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Crise coloca o consumidor no centro dos negócios

A atual crise econômica fará muitas companhias voltar seus esforços à forma básica de se fazer negócios, sempre privilegiando previsões a médio e longo prazo, ao invés de lutar por lucros instantâneos. Essa é análise que faz o inglês Graham Tocher, Diretor Regional de Stakehold Management da TNS e Diretor Regional da área Financeira do instituto de pesquisa, que esteve em São Paulo na última sexta-feira para uma palestra promovida pela TNS sobre como reter clientes em tempos de crise.

Atualmente trabalhando no escritório regional de Cingapura, Tocher vive há 20 anos na Ásia e veio ao Brasil pela terceira vez nos últimos quatro anos. Em entrevista ao Mundo do Marketing, Tocher dá sugestões de gestão nesses tempos de crise e acredita que o atual cenário fará com que empresas deixem de focar em resultados pontuais para agradar investidores, de quem acredita que o mercado tenha se tornado “escravizado”.

Para contornar o problema, Tocher crê que as empresas devem buscar um denominador comum que atenda todos os envolvidos no gerenciamento da empresa, mas sem deixar de colocar o consumidor no centro de toda a questão e nunca colocando a marca além do que a empresa possa controlar ou atender. O executivo fala ainda sobre os efeitos nos diversos setores do mercado global, principalmente o financeiro.

Mundo do Marketing: Como a crise afetou no processo de conquista e retenção de clientes?
Graham Tocher: A crise econômica global está criando uma dinâmica de mercado completamente nova em todo o mundo. Há estudos que apontam um comportamento do consumidor semelhante, seja em países emergentes ou desenvolvidos: eles irão reduzir suas compras, estão em busca de um segundo emprego para aumentar a renda, acreditam que seus empregos estão em riscos e preveem a necessidade de pedir empréstimo, apesar de saberem que será mais difícil conseguir. Isso fará mudar drasticamente o modo como as pessoas consomem bens e serviços.

E o que deve ser feito então para conquistar clientes nesse cenário?
É vital que a empresa entenda as diferentes necessidades, expectativas e formas de relacionamento que eles têm com uma marca/produto. Para conseguir atingir um consumidor, as companhias terão que garantir que aquilo que entrega atendam aquilo que desejam. O modo como as empresas vêm atuando nas últimas décadas precisa ser repensado. É preciso avaliar se os antigos modelos, estruturas, políticas, etc, irão continuar valendo nessa nova dinâmica. As empresas devem ainda valorizar a entrega da experiência de consumo e descobrir como agregar valor a seus produtos, além de garantir que esse valor será entregue ao consumidor.

A segunda coisa importante é o valor dos funcionários, principalmente aqueles que se relacionam com os consumidores. Quando todo mundo se preocupa em relação ao seu futuro e seu trabalho, é bem difícil fazer com que eles estejam entregando a mesma qualidade de serviço que você precisa para seus consumidores. O empregador deve garantir essa eficiência, assim como fazê-los estar a par do negócio e que estejam motivados no ambiente em que estão trabalhando.

Uma experiência satisfatória de consumo deve ser priorizada através da análise da entrega de produtos e todos os pontos de contato com o consumidor, corrigindo onde ela não estiver funcionando bem e removendo as ineficiências. É importante acompanhar pesquisas de mercado que possam ajudar a formular novas estratégias.

Como outros setores da economia estão reagindo à crise nas instituições financeiras?
Apesar da crise ter começado no setor financeiro, ela já avançou muito além disso e está afetando todos os setores mundialmente. Em um efeito dominó, com os bancos sob pressão, eles não estão mais aptos a fornecer empréstimos para empresas, que assim não podem muitas vezes bancar seus negócios e fornecer os serviços e produtos que os consumidores estão procurando. Outro problema é que os consumidores estão chegando a conclusões como: “talvez eu não precise de um novo produto a cada seis meses. Talvez eu consiga estender o atual para um ano, ou talvez um ano e meio”. Isso resulta numa queda na demanda que resulta em novos problemas financeiros.

Se você olhar para o Baltric Dry Index [N.R.: índice de contratação de frete marítimos de cargas das 26 principais linhas marítimas], verá que ele caiu drasticamente nos últimos anos e chegou a níveis baixíssimos [N.R.: o índice teve um recorde em maio último, registrando 11,793 pontos. Porém, em dezembro, registrou o seu mais baixo valor desde 1986 (663 pontos), em uma queda de 94% em apenas meio ano, apesar de ter se recuperado um pouco nos primeiros meses desse ano – em fevereiro marcou 1,316].

Há quem diga que a crise representa uma ruptura do atual sistema capitalista e que qualquer tentativa de previsão econômica não tenha mais qualquer relevância. Até que ponto isso é verdade?
Eu não acho que o capitalismo está morto. O que estamos vendo é um retorno ao modo básico de se fazer negócios, com perspectivas em médio e longo prazo do gerenciamento do negócio. O mercado atualmente estava decididamente procurando cumprir metas semestrais, anuais, tornando-se escravos de investidores, tendo que atender às suas expectativas.

