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A dimensão individual da responsabilidade social

Ao seu estilo polêmico, a revista Time sugeriu, em matéria de capa publicada no final de 2005, que os ídolos podem ser levados a apoiar causas sociais por culpa, fé, sofrimento pessoal, reputação, autopromoção ou mesmo interesse político. Opiniões controversas á parte, até mesmo a reportagem, quase sempre em tom crítico, reconheceu o que já se sabe há algum tempo sobre a força dos militantes famosos: dotados de carisma, credibilidade pública e uma aura muitas vezes mítica eles têm o poder de turbinar as causas que abraçam, não apenas com a doação de recursos financeiros --o que toda celebridade já fez um dia-- mas chamando a atenção para temas espinhosos em relação aos quais as pessoas tendem a ficar indiferentes. Goste-se ou não, aprove-se ou não a sua motivação, eles cumprem um papel social. São os arautos de uma nova ética, socialmente responsável, altruísta e engajada.

Entrevistado por Time, o cantor e compositor Peter Gabriel, co-fundador da ONG Witness, acha mais fácil ignorar o discurso compenetrado de Kofi Annan, ex-secretário geral da ONU, do que os apelos emocionais da bela atriz Angelina Jolie. E quem há de discordar disso? Dona de um belo e conhecido rosto, estrela maior de Hollywood, Jolie tem a exata consciência do poder de influência de suas atitudes. Sabe que, para o bem e para o mal, qualquer ato público seu desperta uma curiosidade planetária. Por isso, abusa dos gestos simbólicos e com forte significado humanitário.

Ao adotar um menino do Cambodja e uma menina da Etiópia, ela não só fez o mundo inteiro prestar mais atenção á situação de miséria daqueles países como também provocou as pessoas a olharem as crianças sob risco social como se fossem seus próprios filhos. A atriz é embaixadora da boa vontade da ONU e, ao lado do marido, o também ator Brad Pitt, viaja o mundo a serviço de diferentes causas sociais.

O mesmo raciocínio vale para Bono Vox, da banda irlandesa U2, notável ícone pop da luta contra as injustiças sociais. Considerado um chato entre os que torcem o nariz para artistas engajados, Vox multiplica o prestígio de toda causa que apóia. E elas são muitas. Quando não está nos palcos, ele pode ser visto em encontros importantes como o Fórum Econômico de Davos (Suíça), ou à frente de ações pela paz, meio ambiente e igualdade étnica. Sua marca pessoal, permanentemente em alta, é objeto de concorrência entre instituições e estadistas de todo mundo. Pode-se acusar Jolie e Vox de autopromoção. E até há quem o faça pelo vício de julgar. Mas em um mundo de holofotes, no qual a informação circula na velocidade da luz, eles entenderam que a fama mundial impõe uma responsabilidade social do mesmo tamanho. E a exercem usando o melhor do seu patrimônio: uma imagem poderosa capaz de atrair as câmeras na direção de tudo o que apontem o dedo.

Segundo a reportagem de Time, pouca coisa importa no mundo globalizado "se não houver uma câmera apontada". Para a revista, o ativismo de um pop star pode até soar algo ridículo. Mas apenas porque ele nos lembra que nós o somos também na medida que perdemos tempo com assuntos menos importantes, ignorando questões que são de vida ou morte para outras pessoas. A matéria alerta ainda para uma certa "apatia" da população, que se contenta em criticar os ídolos engajados em vez de assumir um comportamento mais socialmente responsável.

A despeito de um tanto genérico, o puxão de orelhas faz algum sentido. E vale também não só para cobranças feitas aos ídolos mas também às empresas socialmente responsáveis. Com o crescimento do movimento de responsabilidade social empresarial no Brasil, as pessoas tendem a ficar mais exigentes e vigilantes em relação ao comportamento das corporações. Este é um movimento saudável, útil e necessário. Bom para todo mundo pois gera um ciclo virtuoso. Mas vale refletir: até que ponto cada pessoa faz a sua parte, na condição de profissional, consumidor e cidadão, para, por exemplo, reduzir impactos ambientais, doar tempo e conhecimento a projetos comunitários, punir empresas pouco éticas deixando de comprar seus produtos e estabelecer relações transparentes com todas as "partes interessadas" de sua vida.

Antes de projetar no outro -o ídolo, a empresa, os governos -o desejo de que façam o que, a rigor, não estamos fazendo, por inércia ou comodismo, importa compreender que a responsabilidade social tem um também um componente individual. Só funcionários compromissados formam uma empresa socialmente responsável. Só consumidores conscientes, convictos do seu papel, retroalimentam, na ponta, o ciclo de responsabilidade social empresarial. Só cidadãos plenos ajudam construir uma sociedade melhor, com ídolos, governos e empresas melhores.


Fonte: Por Ricardo Voltolini, in www.aberje.com.br

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