razão, o fato é que essa bronca impediu a Rainha de tomar de saída a decisão sensata sugerida pelo seu primeiro-ministro, ou seja, fazer uma declaração lamentando a morte de Diana a zero minuto de jogo. O fato de Diana não pertencer mais à Família não poderia ser um obstáculo. Ela era mãe do futuro rei da Inglaterra, by the way. Portanto, Alteza, às favas o protocolo! As pessoas têm preconceitos, mágoas, ressentimentos. As instituições, não os tem. Quem representa as instituições precisa ter isto em mente. Ouviu bem, Elizabeth? O conselho vale também para os empresários. Quando o bicho pega, não adianta perder tempo achando que os consumidores são os eternos insatisfeitos, que os empregados reclamam de barriga cheia, que as ongs são um bando de maconheiros.

(2) O silêncio é uma das formas mais contundentes de comunicação. Na melhor das hipóteses, o silêncio pode significar respeito. Mas, na maioria das vezes, permite leituras mais desagradáveis: omissão, irresponsabilidade, inveja, desprezo, tô nem aí, arrogância, falta de sensibilidade, baixeza. Em suma, lenha na fogueira.

(3) Nas crises, a demora no posicionamento turbina o problema. A rainha ouviu os políticos, o maridão, a rainha-mãe, o filho, etc. Nas crises empresariais, acontece o mesmo. Antes de pronunciar-se, o CEO ouve deus e o mundo: advogados, relações-públicas, publicitários, a família, os amigos, a cartomante, etc. Ouvir todo mundo não está errado. Aliás, faz muito bem ouvir todo mundo. Aconselhar-se faz bem à saúde. Mas, nessas horas, o processo de consulta tem que voar. Quanto antes posicionar-se, menor o estrago. As vítimas, os lesados, a mídia, a Opinião Pública não podem esperar. Não é, portanto, momento para grandes reflexões filosóficas, do levantamento de dúvidas existenciais. Nem de esperar por ter todos os dados para decidir. Aconselhou-se, se os dados em mãos não são suficientes, complemente-os com a intuição, com bom senso, feeling. Afinal, se está no cargo deve tê-los de sobra. O fato da rainha ter voltado atrás evitou a catástrofe de imagem. Mas, nas crises, o “ antes tarde do que nunca” não é atenuante. Fica sempre na boca do povo o gosto amargo de fel.

Ah, importante dizer: Helen Mirren arrebentou, no papel de Elisabeth II. Por conta do desempenho, ganhou o Oscar de Melhor Atriz. Pra lá de merecido. Até hoje, quando penso na rainha, me vem à mente a figura de Helen Mirren.


Fonte: Por Roberto de Castro Neves

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