Isso cria uma pressão de como você toma o negócio. É preciso reconhecer agora que há uma situação em que muitas empresas precisam desenvolver confiança no relacionamento com consumidores, funcionários, e, sim, os investidores também, assim como órgãos governamentais, mas sempre colocando os clientes em destaque, no centro de tudo isso. O único modo de alcançar isso é ter um claro entendimento das necessidades do negócio e todos esses envolvidos, de forma a encontrar um equilíbrio.

As marcas multinacionais devem temer um maior protecionismo no comércio mundial? Não apenas por parte de medidas econômicas de governos, mas também dos consumidores, que podem optar por privilegiar marcas nacionais?
Há alguns movimentos nessa direção, com os governos claramente impondo regulamentações rígidas em seus mercados. Eles estão protegendo seus negócios, claro, mas não acho que chegaremos a um ponto em que poderá ser chamado de protecionismo. Pode-se compreender que as companhias locais estejam colocando suas cartas no jogo, já que depois das multinacionais, elas também estão sentindo os efeitos da crise. Todo mundo está passando pelo mesmo processo e está batalhando para sair disso.

Para as companhias em solo estrangeiro, a aproximação com o mercado local é muito importante. As companhias precisam entender a dinâmica local do mercado para poder administrar melhorar as crises internas. Esse aprendizado poderá ainda ser uma base de como contornar uma crise mundial naquele mercado.

Que tipos de produtos devem surgir nas instituições financeiras durante a crise?
O wealth management [N.R.: atendimento privilegiado a pessoas físicas e jurídicas com grandes volumes financeiros] deverá ser repensado e voltar ao básico, procurando aplicar depósitos em moedas estrangeiras e priorizar o gerenciamento de seus principais produtos. Veremos uma grande simplificação da variedade de serviços que os bancos oferecerão aos consumidores e um reforço na conveniência no uso de produtos e contatos com as instituições financeiras, que precisarão também reconstruir a confiança com seus clientes através de uma relação mais leal e pessoal com o consumidor.

Um dos principais erros é fazer com que as promessas da marca sobreponham os limites sobre o que ela não pode cumprir. Ao invés disso, é importante balancear a expectativa que os consumidores têm daquela marca com o que ela realmente pode entregar

Que oportunidades a crise proporcionou?
Acredito que agora é uma boa hora para as companhias reposicionarem suas marcas e principalmente antecipar vantagens de mercado. Se você olhar para o passado, verá que muitas companhias em tempos de crise financeira investiram em marcas de relevância, significância, e bem focadas em seu público alvo, saindo da crise com um bom market share. Seria errado uma companhia parar de desenvolver sua estratégia, suas marcas. Mas, ao mesmo tempo, não pode levar à marca além de onde ela pode controlar.

Como o mundo está vendo o Brasil nessa crise?
Depois dos países desenvolvidos, estamos vendo os mercados emergentes também serem afetados pelas mudanças do mercado. O que vemos hoje é uma queda nas bolsas de valores de todo o mundo em uma comparação anual, como o Brasil. O PIB também irá desacelerar em 2009, crescendo 1,6% [N.R: o último dado do boletim Focus, do Banco Central, divulgado hoje, fala em estagnação, com crescimento de apenas 0,01%]. O que o mundo está prevendo é uma desaceleração na economia brasileira, como na de todo o mundo.

Você vive há quase 20 anos na Ásia. Qual a diferença do consumidor asiático em relação ao latino-americano, mais especificamente o brasileiro?
Eu não trabalhei diretamente com companhias brasileiras, mas o que percebo é que os mercados emergentes têm uma percepção positiva de crescimento, em que os consumidores observam seus modos de vida melhorando. Isso também há no mercado asiático, em países como Vietnã e Indonésia. O que é universal é que todas as pessoas naturalmente almejam uma melhor qualidade de vida e que possam ter acesso a coisas que não podiam suas gerações passadas.

Qual a sua opinião sobre o mercado financeiro no Brasil?
É algo natural que os bancos comecem a se fundir em mercados onde há excesso de empresas competido. Isso faz sentido, já que muitas empresas se vêm sob pressão com a crise. Mas há de se lembrar que para se fundir ou adquirir uma empresa, há algumas condições financeiras que precisam ser mexidas, e está difícil conseguir financiamento. O que vejo no mercado brasileiro é que os bancos internacionais estão se tornando mais fortes. Eles trazem um conhecimento e experiência em Marketing que vai influenciar a competição no país.

Qual a sua opinião sobre o Marketing brasileiro?
Vejo agora uma boa oportunidade para as marcas focarem em consumidores que só agora conquistaram o poder de compra. Ao mesmo tempo, o Marketing está bem sofisticado, semelhante ao de países desenvolvidos. É um mercado muito único e interessante, bastante sucedido, e que melhorou sua situação econômica em todos os aspectos, criando muitas oportunidades. O futuro no Brasil é bem promissor.


Fonte: Por Guilherme Neto, in www.mundodomarketing.com.br

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